Alma em suplício – Mildred
Pierce
(1945)
Quando
digo que os filmes de hoje estão caretas não é exagero.
Esse filme de 1945
trata de um tema que hoje em dia seria considerado bem espinhoso e por certo
nenhum produtor engendraria uma empreitada dessas. Uma mulher, trabalhadora,
após descobrir que o marido a trai se separa e acaba por tentar manter o padrão
de vida que levava antes.
Principalmente para garantir a felicidade das filhas.
E com muito esforço e um pouco de sorte ela se torna uma empresária bem
sucedida no ramo de restaurantes. Contudo, se envolve e casa com o cara errado
e este acaba por “corromper” sua filha com um estilo de vida de muita farra e
gastos. Lógico que esse gasto desmedido leva a família à falência e no meio dos
problemas financeiros o marido dessa mulher é assassinado com vários
tiros. Não fica claro se a garota era ou
não menor de idade. O roteiro, ardilosamente esconde isso. Intuímos que ela já é bem crescida. E o que o
roteiro não esconde é que apesar do padrasto a envolver num estilo de vida
desregrado ela nunca foi uma boa pessoa. Por mais que sua mãe tenha se
esforçado a garota é interesseira, inconsequente e ambiciosa. E o drama se
instala não no caráter duvido da garota, e sim no suplício, do título em
português, que a mãe passa.
O
assassinato é do marido de Mildred Pierce, Monte Beragon, interpretado afetadamente
por Zachary Scoot. Mildred é levada à delegacia e tem que prestar depoimento do
pouco que diz saber sobre o caso. É por seu ponto de vista, pelo seu testemunho,
que vemos a vida exemplar de uma família comum americana abalada pelo
desemprego, inicialmente, do marido e depois a traição. Mildred é um misto de
força, determinação, comiseração, resignação e tormento. Quem interpreta é Joan
Crawford, que dizem ter o oposto desse caráter.
Contudo, a personagem é uma maternal protetora de suas filhas. E percebe
desde sempre que a filha mais velha, Veda (Ann Blynth) não é tão boa e
brilhante quanto a mais nova, Kay (Jo Ann Marlowe).
Porém a fofa e promissora
Kay morre tragicamente fazendo que Mildred se entregue a um erro comum: mimar
demais a filha. É o fermento para o insucesso. A garota cresce mal-agradecida e
piora a cada dia tendo até vergonha da mãe ganhar seu dinheiro honesto como
dona de restaurante. Mildred não mede
esforços para a gradar a filha que é um verdadeiro saco sem fundo. E no meio
desse processo surge Monte, de início tendo real intenção para com Mildred, depois
entrando num arriscado e duvidoso acordo. O grande problema de Mildred, e sua
parcela de culpa, é sempre querer comprar o amor da filha. E isso é a sua ruína.
De inicio a suspeita do crime recai sobre o ex-marido Bert (Bruce Bennett), e
por fim sobre si mesma.
O mais interessante é o um filme de
mais de setenta anos ser tão ágil, na medida do possível lógico, instigante e
gostoso de assistir. Crawford é um arrombo de interpretação. Sua beleza madura
dá o ponto certo junto a sua voz forte e interpretação comedida. É estarrecedor
a qualidade que o filme atinge.
O papel lhe rendeu um Oscar de melhor atriz no
ano seguinte. E, uma fofoquinha, prêmio este que recebeu na cama pois simulou
estar debilitada para receber o prêmio pessoalmente na cerimônia. Crawford era
uma personalidade à parte, única, cheia de pequenas e grandes extravagâncias. E tudo isso fica escondido por sua
interpretação. O filme é uma pérola noir que vale todos os minutos em tela.
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