quarta-feira, 12 de novembro de 2025

Boots - O Pentágono disse que é "lixo woke" então fui assistir

 



Boots - O Pentagono disse que é "lixo woke" então fui assistir


            Quando vi um anúncio de Boots, eu pensei: “Mais um filme de gay (em meus pensamentos, não usei um termo tão técnico quanto esse; pensem aí o que quiserem e, no texto, vamos manter um pouco de decoro, hoje acordei conservador nas palavras) para mostrar corpos e o estilo de vida deles.”
            Até que o maravilhoso Pentágono soltou uma nota classificando a série como “lixo woke” e dizendo que a Netflix estava promovendo uma agenda ideológica. Como esse povo é meio desprovido de senso crítico e de noção, não percebeu, mas acabou fazendo uma campanha para o filme. Eu mesmo pensei: “Se o Pentágono, e consequentemente o Trump, não aprovam, então vou assistir.” E que surpresa! O que o Pentágono — e, consequentemente, uma parcela da população — não entendem é o poder da Psicologia. Quando Freud iniciou seus estudos e publicações que deram origem ao que entendemos hoje como Psicanálise, os comportamentos começaram a se desvelar. Inúmeras coisas são explicadas pelo viés psicológico.
            E os escritores americanos sabem, os roteiristas sabem, o pessoal das HQs sabe — qualquer pessoa com dois neurônios e um pouco de disposição para ler sabe disso. E quem não sabe? Vou deixar essa pergunta suspensa para ser respondida no coraçãozinho de quem estiver lendo. Isso é um recurso chamado “pergunta retórica”: serve para construir o argumento, mas também para fazer o ouvinte ou leitor responder por si mesmo. Parece que o Pentágono e o pessoal das forças armadas sequer sabem quem é Freud. Então, quando você tira as mulheres do convívio de adolescentes com hormônios em ebulição, obriga-os a realizar exercícios em roupas apertadas — que remetem a um ideal de masculinidade — ou curtas, e ainda os obriga a tomar banho juntos, reprimindo-os com violência e castigos, tratando-os com palavras “menininhas”, é óbvio que, mesmo com o peso heterossexual que se impõe, o meio é homoerótico.
            E aí volto a uma reflexão que fiz em sala de aula, uma vez, sobre Dom Casmurro: Bentinho não tinha ciúmes da Capitu de forma simples; ele tinha ciúmes da Capitu estar com seu melhor amigo, Escobar, pois o homem brasileiro faz sexo com as mulheres, mas a razão do afeto dele é outro homem. Claro que elaborei muito mais a reflexão, pois a crítica de Machado à sociedade ainda não está totalmente compreendida por nós. É necessário muita pesquisa e produção acadêmica para chegar lá.

            Outra coisa da minha vida que influenciou muito eu gostar da série — de uma forma torta, e sendo grato por tudo ter ficado no passado — é que eu prestei o Tiro de Guerra, que é uma parceria da prefeitura de uma cidade com o Exército para manter um quartel e formar reservistas de segunda categoria. E foi um inferno. Muitos adoram fazer o Tiro de Guerra, mas eu achei um tempo tão perdido e desnecessário, fora o gasto dos cofres públicos. Sem contar que, em cidades pequenas, atrapalha muito a pessoa conseguir emprego. E, se tem emprego, precisa entrar depois das 9h, pois fica lá aos mandos e desmandos de um sargento ou tenente que, se for caprichoso — e geralmente é —, não liga para nada. O jovem que se vire.

            Guardadas as proporções, o Tiro de Guerra não chega perto dos assédios morais do sistema estadunidense e do Corpo de Fuzileiros Navais, que é uma preparação para criar um braço armado de morte em massa nos países de que os EUA se aproveitam para girar sua economia com investimentos em armas e enriquecimento dos donos dessas empresas. Esse sofrimento todo que se passa na tela — dos garotos sendo (de)formados para serem “homens” de verdade — só me fez ter mais simpatia pela produção.

            A história segue Cameron Cope (Miles Heizer), um garoto gay oprimido pela vida que leva, sofrendo bullying de outros garotos. Num impulso, resolve acompanhar Ray McAffey (Liam Oh), que sonha em seguir a carreira militar, assim como seu pai rígido.
            Acompanhamos os primeiros passos desengonçados desse personagem, que conta muito com seu amigo para ajudá-lo. No caminho, eles se deparam com o Sgt. Sullivan (Max Parker — e eu nem lembrava que essa era a abreviação de sargento), que parece ter um segredo perigoso que pode desestabilizá-lo e fazê-lo perder o posto no Corpo de Fuzileiros Navais. E, como é óbvio, por ser reprimido e não admitir para si mesmo o que é e o que gosta, desconta tudo que pode nos garotos, sob a desculpa de ser exigente no treinamento. Mas acaba desenvolvendo uma relação que começa com perseguição e depois se torna uma espécie de mentoria torta para ajudar Cope a concluir os seis meses de treinamento. Pense bem: uma suposta elite das forças armadas de um país sedento por guerras treina seus jovens por apenas seis meses! O Google me informou, alarmantemente, que pode levar até menos — dez semanas, dois meses e meio.

            E o que mais chama atenção nem é a tentativa não tão eficiente de Cope em esconder sua homossexualidade, mas sim a jornada de amizade que ele constrói com McAffey — uso os sobrenomes porque é o costume masculino dos militares — e como ele vai ganhando o respeito de seus colegas. Temos vários dramas paralelos que ajudam a deixar o enredo mais encorpado. Os personagens se desenvolvem bem e caminham para o fim do treinamento, tudo equilibrado com drama e comédia nos momentos certos, sem cair em melodramas piegas e sem apelar demais ao universo gay — tanto que ele existe, mas é necessário reprimi-lo.

            Tem corpos à mostra? Muitos. Até umas rolas você vai ver; bunda, então, nem se fala. E bunda americana branca, quadrada. Não que isso seja importante para a esta apreciação, mas, sabe como é, somos brasileiros e isso faz parte da nossa cultura: prestamos atenção numa boa bunda — ou numa não tão boa também — e falamos delas, escondido ou não, mas falamos.

            No geral, a série é divertida. Talvez conservadores e um público heterossexual não se sintam confortáveis em assistir — afinal, sabe como é: “coisa de boiola”, “sou macho, não vejo essas coisas, não”, ou ainda “viadagem”. Freud, corre aqui...               Mas quem quebrar esse preconceito vai gostar de ver a esperança em garotos de dezoito anos, meio ingênuos, fortalecendo suas personalidades e crescendo para se tornarem um tipo de homem, contestável, mas um tipo: um fuzileiro da Marinha americana.
              A série chega num momento delicado da política dos EUA e só torna mais intensa e necessária a reflexão que ela suscita por lá.
              Aqui é de boa: todo mundo se pega quando quer, na encolha, e tá tudo certo — só ser discreto e fora do meio. Para quem não percebeu, contém muita ironia.





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