Irmão Sol, Irmã Lua
Entre
tantos produtos que a religião cristã criou ao longo de 2 mil anos, Francisco é
um ótimo exemplar. Poucos sabem, mas ele nunca quis receber o título de padre,
ou, como o forçaram depois, pouco antes de morrer, de diácono. Ele sempre quis
ficar leigo, fora da hierarquia da igreja. Enquanto a igreja insistia em pompas
luxuosas e devassidão Francisco dá uma guinada para a proposta evangélica mais
simples e radical de todas: a pobreza. Não é fácil viver a pobreza. Pode se falar
o que quiser, pobreza é não estar sob a proteção cultural estabelecida através
de convenções, seja dinheiro, seja bens, o que for que cause a estabilidade material.
E quando falo que Francisco foi uma figura emblemática e um bom exemplo cristão
eu não estendo isso aos franciscanos. Ordem que surge contrariamente aos
desejos do próprio Francisco. Ele foi desafiador pois nunca quis aparecer, e
apareceu, nunca quis ser importante, e se tornou. Quis ajudar os pobres vivendo
como ele. E seu carisma, ou força mística que faz seguir suas convicções, foi
tão intenso que fez um monte de jovens pela Europa toda aderir ao seu estilo de
vida. Ligado a uma integração mais cósmica e humana com a natureza e a sociedade
que o cercava, se desapega da primeira instituição que prende o homem
verdadeiramente livre, a família. Ele era filho de mercador rico e angustiado
com uma possibilidade de vida massacrante, reflete isso após participar de uma
guerra, se rebela e vai morar nas ruas. Mendiga, quebrando o seu querer e
superando seu próprio ego. É interessante como a mendicância está até na vida
de Buda, faz pensar...
Francisco
esfrega na cara que “fora da igreja há salvação” pois ele constrói uma igreja.
Não é a igreja que o constrói a exemplo de muitos outros santos oficiais. E aqui
uso uma fonte anônima, um professor que tive na faculdade, franciscano que
abandonou o hábito, para dizer que houve um transtorno enorme com a figura de
Francisco. Iletrado, sabia o mínimo para poder ler e nunca para teologizar
nada, simples, do meio do povo, sem desejo de pertencer ao clero e com uma
santidade inegável ele se tornou uma pedra incômoda numa época que a ideologia
elitizava a instituição através de pessoas “escolhidas” por Deus que,
participando de um ritual de vassalagem, se tornavam dignos de levar o
evangelho a qualquer lugar. E Francisco não quer ser desse grupo elitista. Quer
agir, viver, ser alegre, ter dificuldades, caminhar descalço, conversar com o
povo e ser povo com o povo... Isso era inconcebível pois só pessoas do clero,
religiosos e nobres podiam conseguir o status de santidade. Por isso na
contrapartida de Francisco, assim que ele morre, constroem a figura de Antônio,
o de Pádua para alguns e de Lisboa para outros. Antônio, inegavelmente santo
também, adere aos preceitos e exemplos de Francisco, se torna franciscano, mas
Antônio já era padre ordenado. Já tinha feito teologia, já escrevia com esmero.
Era institucionalizado. E mais rápido que o processo de canonização de
Francisco, foi o de Antônio. Pois Francisco era perigo, Antônio era retorno ao
seio da mãe igreja. Francisco era puro emanar do Espírito Santo que ninguém
segura pois sopra onde bem quer, António era a obediência clerical, submissa ao
papa. Por isso a devoção a Antônio se alastrou e tornou-se a maior no mundo, só
perdendo para devoção à Virgem. Mas Antônio era franciscano... Sem Francisco
não chegaria a seu posto e sutilmente a força de Francisco fica evidente no hábito
marrom de Antônio... O carisma está lá, Francisco está lá...
O
tempo e a institucionalização esvaziaram os ideais de Francisco. Santos coniventes
aos ideais clericais franciscanos foram delineados e compostos. Mas Francisco sempre
permanecerá lá, sua história sua lição. Seguir o Cristo por meio da
simplicidade e do auxílio aos mais necessitados, aqueles que, segundo as “pessoas
de bem não merecem ajuda pois não se esforçaram, aqueles que são vagabundos
pois não gostam de trabalhar, aqueles que viramos o rosto para não ver pedindo
um dinheiro para comer, mas temos convicções que é para comprar uma pinga ou
uma pedra de crack, pois a realidade é tão dura que necessitam se amortecerem
com drogas...
O
filme é singelo como disse acima... Bonito... Simples... Sem grandes
interpretações, sem efeitos, sem truques no roteiro. Simples história, um pouco
pelo viés de humanos pretenciosos, de um homem que chegou bem perto do que
podemos chamar de santidade. Independente da religião instituída que siga,
Francisco é exemplo inexorável de um bom seguidor do Evangelho.
No
fim esse comentário de filme foi mais uma apologia a esse homem que deixava o
mundo em 1226 para a glória, senão de Deus, da posteridade. Um reconhecimento
envergonhado ao que ele fez e eu nunca terei coragem de fazer. Como diz uma música “Canta Francisco do jeito
dos pobres tudo que atreveste a mudar...”
Data de lançamento: 3 de março de
1972 (Itália)
Direção: Franco Zeffirelli
Cinematografia: Ennio Guarnieri
Música composta por: Riz
Ortolani, Donovan
Roteiro: Franco Zeffirelli, Suso
Cecchi d'Amico, Lina Wertmüller, Kenneth Ross
Elenco: Graham Faulkner, Judi
Browker, Leigh Lawson, Alec Guinness.
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