Dois papas
Alguns
atores são espetaculares, contudo, não possuem oportunidades para mostrar suas
interpretações nos grandes filmes, são relegados a coadjuvantes por não possuírem
aparência “comercial”. E mesmo assim alguns, muitos na verdade, arrasam. Neste
filme, por melhor que Anthony Hopkins esteja, Jonathan Pryce, um desses atores
que conhecemos mais pelos seus papais de coadjuvantes, consegue o feito de
ofuscar seu companheiro premiadíssimo. Digo isso por acompanhar os passos de
papas com um pouco mais atenção, devido minha vida pregressa...
A
direção de Fernando Meirelles, com o roteiro de Anthony McCarten, consegue
passar bem o embate de duas visões de Igreja-Instituição com todas as licenças
poéticas possíveis. Sim, há muita ficção no convívio do então candidato a papa
e do papa. Os diálogos captam bem a essência do que acontecia entre os muros
católicos. A grande falha foi apenas resvalar nos reais motivos da “renuncia”
de Bento. Toca-se vagamente e pouco se percebe se quem estiver assistindo não entender
o mínimo de Igreja Católica. O motivo é difícil de se assumir: os escândalos
mal resolvidos da pedofilia e a corrupção dentro da cúria. Jogou-se uma culpa
no secretário de Bento de quem vazou ao público documentos e cartas comprometedores.
A ferida é mais profunda, dolorosa, mundana e antiga do que se quer supor e
admitir. Por várias questões, imagino, se fugiu de grandes especulações sobre o
assunto. A detentora dos documentos que podiam dar uma luz a tudo tem como
regra só liberar essa papelada 50 anos após a morte dos envolvidos diretos, e
sim, é a própria Igreja quem faz essas regras sobre seus próprios documentos.
Se
os realizadores fogem do assunto espinhoso ainda sobra um bom material para se
trabalhar, e esse material é real e passível de constatação. De um lado temos
Joseph Ratzinger, alemão, duro, antipático e tradicionalista ao extremo que é
considerado um intelectual de proporção monumental, mais interessado em
condenar doutrinas do que formular teologias, mesmo assim possui um bom número
de livros publicados, muitos como papa. Não tem como negar que foi, e é, um dos
homens mais brilhantes de sua época. Um homem de escritório. Já, do outro lado,
Bergoglio, também inteligente, é mais pastoralista, direto, popularesco. Sua
história um tanto controversa é colocada no filme. A época da Ditadura Militar
na Argentina que forjou seu modo de ser. Não é de escritório, foi engajado, nem
sempre da forma adequada, na história de sua Igreja regional e amargou anos por
escolhas equivocadas.
O que talvez o tenha humanizado muito. Então, voltando ao
filme, percebam que Pryce consegue captar esse humanismo de forma soberba,
Hopkins teria que ser um pouco mais “Hannibal Lecter” para atingir a essência
de Bento. Até fiz uma brincadeira no Facebook sobre ele ter interpretado um
psicopata antes e agora um psicopapa. Faltou um pouco mais da frieza do
personagem anterior. Se algum católico ler isso vai me condenar ao inferno.
Nada que uma Confissão ou uma Unção dos Enfermos na hora certa não resolva. O
bom de ser católico é isso, sempre há uma forma de escapar do inferno,
institucional e licitamente.
Não
é o melhor filme que se possa querer, embora competente e bem executado. Eu
assisti mais com minhas memórias afetivas ligadas e impressionado com a direção
que captou bem alguns pontos necessários, mesmo resvalando de leve em outros,
como disse acima. “Dois papas” ajuda a entender um pouco o que foi a troca de
um conservador para outro menos conservador que deu uma cara de progresso e começou
tocar em pontos delicados da Instituição. Já houve uma revolução na Cúria Romana
e se hoje um padre, ou mesmo bispo, cometer um ato de pedofilia as medidas são
mais enérgicas. Sei de lugares que o padre pode até perder a sua condição
sacerdotal. Antes eles eram apenas trocados de paróquia.
E aqui preciso
falar da escolha do nome “Francisco”. Se houve um real revolucionário na
instituição já estabelecida na idade média esse foi Francisco. Não vou falar
muito dele (em algum lugar desse blog tenho uma crônica comentando sobre ele),
mas sabe aquela pessoa que não falou quase nada e com ações mostrou o óbvio? Francisco
foi esse cara, ele só retomou algo esquecido pela Igreja, a pobreza, da forma
mais básica possível, vivendo como um pobre. Escolher ele como patrono através
do nome já é revolucionário por si só. A escolha do nome “Bento” foi mais uma
continuação da opulência tão execrada pelo silêncio de Francisco, o santo
medieval. Ainda há muito que mudar e o atual papa não vai conseguir tudo o que
é necessário. Mas é fantástico que ele se mostre humano até ao dar um tapa,
recentemente, na mão de uma fiel inconveniente que o tenha puxado e o feito
perder a cabeça para no dia seguinte pedir perdão em público, algo não muito
comum na figura do Sumo Pontífice e sua infalibilidade papal, Pryce pegou essa
humanidade em sua interpretação.
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