Fleabag
Pense
numa série sem efeitos especiais, sem grandes nomes do cinema, pelo menos até a
execução de sua primeira temporada, sem uma história mirabolante, contudo bem
construída e com atores competentes que conseguem dar cabo do roteiro. E pense
num roteiro bem escrito e colocado de uma forma para tirar riso de uma vida
amarga e patética. Fleabag é isso. Uma série onde o roteiro brilha com tal
intensidade que dá a atriz/ator um material para desenvolver uma atuação
primorosa.
O
nome da roteirista responsável por esse diamante lapidado é Phoebe
Waller-Bridge que também interpreta a personagem principal. Toda a história
transcorre num recorte da vida de Fleabag, uma mulher que tem um jeito bem
duvidoso de encarar os problemas, para dizer o mínimo, ela é bem babaca em
vários momentos e perdedora em vários sentidos. Ela sofre pela perda da melhor
amiga insistindo em minimizar que o suicido da mesma não foi intencional, sua
irmã é bem sucedida, seu pai se casou com sua madrinha e sua mãe morreu anos
antes de câncer nos seios. Sua visão de mundo é sarcástica, irônica e revoltda
ela caminha para a amargura da meia idade. Seus relacionamentos se pautam pelo
sexo e suas ações acabam por prejudicar todos em algum nível. Seus comentários
mordazes fazem que uma briga se deflagre no seio familiar e suas ações
desprovidas de ética acabam por mostrar o tanto que essa mulher sofre por
incrível que pareça. Incapaz de perceber o quanto o namorado a ama ela acaba
por afastá-lo por simples capricho e manipulações desprovida de sentido. Possui
um café que está à beira da falência e tenta se levantar a todo custo sem o
apoio da família que parece ter cansado de ajudá-la, sem contar que o tempo
todo vemos, em flashback, a aparição da sua amiga em lembranças dolorosamente
felizes e cheias de afeto.
Tudo
isso seria um dramalhão se o roteiro de Waller-Bridge não bebesse do cinismo e
ironia típicos das comédias inglesas. Com o recurso da “quebra da quarta
parede”, onde o ator conversa diretamente com o seu público, no caso diretamente
com a câmera, percebemos a amargura da personagem principal e o que realmente
pensa e com isso conseguimos entender a personalidade complexa e tão comum de
Fleabag. Isso pode dar um ar artificial ao produto, bem executado, como o é,
fez que a série atingisse um patamar de qualidade excepcional. Não parece que
Fleabag está conversando com o público, parece que está conversando com um
cúmplice invisível aos demais personagens e este é cada um de nós. A história
envolve e cativa. Não é raro sentir uma simpatia pela desprezível e trágica
personagem.
Com
duas temporadas, admito que a primeira, pelo frescor da ideia original, acaba
aparentando ser melhor, mas a segunda é tão boa quanto e dá um salto
qualitativo presente de forma contundente ao mostrar sutilezas no aparente
amadurecimento da personagem principal. Dizem até que quando a primeira
temporada fez sucesso a roteirista e atriz declarou que só faria uma segunda se
tivesse uma ideia muito boa. E teve. Enquanto a primeira temporada ela lida com
a perda da amiga que se mostra sufocante e angustiante na segunda ela se
apaixona por um padre e tenta a todo custo viver esse amor proibido. Tirando a
inverossimilhança de que o padre seja realmente heterossexual, estou sendo
cáustico aqui, não tenho mais o que dizer da história sem entregar demais. Se
gostar de humor inteligente, amargo, inglês cheio de ironias em situações
corriqueiras, essa é a série: assistam. É só o que consigo escrever no momento.
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