domingo, 30 de abril de 2017

Bônus - Abril - Mês Temático - Filmes Religiosos: Irmão Sol, Irmã Lua

Irmão Sol, Irmã Lua












        Tinha finalizado o mês de “Filmes Religiosos” com o comentário sobre “O Sexto Sentido”. Contudo não pude deixar de falar desse filme. Bonito, simpático, idílico e ao mesmo tempo bem fiel, na medida do possível, à história pegando um recorte da vida de Francisco de Assis.

         Entre tantos produtos que a religião cristã criou ao longo de 2 mil anos, Francisco é um ótimo exemplar. Poucos sabem, mas ele nunca quis receber o título de padre, ou, como o forçaram depois, pouco antes de morrer, de diácono. Ele sempre quis ficar leigo, fora da hierarquia da igreja. Enquanto a igreja insistia em pompas luxuosas e devassidão Francisco dá uma guinada para a proposta evangélica mais simples e radical de todas: a pobreza. Não é fácil viver a pobreza. Pode se falar o que quiser, pobreza é não estar sob a proteção cultural estabelecida através de convenções, seja dinheiro, seja bens, o que for que cause a estabilidade material. E quando falo que Francisco foi uma figura emblemática e um bom exemplo cristão eu não estendo isso aos franciscanos. Ordem que surge contrariamente aos desejos do próprio Francisco. Ele foi desafiador pois nunca quis aparecer, e apareceu, nunca quis ser importante, e se tornou. Quis ajudar os pobres vivendo como ele. E seu carisma, ou força mística que faz seguir suas convicções, foi tão intenso que fez um monte de jovens pela Europa toda aderir ao seu estilo de vida. Ligado a uma integração mais cósmica e humana com a natureza e a sociedade que o cercava, se desapega da primeira instituição que prende o homem verdadeiramente livre, a família. Ele era filho de mercador rico e angustiado com uma possibilidade de vida massacrante, reflete isso após participar de uma guerra, se rebela e vai morar nas ruas. Mendiga, quebrando o seu querer e superando seu próprio ego. É interessante como a mendicância está até na vida de Buda, faz pensar...


         Francisco esfrega na cara que “fora da igreja há salvação” pois ele constrói uma igreja. Não é a igreja que o constrói a exemplo de muitos outros santos oficiais. E aqui uso uma fonte anônima, um professor que tive na faculdade, franciscano que abandonou o hábito, para dizer que houve um transtorno enorme com a figura de Francisco. Iletrado, sabia o mínimo para poder ler e nunca para teologizar nada, simples, do meio do povo, sem desejo de pertencer ao clero e com uma santidade inegável ele se tornou uma pedra incômoda numa época que a ideologia elitizava a instituição através de pessoas “escolhidas” por Deus que, participando de um ritual de vassalagem, se tornavam dignos de levar o evangelho a qualquer lugar. E Francisco não quer ser desse grupo elitista. Quer agir, viver, ser alegre, ter dificuldades, caminhar descalço, conversar com o povo e ser povo com o povo... Isso era inconcebível pois só pessoas do clero, religiosos e nobres podiam conseguir o status de santidade. Por isso na contrapartida de Francisco, assim que ele morre, constroem a figura de Antônio, o de Pádua para alguns e de Lisboa para outros. Antônio, inegavelmente santo também, adere aos preceitos e exemplos de Francisco, se torna franciscano, mas Antônio já era padre ordenado. Já tinha feito teologia, já escrevia com esmero. Era institucionalizado. E mais rápido que o processo de canonização de Francisco, foi o de Antônio. Pois Francisco era perigo, Antônio era retorno ao seio da mãe igreja. Francisco era puro emanar do Espírito Santo que ninguém segura pois sopra onde bem quer, António era a obediência clerical, submissa ao papa. Por isso a devoção a Antônio se alastrou e tornou-se a maior no mundo, só perdendo para devoção à Virgem. Mas Antônio era franciscano... Sem Francisco não chegaria a seu posto e sutilmente a força de Francisco fica evidente no hábito marrom de Antônio... O carisma está lá, Francisco está lá...


         O tempo e a institucionalização esvaziaram os ideais de Francisco. Santos coniventes aos ideais clericais franciscanos foram delineados e compostos. Mas Francisco sempre permanecerá lá, sua história sua lição. Seguir o Cristo por meio da simplicidade e do auxílio aos mais necessitados, aqueles que, segundo as “pessoas de bem não merecem ajuda pois não se esforçaram, aqueles que são vagabundos pois não gostam de trabalhar, aqueles que viramos o rosto para não ver pedindo um dinheiro para comer, mas temos convicções que é para comprar uma pinga ou uma pedra de crack, pois a realidade é tão dura que necessitam se amortecerem com drogas...

      
   Tentei uma vida mais religiosa um tempo atrás e a dificuldade é viver na abstinência material. Até certo ponto é possível viver em obediência, afinal qualquer trabalhador o faz por anos, é possível viver na castidade, afinal muitas mulheres e homens o fazem de forma escondida pois a sociedade diz que é feio não fazer sexo. Mas viver desprovido materialmente é algo impossível para um mero mortal, e pecador, como eu. E olha que nunca me foi pedido para viver nem 1/10 do que Francisco propunha. E percebi que era o caminho mais misterioso e místico que eu não poderia seguir naquele momento. A pobreza é algo que é difícil de abraçar de forma consciente e desejada. E Francisco o fez o que me causava constrangimento, o tempo todo eu fugia da pobreza.


         O filme é singelo como disse acima... Bonito... Simples... Sem grandes interpretações, sem efeitos, sem truques no roteiro. Simples história, um pouco pelo viés de humanos pretenciosos, de um homem que chegou bem perto do que podemos chamar de santidade. Independente da religião instituída que siga, Francisco é exemplo inexorável de um bom seguidor do Evangelho.


         No fim esse comentário de filme foi mais uma apologia a esse homem que deixava o mundo em 1226 para a glória, senão de Deus, da posteridade. Um reconhecimento envergonhado ao que ele fez e eu nunca terei coragem de fazer.  Como diz uma música “Canta Francisco do jeito dos pobres tudo que atreveste a mudar...”



       
  Ps: Não esqueci de Clara...  Ela é o outro lado. Seguiu o coração iluminado pelo primo e por ser mulher foi tragada pela instituição. Queria seguir Francisco pelas ruas e não permitiram. Num convento, retirada faz os milagres que pode. Clara merece ser revista, ser revalorizada,  amor de Francisco, amor aos pobres... O sol brilha e a lua reflete seu brilho. Imposto a submissão Clara prospera dentro de paredes presa e nunca humilhada. E o que pode fazer é rezar e contemplar. E ao tentarem domá-la ela se liberta por seu amor.



Data de lançamento: 3 de março de 1972 (Itália)
Direção: Franco Zeffirelli
Cinematografia: Ennio Guarnieri
Música composta por: Riz Ortolani, Donovan
Roteiro: Franco Zeffirelli, Suso Cecchi d'Amico, Lina Wertmüller, Kenneth Ross
Elenco: Graham Faulkner, Judi Browker, Leigh Lawson, Alec Guinness.






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