Penny Dreadful - Parte II - Personagens Principais
A partir desta segunda parte, eu
faço uma reflexão com diversas referências sobre os personagens. Sem mais
delongas iniciamos com:
- Sir Malcolm Murray (Timothy Dalton)
De
início a história toda transita ao seu redor. É sua filha Mina que é
sequestrada. Aqui ele é uma síntese de todos “heróis” ingleses “honrados”. É
rico, explorador reconhecido com nome em uma montanha lá no meio mais longínquo
da África. Determinado, reconhecido como cavaleiro inglês (Sir) e já está na
velhice. Tecnicamente não seria um monstro, olhe bem que empreguei o verbo no
futuro do pretérito que indica um fato não realizado ou que talvez não se
realize. A inspiração mais evidente seria o personagem do escritor Sir Henry
Rider Haggard: Allan Quatermain. Esse personagem apareceu primeiramente no
livro “As minas do rei Salomão” (1885) e sintetizava o espírito explorador
inglês. Enfrentou algumas versões cinematográficas, sendo a mais simpática que
contava com o Richard Chamberlain e uma estreante Sheron Stone. Já a versão de
“A liga extraordinária” com Sean Connery foi uma bosta.
Esse
herói típico do auge das explorações inglesas no século XIX para nossos olhos
contemporâneos não é tão heroico assim. Sabemos que a Inglaterra foi implacável
com suas colônias sugando o que podia e o que não podia. E que para formar essas
colônias mandavam pessoas como Sir Malcolm. Verdadeiros mercenários que não
praticavam o diálogo frente alguma tribo desconhecida. Era tudo na base da
espingarda. Por isso que Quatermain é ótimo atirador, assim como Malcolm. E
outra coisa que nos deixa desconfortáveis hoje é que um atirador na África
também é caçador. Tipo de pessoa que quase acabou com elefantes, rinocerontes e
outros animais nativos. Há uma referência interessante, para nos servir de
ilustração, em um livro muito popular da Agatha Christie, “O Caso dos Dez
Negrinhos”, onde um dos acusados de assassinato é um explorador, Philip Lombard,
é responsabilizado pela morte de uns vinte nativos africanos. Então, os
próprios ingleses já no século XX não viam esses exploradores como homens
realmente honrados. Christie, apesar de seus livros ingênuos, era uma ótima
observadora de costumes.
Então
Sir Malcolm não é o típico e altruísta exemplo idealizado de pessoa honrada.
Deixa sua mulher e filhos por longos períodos para ir a suas expedições. Trai a
esposa com a vizinha, amiga da esposa, e com um monte de africanas que aparecem
em sua frente. E sem contar as inúmeras mortes de nativos ele também carrega o
fardo da morte do filho nas costas. Não que o tenha matado, descobrimos em uma cena
assustadora com Vanessa Ives que tudo foi de uma forma bem sórdida, mesquinha e
nada heroica. Porém essa motivação de ser um merda o faz sentir muito o peso da
perda da filha Mina Murray que pelo casamento passa a ser Mina Haker. Sim, a
personagem desejada pelo Conde Drácula do cultuado escritor Bram Stoker. Nada é
mostrado a respeito de como Mina conhece o ser das trevas. E nessa história ele
também não é nenhum conde do leste-europeu. É uma criatura milenar que se
esconde feito um rato (morcego?) na escuridão de lugares isolados. E de alguma
forma foi parar em Londres através de um navio vindo do Egito. Sim, aqui nosso
vampiro está próximo das sensuais e góticas criações de Anne Rice, como o
exemplo de Akasha em “Rainha dos Condenados”.
Sir
Malcolm é verdadeiramente uma pessoa desprezível, com a mascara de “gentleman”.
Vê na sua filha desaparecida uma forma de redenção para seus “pecados”. Vai
iniciar uma caçada sem medir esforços para reavê-la. Em certo momento seu fiel
“criado” o questiona se saberá o que fazer se a filha não tiver mais como ser
salva, o qual ele não responde nada. Em outra cena da série deixa bem claro que
ele é capaz de matar Vanessa, sua colaboradora, em detrimento da filha. Porém,
é um personagem que vai crescendo na trama, e se modificando. Ele se depara com
os mais bizarros acontecimentos e não é nada ingênuo, pelo contrário,
implacável e determinado. E muitas cenas são essenciais sua presença. Entre
tantos monstros que aparecem na tela, o que mais assusta são os monstros
humanos, e Sir Malcolm é o tipo mais sofisticado e aceito na sociedade em que
vive.
- Vanessa Ives (Eva Green)
Aqui
abro falando de como essa atriz é perfeita. Desde “Os Sonhadores” (2003), de
Bernado Bertolucci, ela faz bonito nas telas. Poucas vezes derrapa. Pena que
Hollywood só dispense papéis irrelevantes para ela. Mesmo não sendo uma figura
solar ela consegue todo o brilho necessário para um personagem. Ela aparece e
muito. Seja como Angelique Bouchard em “Sombras da Noite” (2012) seja como a
bond girl Vesper Lynd em “Cassino Royale”(2006).
