domingo, 30 de abril de 2017

Bônus - Abril - Mês Temático - Filmes Religiosos: Irmão Sol, Irmã Lua

Irmão Sol, Irmã Lua












        Tinha finalizado o mês de “Filmes Religiosos” com o comentário sobre “O Sexto Sentido”. Contudo não pude deixar de falar desse filme. Bonito, simpático, idílico e ao mesmo tempo bem fiel, na medida do possível, à história pegando um recorte da vida de Francisco de Assis.

         Entre tantos produtos que a religião cristã criou ao longo de 2 mil anos, Francisco é um ótimo exemplar. Poucos sabem, mas ele nunca quis receber o título de padre, ou, como o forçaram depois, pouco antes de morrer, de diácono. Ele sempre quis ficar leigo, fora da hierarquia da igreja. Enquanto a igreja insistia em pompas luxuosas e devassidão Francisco dá uma guinada para a proposta evangélica mais simples e radical de todas: a pobreza. Não é fácil viver a pobreza. Pode se falar o que quiser, pobreza é não estar sob a proteção cultural estabelecida através de convenções, seja dinheiro, seja bens, o que for que cause a estabilidade material. E quando falo que Francisco foi uma figura emblemática e um bom exemplo cristão eu não estendo isso aos franciscanos. Ordem que surge contrariamente aos desejos do próprio Francisco. Ele foi desafiador pois nunca quis aparecer, e apareceu, nunca quis ser importante, e se tornou. Quis ajudar os pobres vivendo como ele. E seu carisma, ou força mística que faz seguir suas convicções, foi tão intenso que fez um monte de jovens pela Europa toda aderir ao seu estilo de vida. Ligado a uma integração mais cósmica e humana com a natureza e a sociedade que o cercava, se desapega da primeira instituição que prende o homem verdadeiramente livre, a família. Ele era filho de mercador rico e angustiado com uma possibilidade de vida massacrante, reflete isso após participar de uma guerra, se rebela e vai morar nas ruas. Mendiga, quebrando o seu querer e superando seu próprio ego. É interessante como a mendicância está até na vida de Buda, faz pensar...


         Francisco esfrega na cara que “fora da igreja há salvação” pois ele constrói uma igreja. Não é a igreja que o constrói a exemplo de muitos outros santos oficiais. E aqui uso uma fonte anônima, um professor que tive na faculdade, franciscano que abandonou o hábito, para dizer que houve um transtorno enorme com a figura de Francisco. Iletrado, sabia o mínimo para poder ler e nunca para teologizar nada, simples, do meio do povo, sem desejo de pertencer ao clero e com uma santidade inegável ele se tornou uma pedra incômoda numa época que a ideologia elitizava a instituição através de pessoas “escolhidas” por Deus que, participando de um ritual de vassalagem, se tornavam dignos de levar o evangelho a qualquer lugar. E Francisco não quer ser desse grupo elitista. Quer agir, viver, ser alegre, ter dificuldades, caminhar descalço, conversar com o povo e ser povo com o povo... Isso era inconcebível pois só pessoas do clero, religiosos e nobres podiam conseguir o status de santidade. Por isso na contrapartida de Francisco, assim que ele morre, constroem a figura de Antônio, o de Pádua para alguns e de Lisboa para outros. Antônio, inegavelmente santo também, adere aos preceitos e exemplos de Francisco, se torna franciscano, mas Antônio já era padre ordenado. Já tinha feito teologia, já escrevia com esmero. Era institucionalizado. E mais rápido que o processo de canonização de Francisco, foi o de Antônio. Pois Francisco era perigo, Antônio era retorno ao seio da mãe igreja. Francisco era puro emanar do Espírito Santo que ninguém segura pois sopra onde bem quer, António era a obediência clerical, submissa ao papa. Por isso a devoção a Antônio se alastrou e tornou-se a maior no mundo, só perdendo para devoção à Virgem. Mas Antônio era franciscano... Sem Francisco não chegaria a seu posto e sutilmente a força de Francisco fica evidente no hábito marrom de Antônio... O carisma está lá, Francisco está lá...


