Assassinato no Expresso do
Oriente
Na adolescência fui um devorador de livros de Agatha
Christie. Uma coleção de peso se fazia presente na Biblioteca Municipal com
umas folhas ásperas e amareladas. E lá ia eu toda semana renovar alguma leitura
retardatária ou escolher outro livro que me deliciasse. Em casa mesmo eu
contava com cinco títulos, “Um Crime Adormecido”, “O Caso dos Dez Negrinhos”
(título antigo que por questões raciais foi mudado o nome para “E Não Sobrou
Nenhum”), “Morte no Nilo”, “Os Quatro Grandes” e “Uma Aventura em Bagdá”. Lidos
vorazmente nesta respectiva ordem. Então meus grandes parceiros por um bom
tempo foram Miss Marple, Hercule Poirot, Tommy e Tuppence Beresford entre
outros tantos personagens recorrentes ou não.
E assim que podia eu assistia aos filmes baseados em seus
livros: “Morte no Caribe”, “Um Brinde de Cianureto”, “Morte no Nilo”, “Testemunha
de Acusação”, “Assassinato Num Dia de Sol”, “Mistério no Caribe” entre outros com
produção menos digna foram. E somente neste ano que consegui assistir “A
Maldição do Espelho”.
“Assassinato no Expresso do Oriente” teve várias adaptações
sendo que a mais celebrada é a versão de 1974 dirigido por Sidney Lumet. Foi laureado
com várias indicações a prêmios e protagonizou as “pazes” entre os produtores
hollywoodianos com a estrela Ingrid Bergman que havia abandonado tudo para
viver um escandaloso caso amoroso com o diretor italiano Roberto Rossellini. E
é um filme bem mais próximo do livro de Agatha Christie.
A versão de agora, 2017, dirigida por Kenneth Branagh
consegue atualizar umas questões que ficam subentendidas no livro ou no filme
de 1974. Para situar a geração nova Hercule Poirot, feito pelo próprio diretor,
é introduzido resolvendo um caso em Jerusalém que poderia, dependendo do
criminoso, causar uma revolta popular. Com seu jeito metódico e gosto pelo
equilíbrio, consegue resolver o caso e tenta partir para tirar férias. Contudo é
chamado de última hora para se apresentar em Londres para um caso e é obrigado
a tomar o Expresso do Oriente que em seu interior contava com passageiros das
mais variadas procedências. Até que um passageiro é assassinado e Poirot é incumbido
de solucionar o caso. E por trás de um grupo que aparenta não se conhecerem,
Hercule Poirot vai desvendar um dos mistérios mais famosos e também um dos
melhores.
O ponto alto do filme é a atualização de várias situações do universo de Poirot para o público de hoje. É explicado emoções que a própria Christie não desenvolve tanto para seu texto não ficar tão pesado. O filme já prefere explorar esses dramas secretos. Tanto que começa num tom leve e divertido, bem ensolarado, e se transforma em um suspense denso até o seu fim.
****Deste ponto em diante: spoiles****
Não sei se uma história que tem um pouco mais de 80 anos
possa ter algo que se considere spoiler. E, tirando a introdução inicial, o
filme não muda praticamente nada do original o qual é baseado. No máximo
acrescenta. De modo geral o rapto e o assassinato da criança Armstrong é
explorado mais. A dor e destruição que causa são avassaladores para amigos e familiares e no livro fica tudo
colocado de uma forma menos enfática deixando os personagens mais frios. Aqui vemos
o contrário. Até o momento que cada personagem esconde sua ligação com o caso
da criança assassinada há uma forma mais caricata de cada um agir. Quando Poirot
os confronta em segundos depoimentos todos mostram suas caras, amarguras,
frustrações e ódio pelo assassinado. Para quem não lembra uma criança tinha
sido raptada e mesmo os pais pagando o resgate os sequestradores a matam. Com isso
a família toda se desestrutura e isso dá mote ao filme. Pois a vítima de
assassinato no filme é o sequestrador responsável pela morte da garotinha.
É incrível como a direção faz uso do ambiente claustrofóbico
de um trem de luxo. É interessante ver a câmera passar por uns biombos com
vidraça e a imagem dos suspeitos sendo interrogados duplicam e até mesmo
triplicam, dando a entender que quem está sendo interrogado tem mais que uma
cara, esconde algo. O roteiro é competente, a fotografia linda, o figurino
deslumbrante. A direção se esmera em conseguir o máximo dos atores. Um ou outro
se destaca mais. Michelle Pfeiffer é o epicentro dos acontecimentos e no
momento que é desmascarada, ou revelada sua real participação nos eventos, é
incrível como até seu semblante muda. Todos possuem seus pontos altos para
brilhar.
Um filme de falas e deduções fiel ao estilo da dama do crime
que pode aborrecer alguns. Mas tenho segurança em afirmar que foi um dos filmes
lançados até agora que mais gostei este ano. Tanto que assisti duas vezes e não
me senti aborrecido na segunda vez. Algo
que acontece com certa frequência comigo.
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