terça-feira, 7 de janeiro de 2020

Fleabag - Série


Fleabag






         Pense numa série sem efeitos especiais, sem grandes nomes do cinema, pelo menos até a execução de sua primeira temporada, sem uma história mirabolante, contudo bem construída e com atores competentes que conseguem dar cabo do roteiro. E pense num roteiro bem escrito e colocado de uma forma para tirar riso de uma vida amarga e patética. Fleabag é isso. Uma série onde o roteiro brilha com tal intensidade que dá a atriz/ator um material para desenvolver uma atuação primorosa. 
        
O nome da roteirista responsável por esse diamante lapidado é Phoebe Waller-Bridge que também interpreta a personagem principal. Toda a história transcorre num recorte da vida de Fleabag, uma mulher que tem um jeito bem duvidoso de encarar os problemas, para dizer o mínimo, ela é bem babaca em vários momentos e perdedora em vários sentidos. Ela sofre pela perda da melhor amiga insistindo em minimizar que o suicido da mesma não foi intencional, sua irmã é bem sucedida, seu pai se casou com sua madrinha e sua mãe morreu anos antes de câncer nos seios. Sua visão de mundo é sarcástica, irônica e revoltda ela caminha para a amargura da meia idade. Seus relacionamentos se pautam pelo sexo e suas ações acabam por prejudicar todos em algum nível. Seus comentários mordazes fazem que uma briga se deflagre no seio familiar e suas ações desprovidas de ética acabam por mostrar o tanto que essa mulher sofre por incrível que pareça. Incapaz de perceber o quanto o namorado a ama ela acaba por afastá-lo por simples capricho e manipulações desprovida de sentido. Possui um café que está à beira da falência e tenta se levantar a todo custo sem o apoio da família que parece ter cansado de ajudá-la, sem contar que o tempo todo vemos, em flashback, a aparição da sua amiga em lembranças dolorosamente felizes e cheias de afeto.
        
Tudo isso seria um dramalhão se o roteiro de Waller-Bridge não bebesse do cinismo e ironia típicos das comédias inglesas. Com o recurso da “quebra da quarta parede”, onde o ator conversa diretamente com o seu público, no caso diretamente com a câmera, percebemos a amargura da personagem principal e o que realmente pensa e com isso conseguimos entender a personalidade complexa e tão comum de Fleabag. Isso pode dar um ar artificial ao produto, bem executado, como o é, fez que a série atingisse um patamar de qualidade excepcional. Não parece que Fleabag está conversando com o público, parece que está conversando com um cúmplice invisível aos demais personagens e este é cada um de nós. A história envolve e cativa. Não é raro sentir uma simpatia pela desprezível e trágica personagem.
        
Com duas temporadas, admito que a primeira, pelo frescor da ideia original, acaba aparentando ser melhor, mas a segunda é tão boa quanto e dá um salto qualitativo presente de forma contundente ao mostrar sutilezas no aparente amadurecimento da personagem principal. Dizem até que quando a primeira temporada fez sucesso a roteirista e atriz declarou que só faria uma segunda se tivesse uma ideia muito boa. E teve. Enquanto a primeira temporada ela lida com a perda da amiga que se mostra sufocante e angustiante na segunda ela se apaixona por um padre e tenta a todo custo viver esse amor proibido. Tirando a inverossimilhança de que o padre seja realmente heterossexual, estou sendo cáustico aqui, não tenho mais o que dizer da história sem entregar demais. Se gostar de humor inteligente, amargo, inglês cheio de ironias em situações corriqueiras, essa é a série: assistam. É só o que consigo escrever no momento.

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