         O tempo e a institucionalização esvaziaram os ideais de Francisco. Santos coniventes aos ideais clericais franciscanos foram delineados e compostos. Mas Francisco sempre permanecerá lá, sua história sua lição. Seguir o Cristo por meio da simplicidade e do auxílio aos mais necessitados, aqueles que, segundo as “pessoas de bem não merecem ajuda pois não se esforçaram, aqueles que são vagabundos pois não gostam de trabalhar, aqueles que viramos o rosto para não ver pedindo um dinheiro para comer, mas temos convicções que é para comprar uma pinga ou uma pedra de crack, pois a realidade é tão dura que necessitam se amortecerem com drogas...

      
   Tentei uma vida mais religiosa um tempo atrás e a dificuldade é viver na abstinência material. Até certo ponto é possível viver em obediência, afinal qualquer trabalhador o faz por anos, é possível viver na castidade, afinal muitas mulheres e homens o fazem de forma escondida pois a sociedade diz que é feio não fazer sexo. Mas viver desprovido materialmente é algo impossível para um mero mortal, e pecador, como eu. E olha que nunca me foi pedido para viver nem 1/10 do que Francisco propunha. E percebi que era o caminho mais misterioso e místico que eu não poderia seguir naquele momento. A pobreza é algo que é difícil de abraçar de forma consciente e desejada. E Francisco o fez o que me causava constrangimento, o tempo todo eu fugia da pobreza.


         O filme é singelo como disse acima... Bonito... Simples... Sem grandes interpretações, sem efeitos, sem truques no roteiro. Simples história, um pouco pelo viés de humanos pretenciosos, de um homem que chegou bem perto do que podemos chamar de santidade. Independente da religião instituída que siga, Francisco é exemplo inexorável de um bom seguidor do Evangelho.


         No fim esse comentário de filme foi mais uma apologia a esse homem que deixava o mundo em 1226 para a glória, senão de Deus, da posteridade. Um reconhecimento envergonhado ao que ele fez e eu nunca terei coragem de fazer.  Como diz uma música “Canta Francisco do jeito dos pobres tudo que atreveste a mudar...”



       
  Ps: Não esqueci de Clara...  Ela é o outro lado. Seguiu o coração iluminado pelo primo e por ser mulher foi tragada pela instituição. Queria seguir Francisco pelas ruas e não permitiram. Num convento, retirada faz os milagres que pode. Clara merece ser revista, ser revalorizada,  amor de Francisco, amor aos pobres... O sol brilha e a lua reflete seu brilho. Imposto a submissão Clara prospera dentro de paredes presa e nunca humilhada. E o que pode fazer é rezar e contemplar. E ao tentarem domá-la ela se liberta por seu amor.



Data de lançamento: 3 de março de 1972 (Itália)
Direção: Franco Zeffirelli
Cinematografia: Ennio Guarnieri
Música composta por: Riz Ortolani, Donovan
Roteiro: Franco Zeffirelli, Suso Cecchi d'Amico, Lina Wertmüller, Kenneth Ross
Elenco: Graham Faulkner, Judi Browker, Leigh Lawson, Alec Guinness.






sábado, 29 de abril de 2017

Abril - Mês Temático - Filmes Religiosos: O Sexto Sentido

O Sexto Sentido









        Estava em dúvida se colocava esse filme neste mês ou em outro. Mas não tem como não falar de “O Sexto Sentido” sem abordar o que conhecemos aqui no Brasil como espiritismo. Tirando minhas ressalvas em acreditar que seres humanos, após a morte, conseguem ficar aqui nesse plano material aterrorizando os seres vivos eu tenho que admitir que essa temática é ótima para causar calafrios. Todo mundo, num maior ou menor grau, já se deparou com algum evento sobrenatural fantasmagórico. A mentalidade infantil é muito propensa a aceitar esse tipo de situação. No nosso país, de forma especial, é um ambiente fértil para divagações e até constatações da veracidade da vida pós morte e permanência neste plano.