Aqui
sua personagem é muito enigmática. Não sabemos de início qual a ligação com Sir
Malcolm. Vamos conhecendo aos poucos o que realmente se passa com essa “lady” católica
que sabe ler tarôt e um monte de coisas sobre as trevas. Parece ser dona de si.
Mas o verdadeiro mostro se esgueirou em seu interior. Arranhando sua alma
querendo sair. Sua ligação é profunda com a família Murray. Amiga de infância
de Mina passa por um acontecimento que acaba por afastar as duas e distancia
suas famílias. Toda essa situação é mostrado no 5º episódio “Closer Than
Sisters” sem contar a “doença” mental que ela desenvolve. Vanessa Ives é a
típica “femme fatale” dos filmes de terror. E nela se mescla um monte de
personagens que são antagonistas dos “mocinhos”. Boa ou má são características
que menos importam, ela é uma lutadora que tem seus problemas. Um de seus
segredos é desvelado numa cena que acho uma das mais interessantes da série.
Ela sem querer participa de uma “sessão espírita” de invocação de “entidades” e
para variar tudo dá errado, ou dá tudo muito certo, pois fica absurdamente bem
feita. Se aliando a Sir Malcolm, ela que acabará conhecendo primeiro o
norte-americano Ethan Chandler, em uma espécie de show circense, e o aliciará
para o grupo de caça aos “monstros”.
Entre
louca, possuída e fria, Vanessa dá o tom magistral para a série. Praticamente contracena
com todos, em maior ou menor grau, dando mais ou menos atenção de acordo com o
desenrolar da trama. Mesmo sendo sombria e friamente distante ela é a tensão
sexual da história. Entre ela e outro personagem, Dorian Grey, se estabelece
uma forma catarse sexual que desencadeará o inevitável romper de sua
monstruosidade.
- Ethan Chandler (Josh Hartnett)

Ator
bonitão com cara de novinho fez filmes com grande bilheteria como “Pearl
Harbor” e “Falcão Negro em Perigo” (ambos de 2001) e “Sin City” (2005), andava
um pouco sumido de grandes produções. E aqui serve um pouco de escape para se
inserir um personagem americano no contexto inglês, onde a trama se configura.
Afinal nessa época, em que a série se passa os EUA ainda não possuía a
relevância megalomaníaca que possui hoje. Então, é necessário colocar um
caipira americano no meio dos pedantes ingleses para haver uma empatia do
público do tio Sam. E o escolhido foi esse personagem. Tão misterioso quanto a
Vanessa, com um passado obscuro e banhado de sangue. Ótimo atirador será o
músculo juntamente com Sembene, criado africano de Sir Malcolm. E, como fica um
pouco claro no encontro com Vanessa, músculo não deve questionar. Ele vai
enfrentar coisas estranhas, porém, como todos, possui um monstro dentro de si
que o faz ver com certa naturalidade outros monstros.
Algo
bem interessante nesse personagem é que ele se envolve com Brona Croft, se
apaixonando. E justamente essa personagem tem o “monstro” mais real e talvez
assustador da série toda.
Além
desse romance inusitado e de servir de capanga, ele demonstra uma incrível
afinidade com Vanessa, que não é muito explicada nessa temporada. Em um momento
que ela se encontra em situação de fragilidade extrema ele vai ser o que mais
se importa com ela, tratando-a com toda a gentileza possível. Algo até
contraditório com sua natureza “selvagem”. E o final reserva certa reviravolta
em sua história.
- Dr. Victor Frankenstein (Harry Treadway)

Virou o
queridinho da série e suas falas são de impacto. É o cientista do grupo. Busca
algo ambicioso, e já descobrimos nos primeiros momentos da série que consegue:
vencer a morte. Sempre envolto por cadáveres, ele dá vida a um defunto que
possivelmente surrupiou de algum lugar. É ateu vigorosamente bem interpretado
pelo Treadway, ator relativamente iniciante. Dá uma força ao Frankenstein e uma
humanidade frágil aterradora. Seu lado escuro está ligado a sua criatura. Vivencia
uma das cenas mais singelas e logo depois uma das mais traumáticas da temporada
em apenas dois episódios. Sua crença na ciência o faz antagônico da mentalidade
crente do criado Sembene. Não que briguem, a postura diante de uma pergunta de
Chandler mostra bem o espírito de ambos: “Você acredita em Deus?” “Não.
Gostaria de acreditar. Acredito em tudo, exceto em Deus” responde Victor. Sembene
já responde “Eu acredito em tudo”. Ninguém menos que Frankenstein poderia ter essa fala. Ele recria a humanidade
em sua “criatura” ele brinca de Deus, e paga um preço por isso. É responsável
pelo ser que criou e por isso está ligado morbidamente a este.
Outra curiosidade
é que Victor tem um poeta preferido, Shelley, que é citado o tempo todo. A curiosidade
reside em que a escritora criadora da obra "Frankenstein" tinha o mesmo sobrenome "Shelley" por ser casada com esse poeta. Aqui uma referência que pode passar
despercebida pelos incautos.