quarta-feira, 18 de janeiro de 2017

Séries: The OA - Parte Final - Especulações

The OA – Parte final - Especulações 

***CONTÉM ZILHÕES DE SPOILERS***






        Última parte do comentário dessa série. Aqui deixo um pouco o campo de certezas e passo a especulações a respeito de pontos que não ficaram explicados no decorrer da temporada.  Claro que em primeira instância somente os autores da série poderiam realmente explica-la.
    
    Porém, podemos ter pistas:
1º - Não é um esquema cultural cristão que permeia a série;
2º - Há a crença em uma pós vida entre o momento que se morre mas ainda se continua vivo;
3º - Há um misticismo, não tão velado, no subtexto do roteiro;
4º - Há uma suposta máscara de ficção científica acompanhando a série;
5º - Há um desenrolar narrativo que mais esconde que revela;
6º - Há um jogo de verdades e mentiras na história de Prairie (Brit Marling) mesmo não sendo evidente qual é qual;
7º - É uma história estranha pois nos falta chaves de leituras para compreender e por alguns pontos estarem ligadas a noções científicas que nós, brasileiros temos pouco acesso ou quase nenhum.


        Em vista disso podemos dizer que quando Prairie ainda criança perder a visão nada mais é que a condição de todos os seres humanos em função da verdade. Verdade metafísica, verdade mística. Somos cegos. E segundo algumas filosofias religiosas nascemos com o dom de perceber e enxergar, mas, por algum motivo, perdemos. No momento que Prairie se encontra em outra dimensão fica diante da grande mãe de todos, pode ser uma divindade ou mesmo a vida personificada. Essa entidade, chamemos assim, permite que a pessoa volte ou que siga adiante. É uma figura maternal que num primeiro momento tira a garotinha de um buraco cheio de algum líquido, é o próprio ventre do universo onde todos nós somos gerados para o eterno ou para o temporal. Lá é onde nossas supostas escolhas ocorrem. É como se antes de vir ou retornar à Terra tivéssemos o direito de escolher algo que nos afetará. Porém somos crianças e escolhemos muitas vezes sem entender direito o que é que estamos fazendo. Por isso que para voltar a enxergar teremos que fazer um processo de imersão na vida, nos conhecimentos, mesmo que sigamos por caminhos errados, a exemplo de Prairie que vai até Nova York e confia em um estranho que a priva de liberdade.

       A vida não é fácil, há dificuldades que a cultura propicia. Os médicos viam em Prairie um início de algum distúrbio mental. E quem sabe isso é o indício máximo que Prairie é apenas uma mentirosa que engana a todos nós? Ou então, é a vida colocando os obstáculos que nos impede ou nos ajuda a crescer.

        Já presa por “Hap” Prairie se encontra diante de mais três pessoas, posteriormente quatro, que nada mais são que a grande comunidade humana observada por uma figura patriarcal que provê a sobrevivência do grupo ao mesmo tempo que os aprisiona em paredes de “vidro”. Talvez uma referência a repressão do sistema patriarcal que vigora no cristianismo e que nos prende em prisões invisíveis, como o preconceito, fundamentalismo etc. Prairie tenta se aproximar desse poder patriarcal e em certo momento se rebela, coloca remédio para dormir moído na comida de “Hap” que com astúcia reverte a situação para que Prairie o salve. Assim, perdendo a confiança desse representante do poder patriarcal, ou da divindade masculina, ela vai perceber que não importa ter ele ou não ao seu lado, a grande mãe está além de seu alcance, está no plano cósmico que ele mesmo não ousa ir. Por isso usa “cobaias” humanas, que as mata sucessivamente, na história para o experimento de situação de quase morte. E esse é o trunfo de Prairie, ir onde “Hap” não ousa ir. Ir num lugar que o perseguidor não a alcance e que consiga elaborar um plano de fuga, com liturgias repetitivas, a dança, todas as religiões possuem “repetições” para se transcender, ela vai tentar vencer o dominador patriarcal.
      