      
  Não resvalando em minhas crenças pessoais, vemos em o “O Sexto Sentido” a mestria de um tema tão instigante e tão bem colocado que na reviravolta final ficamos embasbacados. Acompanhamos a vida de Malcom (Bruce Willis) que sendo psicólogo infantil trata de vários pacientes com distúrbios. Após um incidente significativo ele vai atrás de cuidar do pequeno Cole Sear que possui uma mãe não muito presente e principalmente um “distúrbio” esquizofrênico de “ver” coisas que não existem. Essas coisas são pessoas mortas. O grau de suspense e o ponto de reviravolta alcança um nível tão elevado que esse mereceu não só indicação a prêmios relevantes como também rendeu muito nas bilheterias.


        No mais, espíritos existem na mentalidade de qualquer cultura e são vistos como bons ou maus de acordo com a mesma. No nosso caso, temos medo mas convivemos muito bem com esses seres lendariamente “presentes” na realidade de nossa mente.  


Data de lançamento: 22 de outubro de 1999 (Brasil)
Direção: M. Night Shyamalan
Companhia(s) produtora(s): Spyglass Entertainment; The Kennedy/Marshall Company
Roteiro: M. Night Shyamalan
Elenco: Haley Joel Osment, Bruce Willis, Toni Collette.



Abril - Mês Temático - Filmes Religiosos: O Pequeno Buda

O Pequeno Buda




               
Tecnicamente o mês de Abril acabou e eu deveria já me preparar para o tema de Maio. Contudo, lembrando que me atrapalhei no começo do mês, eu vou discorrer sobre mais dois filmes que estavam previsto e já posto. Como a intenção era fazer um “crescente” entre os filmes cristãos, passando do “devocionismo”, indo pela hipocrisia, resvalando na criticidade, subvertendo com filmes de outras religiões, eu continuo nessa perspectiva.


        O condicionamento dessa linha de pensamento vai ser limitada pela meu espaço de divulgação, pelo tempo, por meu conhecimento e também por meu gosto. Poderia colocar inúmeros filmes que abordam religiões diversas, porém muitas não compartilho afeto. Tanto que iniciei com a cristã pois faz parte de meu repertório de crença. E aqui eu coloco um filme que eu simpatizo muito, não só com a película em si como pela ideologia da religião abordada.


Se Scorcese faz filmes crus aqui temos um Bertolucci que já consegue “assar” mais os filmes e deixa-los suculentos. Vários filmes dele tenho no coração, mesmo faltando tantos outros para assistir. No geral, em sua carreira sólida, ele conseguiu tanto prestígio quanto seu colega de “A Última Tentação de Cristo”. Apesar de recentemente levantarem uma polêmica sobre Maria Schneider e Marlon Brando no set de filmagens de “Último Tango em Paris” com sua conivência.  Em outro momento, se for oportuno retomo esse acontecimento, apesar de não ter assistido.


     
   Até então, na estreia desse filme, eu estava “preso” em uma cidade do interior de São Paulo onde o viés das informações passavam somente pelo crivo da televisão e da cultura dominante. Por sorte fui uma criança e um adolescente não envolto por uma família ferrenhamente religiosa. Pouco se ia a igreja, pouco se falava de Deus em casa. E muito se acreditava em algo maior sem partidarismo.


      
  Então “O Pequeno Buda” foi meu primeiro contato com o budismo. Por ele conheci alguns preceitos e também a história fantástica de iluminação de Siddhartha Gautama, Príncipe hindu que não conhecia o sofrimento e a miséria e inicia uma busca de autorrevelação para iluminar-se através da mendicância inicialmente. E consegue estabelecer princípios que vigoram até hoje nessa religião.


        No filme há um paralelo entre os dias de hoje e a época de Siddhartha. Enquanto os ensinamentos são abordados através da história do Buda acompanhamos a vida do pequeno Jesse que é identificado como a nova encarnação de um lendário e místico Lama (líder espiritual dos budistas no Nepal). E os pais de Jesse acabam convencidos a levar o garoto até o distante país para a verificação.


