The OA – Parte final - Especulações
***CONTÉM ZILHÕES DE SPOILERS***
Última
parte do comentário dessa série. Aqui deixo um pouco o campo de certezas e
passo a especulações a respeito de pontos que não ficaram explicados no
decorrer da temporada. Claro que em
primeira instância somente os autores da série poderiam realmente explica-la.
Porém,
podemos ter pistas:
1º - Não é um esquema cultural
cristão que permeia a série;
2º - Há a crença em uma pós vida
entre o momento que se morre mas ainda se continua vivo;
3º - Há um misticismo, não tão
velado, no subtexto do roteiro;
4º - Há uma suposta máscara de
ficção científica acompanhando a série;
5º - Há um desenrolar narrativo
que mais esconde que revela;
6º - Há um jogo de verdades e
mentiras na história de Prairie (Brit Marling) mesmo não sendo evidente qual é
qual;
7º - É uma história estranha pois
nos falta chaves de leituras para compreender e por alguns pontos estarem
ligadas a noções científicas que nós, brasileiros temos pouco acesso ou quase
nenhum.
Em
vista disso podemos dizer que quando Prairie ainda criança perder a visão nada
mais é que a condição de todos os seres humanos em função da verdade. Verdade
metafísica, verdade mística. Somos cegos. E segundo algumas filosofias
religiosas nascemos com o dom de perceber e enxergar, mas, por algum motivo,
perdemos. No momento que Prairie se encontra em outra dimensão fica diante da
grande mãe de todos, pode ser uma divindade ou mesmo a vida personificada. Essa
entidade, chamemos assim, permite que a pessoa volte ou que siga adiante. É uma
figura maternal que num primeiro momento tira a garotinha de um buraco cheio de
algum líquido, é o próprio ventre do universo onde todos nós somos gerados para
o eterno ou para o temporal. Lá é onde nossas supostas escolhas ocorrem. É como
se antes de vir ou retornar à Terra tivéssemos o direito de escolher algo que
nos afetará. Porém somos crianças e escolhemos muitas vezes sem entender direito
o que é que estamos fazendo. Por isso que para voltar a enxergar teremos que
fazer um processo de imersão na vida, nos conhecimentos, mesmo que sigamos por
caminhos errados, a exemplo de Prairie que vai até Nova York e confia em um
estranho que a priva de liberdade.
A
vida não é fácil, há dificuldades que a cultura propicia. Os médicos viam em
Prairie um início de algum distúrbio mental. E quem sabe isso é o indício
máximo que Prairie é apenas uma mentirosa que engana a todos nós? Ou então, é a
vida colocando os obstáculos que nos impede ou nos ajuda a crescer.
Já
presa por “Hap” Prairie se encontra diante de mais três pessoas, posteriormente
quatro, que nada mais são que a grande comunidade humana observada por uma
figura patriarcal que provê a sobrevivência do grupo ao mesmo tempo que os
aprisiona em paredes de “vidro”. Talvez uma referência a repressão do sistema patriarcal
que vigora no cristianismo e que nos prende em prisões invisíveis, como o
preconceito, fundamentalismo etc. Prairie tenta se aproximar desse poder patriarcal
e em certo momento se rebela, coloca remédio para dormir moído na comida de “Hap”
que com astúcia reverte a situação para que Prairie o salve. Assim, perdendo a
confiança desse representante do poder patriarcal, ou da divindade masculina,
ela vai perceber que não importa ter ele ou não ao seu lado, a grande mãe está
além de seu alcance, está no plano cósmico que ele mesmo não ousa ir. Por isso
usa “cobaias” humanas, que as mata sucessivamente, na história para o
experimento de situação de quase morte. E esse é o trunfo de Prairie, ir onde “Hap”
não ousa ir. Ir num lugar que o perseguidor não a alcance e que consiga elaborar
um plano de fuga, com liturgias repetitivas, a dança, todas as religiões
possuem “repetições” para se transcender, ela vai tentar vencer o dominador
patriarcal.