  O universo na figura de Cathun é colocada como uma mulher, é o contraponto do sistema patriarcal que Prairie se vê presa e obrigada a participar. Notem que “Hap” prende o grupo em quadrados de vidro e Cathun está cercada de “quadrados” de universos. Um prende, a outra liberta. Porém a liturgia não é mais dada pelo lado masculino dominador patriarcal, agora há uma nova proposta vinda de um lado relegado e esquecido, um lado matriarcal. Mas essa liturgia só funciona quando a comunidade se esforça em conjunto. É por isso que cada um recebe um movimento da estranha dança. A graça faz parte do grupo e não de um indivíduo provido de força, caráter e poderes sobre-humanos. É o grupo que precisa dançar em união para acontecer o milagre no período de vida. Isso é reforçado no episódio 5 quando o casal primordial, os dois primeiros que receberam os movimentos da dança, Prairie e Homer, isso é bem simbólico, são como novos Adão e Eva, conseguem trazer a vida Scott, o mais debilitado física e moralmente de todos. Ele morre de forma contundente e volta a vida com o esforço do casal inicial. A partir deste ponto de conquista todos acreditam e iniciam sua busca para uma fuga invocando um portal entre os universos que, segundo a série, existem no mesmo plano que o nosso. Isso desencadeia a expulsão de Prairie do grupo. Ela poderia ser morta mas é libertada como uma condenada a viver fora do paraíso, fora do convívio do representante do sistema patriarcal. Afinal ela é a grande motora da rebelião do grupo. Ela que desencadeia o conhecimento de todos. E este é o motivo que no processo ela volta a enxergar. Ela consegue atingir a verdade universal, a luz, a iluminação. E essas pessoas que atingem esse ponto de iluminação são chamadas a propagar o que aprenderam.
      
  Por isso a primeira coisa que faz quando volta para sua vida “normal” e quando pode é convocar pessoas que queiram deixar a porta aberta para conheceram uma verdade. A porta aberta não é meramente a da casa, é a da alma, da consciência. Por isso o pai de Buck Vu (Ian Alexander) fecha a porta no meio da noite. Ele está na escuridão da vida e não consegue se permitir que a porta se abra ou a porta de alguém fique aberta. Lembro que ele quer o tempo todo negar que Buck é um transexual. Ele não vê a verdade. E os que respondem ao chamado de Prairie são pessoas desesperadas pelos percalços da vida. Não aguentam mais o sistema cultural em que vivem. Precisam de mudança. Por isso o chamado de Prairie é tão encantador e acolhedor. Eles se envolvem numa “boa nova” diferente que lhes dá esperança diante da “boa nova” antiga. Precisam acreditar. Por mais que seja difícil e por mais que tudo indique que não há verdade.
       
O ritual litúrgico é passado e o novo grupo, a transposição da comunidade anterior que Prairie acabou sendo expulsa, vai aprendendo e criando um vínculo energético que os afeta nas suas vidas particulares. É onde a desiludida e amarga Beth se ajeita com o “fantasma” de seu irmão, Steve se sente pela primeira vez acolhido, mesmo tendo atitudes agressivas, Jesse encontra uma nova família e dispersa sua solidão, French consegue alívio do peso de sua vida difícil de cuidar sozinho da casa e ainda estudar para conseguir uma bolsa de estudos, pois é pobre e não tem como pagar a faculdade, e  Buck percebe que sua transição é algo necessário para ser quem realmente é, e no grupo encontra motivação para continuar. Mesmo que o pai não aprove.
      
  Por fim, o grupo tenta acreditar e é posto à prova. Quando, numa situação extrema, eles fazem o que podem, repetem o ritual litúrgico, a dança, para evitar uma catástrofe. De certa forma conseguem, de certa forma eles atingem o ponto de união necessário para se mudar a realidade. Mas o “mestre” é atingido por uma bala e isso pode ser a passagem que Prairie tanto ansiava para atingir outro universo. As vezes o “mestre” tem que sair de cena para o “aprendiz” crescer.

     
   Por certo que tudo pode ser apenas uma forma dos roteiristas contarem uma boa história. Pode ser apenas algo mais material e pode ser algo da loucura de uma garota perturba por falta dos remédios certos e vítima de um grande trauma. Porém, os dados nos foram postos para nos deixar, não só curiosos e ansiosos por uma nova temporada, mas também pensativos e contemplativos. 




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