        É um filme extremamente simpático e gostoso de se assistir. Até didático demais. É interessante notar como vários ensinamentos de Buda já estão incorporados em nossa cultura. O que incomoda um pouco é a necessidade de colocar um americano como “iluminado”. Claro que se o personagem não fosse americano não haveria como os produtores aceitarem a realização do filme ou ainda uma fatia do mercado, bem relevante, se sentir interessado por assisti-lo. 

Data de lançamento: 1 de dezembro de 1993 (França)
Direção: Bernardo Bertolucci
Música composta por: Ryuichi Sakamoto
Autor: Bernardo Bertolucci
Edição: Pietro Scalia
Elenco: Keanu Reeves, Bridget Fonda, Chris Isaak, Ying Ruocheng, Alex Wiesendanger.



Abril - Mês Temático - Filmes Religiosos: A Última Tentação de Cristo

A Última Tentação de Cristo





        
        
Eu sempre achei Martin Scorcese, além de ótimo diretor, um realizador de filmes crus. Sua fascinação por gangsters e outros produtos da sociedade típica americana nos rendeu vários filmes ótimos. E me espanta muito hoje em dia rever sua trajetória e notar que ele possui filmes que tratam a temática religiosa. Ele possui na sua produtiva carreira “Kundun” e o recente “Silêncio”. Em “A Última Tentação de Cristo” ele toma tema cristão pelo viés da obra homônima de Nikos Kazantzákis que coloca na história de Cristo atitudes tipicamente humanas. Retoma questionamentos que já existem desde o primeiro século da era cristã. Entre tantos a questão da sexualidade do Messias e seu envolvimento amoroso com Maria Madalena.


         Estudando sobre o assunto eu percebi que o que importa não é em si o que o Nazareno fez ou deixou de fazer. Muita gente não se conforma que um homem adulto não tenha relações sexuais. Principalmente os que não acreditam. E como não há provas contundentes sobre nada da vida de Jesus, somente testemunhos tendenciosos de seus próprios seguidores, as especulações vão longe.



Kazantzákis foi filósofo e escritor grego muito reconhecido na atualidade. Lógico que como brasileiros que somos, sua obra se torna obscura, desconhecida. Com uma postura bem atual sobre o conhecimento humano ele usa seu romance “A Última Tentação” para por em JC uma humanidade praticamente desprovida de divindade. E, juntando com Scorcese, temos um filme pesado, crítico, bem executado e relevante. Porém, eu basicamente não gostei desse filme. E analisando os motivos são tão subjetivos e bestas que me envergonho em elenca-los. Mas vale pela relevância, e eu também preciso assistir mais uma vez para tirar a prova... E umas dúvidas. 


Data de lançamento: 12 de agosto de 1988 (EUA)
Direção: Martin Scorsese
Música composta por: Peter Gabriel
Autor: Níkos Kazantzákis
Indicações: Oscar de Melhor Diretor entre outras

Elenco: Willem Dafoe,  Harvey Keitel, David Bowie, Barbara Hershey, Verna Bloom





quarta-feira, 26 de abril de 2017

Abril - Mês Temático - Filmes Religiosos: Jesus de Montreal

Jesus de Montreal




        
O mês já está no fim, JC já ressuscitou, todo mundo já devorou os ovos, então é hora de deixar o teor católico devocional e começar com uns filmes menos ingênuos e ir para os críticos.

         Quando assisti esse filme, eu juro que não entendi direito. E até hoje não tive a oportunidade de revê-lo. Só depois que fiz um curso de “ciências religiosas” pude perceber o quão o filme era crítico. E toda religião que se diz séria deveria se permitir passar por esse crivo.  Há um paralelo entre a vida de JC e a vida do personagem principal Daniel (Lothaire Bluteau), um ator. Daniel vai encenar uma peça sobre a Paixão de Cristo que gera uma certa polêmica por questionar alguns dogmas do catolicismo. E lógico que a instituição irá pressionar o grupo teatral.