O
universo na figura de Cathun é colocada como uma mulher, é o contraponto do
sistema patriarcal que Prairie se vê presa e obrigada a participar. Notem que “Hap”
prende o grupo em quadrados de vidro e Cathun está cercada de “quadrados” de
universos. Um prende, a outra liberta. Porém a liturgia não é mais dada pelo
lado masculino dominador patriarcal, agora há uma nova proposta vinda de um
lado relegado e esquecido, um lado matriarcal. Mas essa liturgia só funciona
quando a comunidade se esforça em conjunto. É por isso que cada um recebe um
movimento da estranha dança. A graça faz parte do grupo e não de um indivíduo
provido de força, caráter e poderes sobre-humanos. É o grupo que precisa dançar
em união para acontecer o milagre no período de vida. Isso é reforçado no
episódio 5 quando o casal primordial, os dois primeiros que receberam os
movimentos da dança, Prairie e Homer, isso é bem simbólico, são como novos Adão
e Eva, conseguem trazer a vida Scott, o mais debilitado física e moralmente de
todos. Ele morre de forma contundente e volta a vida com o esforço do casal
inicial. A partir deste ponto de conquista todos acreditam e iniciam sua busca
para uma fuga invocando um portal entre os universos que, segundo a série,
existem no mesmo plano que o nosso. Isso desencadeia a expulsão de Prairie do
grupo. Ela poderia ser morta mas é libertada como uma condenada a viver fora do
paraíso, fora do convívio do representante do sistema patriarcal. Afinal ela é
a grande motora da rebelião do grupo. Ela que desencadeia o conhecimento de todos.
E este é o motivo que no processo ela volta a enxergar. Ela consegue atingir a
verdade universal, a luz, a iluminação. E essas pessoas que atingem esse ponto
de iluminação são chamadas a propagar o que aprenderam.
Por
isso a primeira coisa que faz quando volta para sua vida “normal” e quando pode
é convocar pessoas que queiram deixar a porta aberta para conheceram uma
verdade. A porta aberta não é meramente a da casa, é a da alma, da consciência.
Por isso o pai de Buck Vu (Ian Alexander) fecha a porta no meio da noite. Ele está
na escuridão da vida e não consegue se permitir que a porta se abra ou a porta
de alguém fique aberta. Lembro que ele quer o tempo todo negar que Buck é um transexual.
Ele não vê a verdade. E os que respondem ao chamado de Prairie são pessoas
desesperadas pelos percalços da vida. Não aguentam mais o sistema cultural em
que vivem. Precisam de mudança. Por isso o chamado de Prairie é tão encantador
e acolhedor. Eles se envolvem numa “boa nova” diferente que lhes dá esperança
diante da “boa nova” antiga. Precisam acreditar. Por mais que seja difícil e
por mais que tudo indique que não há verdade.
O
ritual litúrgico é passado e o novo grupo, a transposição da comunidade
anterior que Prairie acabou sendo expulsa, vai aprendendo e criando um vínculo
energético que os afeta nas suas vidas particulares. É onde a desiludida e
amarga Beth se ajeita com o “fantasma” de seu irmão, Steve se sente pela
primeira vez acolhido, mesmo tendo atitudes agressivas, Jesse encontra uma nova
família e dispersa sua solidão, French consegue alívio do peso de sua vida
difícil de cuidar sozinho da casa e ainda estudar para conseguir uma bolsa de
estudos, pois é pobre e não tem como pagar a faculdade, e Buck percebe que sua transição é algo
necessário para ser quem realmente é, e no grupo encontra motivação para
continuar. Mesmo que o pai não aprove.
Por
fim, o grupo tenta acreditar e é posto à prova. Quando, numa situação extrema,
eles fazem o que podem, repetem o ritual litúrgico, a dança, para evitar uma catástrofe.
De certa forma conseguem, de certa forma eles atingem o ponto de união
necessário para se mudar a realidade. Mas o “mestre” é atingido por uma bala e
isso pode ser a passagem que Prairie tanto ansiava para atingir outro universo.
As vezes o “mestre” tem que sair de cena para o “aprendiz” crescer.
Por
certo que tudo pode ser apenas uma forma dos roteiristas contarem uma boa
história. Pode ser apenas algo mais material e pode ser algo da loucura de uma
garota perturba por falta dos remédios certos e vítima de um grande trauma. Porém,
os dados nos foram postos para nos deixar, não só curiosos e ansiosos por uma
nova temporada, mas também pensativos e contemplativos.
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