As Horas
Eu sinto um pouco desconfortável em falar da sigla “L” do
LGBT. Por isso acabei por adiar o máximo possível. Não que as lésbicas não
mereçam total apoio e visibilidade. Porém, mais que os outros grupos, ou
melhor, exclusivamente este grupo recebe a pressão indesejável de um fator
degradante da indústria cinematográfica: a fetichização.
O grande “sonho” de alguns homens é ter a possibilidade de
duas garotas em suas camas interagindo. Mesmo que ele fique um pouco de
escanteio. Isso deixa esse grupo objetificado pelos roteiristas e diretores.
Não se vê tantos filmes gays ou sobre transgêneros por esse motivo. O homem
médio americano, geralmente branco e conservador, não se sente confortável com
dois homens se pegando, mas se excita com duas mulheres e nem sofre crise em
sua moralzinha cristã frágil. E por isso vários filmes inflam o peito com
marketing pseudoengajado com a questão
de ser LGBT mas no fundo são histórias feitas para excitar homens cisgêneros e
heterossexuais. Somente quem não entende direito do que uma mulher necessita, e
principalmente a dinâmica sexual de uma mulher lésbica, é que faz os absurdos
que vemos em vários roteiros por aí. Os roteiristas homens jogam de toda a
forma o lesbianismo para a bissexualidade, pelo menos no campo do imaginário
para poderem se colocar no meio de uma relação entre duas mulheres. O que acho
um pouco simplista, pois mulheres lésbicas, pelo menos as poucas que conheço,
tendem a ser muito ciumentas em seus relacionamentos. Não quero generalizar e
sei que há muita gente que é bissexual. Mas sei também que muitas vezes as
mulheres pelo histórico de dominação masculina não puderam exercer sua sexualidade
de forma plena e livre tendo que se camuflarem de algo que não eram.
Por isso, e eu não sei se consegui me explicar adequadamente,
sempre fico com um pé atrás com filmes lésbicos feitos por produtores e
diretores homens. E “As Horas” é em sua totalidade produzido, redigido e
dirigido por homens. Porém, é uma história de mulheres bem fortes. O filme
perpassa por um campo bem interessante fugindo do esteriótipo erotizador que
tanto há em outros filmes de temática lésbica.

As interpretações são bárbaras, estonteantes, é até injustiça somente Kidman ter recebido o Oscar de melhor Atriz por esse filme. Pelo menos o Festival de Berlim fez jus às três interpretações e as premiou com o Urso de Prata. O Oscar não sabe lidar com “empates” técnicos.
E onde está a temática “L”? Bom, apesar de Virginia ser
heterossexual e casada com homem, ela sente o peso de ser mulher em sua época.
Laura começa a perceber a possibilidade de se libertar das convenções
masculinas, tanto que beija sua vizinha Kitty (Toni Collette) num ato
desesperado de retomar as rédeas de sua vida, se é que algum dia teve. E
Clarissa, bom ela é moderna, sofisticada e vive feliz casada com outra mulher.
Ela colhe os frutos das lutas feministas, mesmo sua vida não sendo fácil. Se há
um pouco de liberdade em qualquer grupo em viver sua sexualidade de forma mais
livre sempre é graças a grupos anteriores que vivenciaram as dificuldades de
forma abstrata, ideológica e prática e se rebelaram contra o estabelecido.
Clarisse é a síntese do que foi a luta feminista até o momento de conclusão do
filme.
Direção: Stephen Daldry.
Roteiro: David Hare.
Elenco: Nicole Kidman, Meryl Streep, Julianne Moore, Ed
Harris, Claire Danes, Toni Collette, Allison Janney, John C. Reilly, Miranda
Richardson.
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