         O interessante desse filme é a atualização da vida de Jesus através da vida de Daniel. Ele é doador de órgãos, salvando pessoas, ele é “prefigurado” como um bom ator, ele é tentado por um advogado ambicioso que quer explorá-lo, entre outras situações. Foi a primeira vez que eu vi um questionamento sobre a “virgindade” de Maria. O que não me abalou em nada. Anos mais tarde na faculdade o dogma da virgindade foi pauta de pelo menos duas matérias. E aí entendi o quanto aquele filme de 1989 foi, não só inovador, mais afrontoso. E pergunte se eu não gostei disso?





terça-feira, 25 de abril de 2017

Abril - Mês Temático - Filmes Religiosos: O Manto Sagrado

O Manto Sagrado




     Abril mês de Páscoa para os católicos, e mais um filme de “sandálias”, como eram conhecidos os filmes sobre o Roma antiga.
         Foi o meu primeiro filme com o Richard Burton, o eterno affair de Elisabeth Taylor. E não me surpreendi muito. Um ator que  foi indicado várias vezes ao Oscar e nunca ganhou. Não que não seja bom, porém, não falarei dele agora. O filme segue um evento que ocorreria após a morte de Jesus Cristo. Apesar de começar com uma motivação bíblica, desembesta para pura ficção. Baseado na obra homônima de  Lloyd C. Douglas acompanhamos o suposto guarda romano que vence uma jogatina e fica com o manto de Jesus. Isso é bíblico. O restante é a imaginação de Douglas pensando como teria sido a vida desse homem.

Sem entender muito o que se passa, esse soldado, Marcellus Gallio (Burton), está seguindo ordens e testemunha a morte de um galileu. Deu que num arroubo exagerado de imaginação do autor, Marcellus vai usar o manto de Jesus e sofre uma angústia insuportável e se sente amaldiçoado. Dá o manto para seu escravo que em certo momento foge com a relíquia que julga ter uma maldição. Começa então sua peripécia atrás do escravo fugitivo e do manto que julga enfeitiçado para destruí-lo e acabar com seu sofrimento.

         Lógico que nesse caminho ele descobre seguidores de Cristo e vai, indiretamente percebendo o quanto o Nazareno era bom e o quanto o império o injustiçou.  Marcellus vai se convertendo à nova religião que dominaria o mundo séculos depois. Até também ser perseguido por tomar partido dos cristãos.


        
O filme é uma produção de 1953 e tirando a estética datada e as limitações de cenários, ele reproduz a beleza de um mundo clássico que convence justamente por ser um filme de “perseguição”.   Não considero melhor que “Quo Vadis” mas é um bom filme. Como sempre comento, é um filme para quem gosta de cinema.  O gosto popular pode não achar mais esse tipo de filme “bom” mas isso não quer dizer que ele não o seja. Mudou apenas o gosto do grande público. 

Data de lançamento: 1953 (mundial)
Direção: Henry Koster
Música composta por: Alfred Newman
Prêmios: Oscar de Melhor Figurino, mais
Roteiro: Lloyd C. Douglas, Philip Dunne, Albert Maltz, Gina Kaus
Atores: Richard Burton, Victor Mature, Jean Simmons, Jay Robinson, Michael Rennie.

segunda-feira, 24 de abril de 2017

Fragmentado - Shyamalan se reencontra

Fragmentado - Shyamalan se reencontra



       
M. Night Shyamalan foi um diretor que subiu tão alto no conceito do público quanto caiu. O ótimo “Sexto Sentido” lhe rendeu até indicação ao Oscar de melhor diretor em 2000 perdendo para Sam Mendes e seu enfadonho “Beleza Americana”. Depois somente filmes de medianos a péssimos. E 17 anos depois temos um filme que não gera insatisfação de público. Li uma crítica especializada sobre “Avatar – A Lenda de Aang” ser desastroso e tudo ser devido a direção de Shyamalan. A crítica acabava com ele como diretor. E ainda dava uma sentença que ele não poderia piorar mais. Segundo outras críticas de seus filmes que seguiram ele piorou. Particularmente acho que Shyamalan tentou o tempo todo um cinema autoral mediante a produtores que não querem isso e sim apenas lucros. E nessa investida não tomou as escolhas tão acertadas. Principalmente percebo que seu grande problema está no roteiro e não na direção. Como na maioria dos filmes que dirige também é roteirista isso o faz se exaltar demais.

