The Alienist – Netflix
Quando
uma produção envolve o nome de Cary Fukunaga eu fico sempre de orelha em pé.
Umas das séries que mais gosto é de sua produção, True Detective. Talvez aqui o
que faça falta seja o roteiro transcendental, cru e brutal de Nic Pizzolatto. Contudo
com seu grupo de roteiristas Fukunaga manda bem. Porém não chega aos pés do já
citado roteirista.
A
série enverga pelos meandros de uma categoria que surge antes de se estabelecer
o termo psicólogo, o alienista. Temos até uma obra homônima na nossa literatura
que brinca com o descrédito que se via essa profissão no início. E só para nos
lembrar é um divertido conto/novela (?) do magistral Machado de Assis que até
virou uma versão televisiva naquela rede que sempre está a favor dos golpes de
estado no Brasil.
Um
alienista é uma espécie de precursor do psicólogo moderno, acreditava-se que as
pessoas ficavam alienadas de suas faculdades mentais e desse desequilíbrio
viria a insanidade, pessoas que perderam a noção de tudo e estão alheias de si
mesma. O alienista trata quem está alheio, ou alienado de si. Tecnicidades a
parte temos o Dr. Laszlo Kreizler (Daniel Brühl) que possui uma clínica onde
trata de jovens e crianças com algum distúrbio. Podre de rico pode bancar suas
peripécias. Contudo, o próprio Laszlo é cheio de seus traumas e comanda uma
equipe tão problemática quanto ele mesmo, a primeira mulher a trabalhar no
departamento de polícia de Nova York, Sara Howard (Dakota Fanning), que achou
seu pai suicida agonizando, John Moore (Luke Evas) que teve seu noivado com a
mulher que amava desmanchado de forma um tanto quanto vergonhosa e se satisfaz
fantasiando com prostitutas e os irmãos Luccius e Marcus Isaacson (
respectivamente Matthew Shear e Douglas Smith) que também trabalham no
departamento de polícia na recém profissão de investigadores forenses. Estes
são estigmatizados por serem judeus e vivem seus perrengues tentando provar que
são capazes no que fazem. Contudo o mais
espinhoso na série são os crimes seriais abordados. Adolescentes “travestis” são
mortos de forma peculiar numa espécie de ritual que lhes são tirados algumas vísceras,
o olho e os órgãos genitais. E justificando, uso o termo “travesti” de uma
forma simplória, não é o termo mais apropriado, se fosse usar algum termo seria
o de pederastas ou invertidos pelo contexto da época. Contudo, nossa cultura
possui um equivalente para que possamos entender e com um peso pejorativo tão
profundo como os dois termos acima citados. Contudo, no fundo eram adolescentes
em situação de rua que para sobreviver se prostituiam vestindo-se com perucas e
roupas androginamente femininas. Geralmente eram jovens órfãos ou que tinham
sido expulsos de casa por se mostrarem afeminados. Falo que é um tema espinhoso,
pois o tempo todo percebemos o cuidado de não fetichizar nem sensualizar os
jovens em tela. São retratados sempre que possível como o que realmente são:
crianças ou jovens que se prestam a um trabalho não aceito pela sociedade por
não se querer encarar que essas pessoas com comportamento afeminado existam.
Numa
NovaYork de fim do século de 1900, com grandes descobertas científicas e
efervescência cultural vemos um tema marginal sendo posto diante da cidade que
teria a vocação de se tornar uma nova “capital” do mundo. Alguns formalismos
acabam deixando tudo um pouco frio, com um olhar atento conseguimos sair desse
grosso verniz e enveredar por uma sórdida história que envolve jovens, ou como
dizemos por aqui, menores, pessoas ricas e suas perversões. A reprodução de
época é exemplar, e as atuações são magistralmente contidas. Todo mundo é
reprimido pela sociedade novaiorquina de uma forma absoluta. A civilidade está
acima de tudo e tudo cai por terra na viceralidade das ações diárias. É até
interessante a insinuação do envolvimento amoroso, meio que forçado por
“drogas”, de um dos personagens com um dos garotos que se prostituem. Mas é uma
insinuação bem de leve, que parece ficar só na insinuação mesmo.
O
elenco cumpre seu papel de mostrar a frieza das relações civilizadas e os
meandros do que a natureza humana decreta e faz acontecer com pequenos gestos,
olhares, e atos ínfimos. Isso tudo parece fazer a história não decolar, estamos
muito acostumados a histórias dramáticas onde tudo é exposto e jogado na nossa
cara. O roteiro é inteligente, peca uma vez ou outra por nos querer despistar
de um jeito um pouco exagerado, contudo, cumpre sua função de entreter.
Imagino, e novamente só conjecturas, alguns homens de bem, cristãos poderão se
sentir um tanto incomodados com a série. Em vários momentos vemos gatilhos que
podem corroborar para algumas pessoas passarem vergonhas de seus atos
escondidos.
Demorei
a assistir, estreou em janeiro deste ano e só terminei semana passada por um
milhão de motivos e por nenhum ao mesmo tempo. Isso não tira a qualidade da
série. Contudo é uma série pesada, densa que pode não agradar quem gosta de
coisas leves. Tome um Sonrisal e enfrente, tem mistério e instiga numa grande
produção e ótimas atuações.
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