       
Gosta de abordar temas ligados a abordagem mítica. Com uma reviravolta que deveria surpreender o público. Porém, nem todo mundo percebe sua tentativa de traduzir os estilos variados de filmes ao seu estilo próprio.

       Em “Fragmentado”, título que soa horrível em português, ele apura um pouco sua técnica. E consegue um efeito de entreter o público na medida certa. O tema clichê é retrabalhando a uma potência maior. Apesar de citar 24 personalidades no personagem Kevin (James McAvoy) poucas aparecem realmente para nós na tela. Com múltiplas personalidades vemos desenrolar o sequestro de três garotas que servirão a um propósito escuso. Paralelamente a história da vida de Casey (Anya Taylor-Joy), uma das sequestradas, nos é revelada. E como em várias outras histórias de M. Night Shyamalan esse paralelismo vai influenciar diretamente na história principal. McAvoy consegue as camadas necessárias para compor um personagem múltiplo eficientemente. Taylor-Joy faz a heroína típica sem expressão que Shyamalan tanto nos impõe.

       
O filme é bom e o roteiro bem trabalhado. Nos convence e nos instiga e até causa um espasmo no estômago pelo suspense. Ponto que andava faltando par os outro
        Interessante perceber que todas as marcas próprias do diretor estão presentes, participação como personagem, lendas atualizadas com um roteiro que tenta ser intenso, jovens (ou crianças) que foram obrigadas a encararem problemas adultos.


      
  Um bônus até que agradável é uma referência no final a outro filme do diretor/roteirista, “Corpo Fechado”, outro nome péssimo do título em português. Com a presença de Bruce Willis, quem não assistiu o filme de 2000 mal vai entender. E algo que não consigo explicar direito é o uso exagerado de amarelos e ocres. Talvez seja pela questão da dissimulação do personagem, da doença/distúrbio que ele possui pode ser a cor preferida do diretor...Vai saber... Essa vou ficar devendo para vocês. Estudarei mais para poder falar a respeito.  


domingo, 23 de abril de 2017

Série: 13 Reasons Why - Os Treze Porquês

13 Reasons Why - Os Treze Porquês





       
Foi difícil criar um pouco de coragem e falar de “13 Reasons”. Mas vamos lá! A história mexeu muito comigo. Digamos que não é algo agradável de se assistir quando, em algum personagem, ou vários, você se vê espelhado.

       
Para além da discussão de ser uma série “chata”, “adolescente” ou retratar a questão do suicídio de forma “equivocada” vejo que a série pega o calcanhar de Aquiles de muitas pessoas.

       
A série não é chata, é séria. A série tem seus defeitos, alguns furos de roteiro que acabam por forçar uns eventos acontecerem e um pouco da falta de verossimilhança que parte do material original, o livro homônimo de Jay Asher. Muitos também esbarram na história ser “adolescente” eu até concordo que a capa externa da história é adolescente. Porém vai além quando inclui um tema tão polêmico. Outros ainda falam que a série romantiza o tema que por si só é indigesto. O que acontece segundo os padrões estabelecidos pela ONU que praticamente torna o tema tabu. Não entrarei nesse mérito. Amigos bem mais instruídos já falaram contra, e outros, a favor da série. Tudo é muito controverso.

       
Nós no Brasil temos um péssimo hábito de não nos informarmos a respeito de várias coisas e tratarmos esses temas como se fôssemos PhDs. Eu mesmo não posso falar sobre suicídio, é um tema que não domino, não imagino a causa e também não entendo. Apesar de saber que algo pode afetar uma pessoa de tal forma que torna assustadoramente pesada sua vida e a faz achar, ou ver, que a única solução é tirar a própria vida. Dois casos de pessoas relativamente próximas que cometeram suicídio resvalaram minha vida. Na adolescência, no Ensino Médio, a mãe de um colega de classe tirou a vida e recentemente um vizinho de minha mãe, que cresci vendo-o passar sempre por minha casa e até conversar vez ou outra com minha mãe, também tirou a própria vida. Ambos eram adultos, ambos usaram o mesmo método. Houve outros casos, mas não eram pessoas “próximas”.

       
Porém a série não trata de adultos. Trata de adolescentes, que estão vivendo o peso social de criarem uma imagem, criarem um padrão de comportamento que irão lidar com ele para o restante de suas vidas. E lá está Hannah Baker (Katherine Langford), típica adolescente, classe média, que vive suas dificuldades existenciais reprimindo suas emoções ao invés de externalizá-las. Como adolescente tem um tendência a um comportamento egocêntrico, desligado e tomado pela impulsividade, junte a isso uma cultura que valoriza a questão de ser sempre o vencedor e uma moralidade densa e desumana. Hannah é alguém normal, só um pouco mais sensível e não consegue digerir seus erros e dificuldades em seus percalços. Por certo algumas coisas que lhe tiram a vontade de viver é consequência de seus atos principalmente por ela não saber lidar com eles. Os pais são refratários, como muitos, em perceber que a filha é limitada. Nessa postura não percebem os problemas e até ajudam a piorá-los.

        Hannah não tem muita informação sobre a vida. Seu comportamento egocêntrico não permite expor nada a ninguém. Sentindo-se sozinha vai pelo caminho mais “fácil” elaborar uma “vingancinha” para que todas as pessoas que a fizeram sofrer sintam-se culpadas. É algo infantil sim e não deve ser motivado. Mas Hannah não é madura. Ela se perde em suas emoções e nas lacunas culturais em que vive e acaba planejando algo dramático e extremo, gravar os motivos de seu suicídio.

       
Grava fitas e envia para seus “inimigos” ou para seus amigos que a magoaram. Todos são afetados em maior ou menor grau e sentem o peso da culpa. Porém, a série retrata não algo adolescente e bobo que deve ser desconsiderado. Até o terceiro episódio podemos até achar que Hannah está exagerando. Não, a história mostra como uma alma pode ser despedaçada mesmo com coisas supostamente insignificantes. E nada é insignificante para quem sofre. Nada. O sofrimento sempre é verdadeiro. Pode até ser deturpado, pode ser irreal, pode ser desproporcional, mas ele está lá, dentro da pessoa. E a capacidade de digerir é variável em cada pessoa. E, na história, Hannah não era forte o suficiente para buscar ajuda da maneira adequada como muitas pessoas.

       
Enfim, Hannah é uma vítima das circunstâncias, algumas criadas por ela mesma, outras criadas pelo acaso. As fitas são seu grito de desespero. Um desespero tardio que chega após seu desmoronamento psíquico. Muitas pessoas empacam antes do terceiro episódio. Eu recomento que persistam, a não ser que lhe faça muito mal, o que é diferente, se fizer muito mal pare e não assista mais. Os episódios vão num crescente melancólico e nefasto de como uma alma se fragmenta em vários pedaços e morre antes mesmo de um suicídio. As cenas finais são muito fortes. São aterradoras para quem tem um mínimo de sensibilidade. Por isso a série não é de puro “entretenimento”, vai além, mostra e informa como nós podemos chegar a um estado deplorável de desespero e, o que é pior, o que mais me pegou, como nós podemos levar alguém a perder a alma com “brincadeiras”, com atitudes que violam a dignidade física e psíquica de alguém.


       
   Não espere "diversão", veja com o documentário que é disponibilizado ao fim do último episódio. Se coloque no lugar de Hannah mas principalmente se coloque no lugar de todos os “13 motivos”, não cito os nomes para não dar spoilers. Isso é o pior da série. Em momento algum mostrar o suicídio de Hannah é a intenção em si, e sim alertar que podemos ser tão escrotos com o outro aponto de causar danos irreversíveis. Todas nossas ações aos outros geram reações e somos responsáveis diretos por elas. Mesmo não querendo induzimos ou “forçamos” outros o tempo todo. Quando é para o bem, bom... Quando para o mal, bem-vindos à mensagem real de “13 Reasons Why”.