sábado, 22 de novembro de 2025

It: Bem-vidos a Derry - "Relaxa"




It: Bem-vidos a Derry - "Relaxa" 



         Toda vez que vou escrever minhas crônicas ou resenhas de filmes e séries, eu abro uma aba no Google para me certificar de que escrevo os nomes dos atores, diretores e roteiristas de forma correta, e sempre escapa uma coisa aqui ou ali. Dessa vez assim que digitei o nome da série, abriu a página com os atores e personagens, e um balão vermelho subiu na tela. Tive um mini-infarto. Até o cérebro concatenar que era só estratégia de marketing, e não o Pennywise fazendo um crossover com a Samara Morgan e se despejando da tela do meu notebook feito um vômito nojento, foram uns três segundos de puro terror. Bendita IA que possibilita essas coisas agora. Tentei reproduzir, mas não aconteceu de novo — para me deixar um pouco mais tenso. Será que foi coisa da minha cabeça? Será que realmente esse palhaço pedófilo estava aqui mesmo? O que me confortou um pouco é que não estou mais na idade de que ele gosta. E é aqui que entro na problemática do universo do Stephen King.

        Por via das dúvidas, coloquei no Spotify cantos indígenas brasileiros. Na força dos caboclos eu me protejo e escrevo seguro. Sarcasmo à parte, a figura indígena no Kingverso é sempre um ser místico que guarda ou foi responsável por algum lugar que contém algum mal. É bem uma visão branca europeia que vê o indígena como um ser tão fora de sua realidade e não busca entender e atribuindo coisas ruins a eles ou os coloca como guardiões místicos de algo. Se não são diretamente responsáveis pelos eventos, são por omitir informações ou mesmo por simplesmente não ajudar. É interessante que até no excelente Pecadores, de Ryan Coogler, os indígenas combatem um mal, mas ao se depararem com a intransigência dos brancos, lavam as mãos e vão embora, deixando o mal arrasar tudo. Não os julgo, faria pior.  Afinal, europeus não querem saber de nada. Contudo, somos brasileiros e, por mais que tenhamos massacrado nossos povos originários, absorvemos muitos ensinamentos e, até certo ponto, quando a ganância não fala mais alto, respeitamos suas terras sagradas. Que piada, né? Espero que não tenham acreditado nisso, pois um grande exemplo entre tantos é o Vale do Anhangabaú, em São Paulo, que era a moradia do espírito Anhangá e hoje virou praça de shows particulares com preços exorbitantes — tudo financiado com dinheiro público.

        Mas Stephen King lançou It em 1986, e a primeira versão filmada foi só em 1990, quando eu tinha 12 anos. O que não faço em nome dos meus textos: entregar a idade. Possivelmente eu assisti no máximo dois anos depois, quando já tinha acesso a filmes por ter um videocassete — que era coisa de rico — e eu, como pobre, vibrei por meu tio ter comprado um parcelado em 12 vezes no carnê, mentira, eu tio comprava tudo à vista, por isso demorava muito a ter algo, primeiro guardava, depois comprava. Entre tantos filmes, um dia foi justamente It: Uma Obra-prima do medo que carregava um subtítulo um tanto prepotente. John Carpenter riria disso. Só sei que esse (coloque aqui o xingamento que quiser) de palhaço me fez ter pesadelos bem vívidos. Demorou para eu olhar um palhaço com simpatia de novo. Quanto ao livro, eu ensaiei lê-lo, mas o calhamaço não me animou até hoje a enfrentá-lo. E depois, com o advento da internet — de novo entregando a idade, sou paleozóico mesmo — fui me inteirando da história e do contexto envolvido em torno das obras de King. Por anos ele usou drogas e álcool, e alguns livros ele admite não lembrar muito do processo criativo envolvido. E It... tem uma cena muito contestável, tanto que ninguém teve coragem de reproduzir em nenhuma das versões no cinema: a cena de sexo entre os adolescentes na toca da criatura, como se uma situação de terror extremo, onde todos quase viraram petisco de uma criatura cósmica, fosse motivo para uma suruba impúbere. Então, as obras de King são permeadas por uma cosmovisão no mínimo complexa, para não dizer outra coisa. E nós sabemos o tanto de coisa que está sendo descoberta — e algumas abafadas — no mundo dos famosos estadunidenses e dos políticos, são vários "Its" por aí.

        A série não leva a mão; até onde sei, do próprio King, ele somente é consultor e colaborador informal, sem tocar no roteiro. O que me incomoda é o sadismo extremo com crianças. Tá, eu sei que é uma obra comercial de entretenimento, mas tudo que o homem produz reflete sua cosmovisão. E a temática de aterrorizar jovens impúberes é muito visitada pela literatura, pelo cinema e pela televisão dos EUA. E como disse, não tem como não levar em conta o contexto político e cultural do lugar onde o produto está sendo feito. Os EUA causam arrepios em relação a coisas que não deviam acontecer com adolescentes e crianças.

E nos filmes de 2017 e 2019 já davam uma pegada predatória incômoda ao Pennywise. Contudo, a série já dá uma conotação um tanto sexual demais para o meu gosto. Há uma cena em que o Pennywise usa a imagem do pai da Lilly (Clara Stack), que é nojenta — e não pela razão certa. Não vou falar muito para não dar spoiler. E isso não aconteceu com outros personagens que, coincidentemente, eram meninos. Toda a conotação da fala na cena remete a uma ambiguidade que aponta ao sexual e não ao desespero de uma criatura em conseguir assustar sua presa para dar cabo ao seu plano sinistro — que não sabemos direito qual é, pois, se ele quisesse, já teria comido a garota há um tempo, pois teve inúmeras oportunidades...

        A cena inicial do primeiro episódio é tão grotesca quanto, porém não há conotação sexual — e olha que acontece uma coisa horrorosa — que também não vou contar para não dar spoiler. O Matty (Milles Eckardt), que já vai de arrasto nos primeiros 15 minutos de série, não é assediado com conotações sexuais ou textos dúbios. Já a garota é. Vale lembrar que a série é dirigida pelo Andy Muschietti, que também é o roteirista principal, então o King ficou mais como consultor, sem um envolvimento efetivo. E essa história é uma extensão para explicar os eventos anteriores aos que ocorrem no filme/livro. Ou seja, um caça-níquel. Sendo uma produção boa, não há problema: o público é ávido por produções de seus personagens ou monstros favoritos. E It: Bem-vindo a Derry dá margem para se explorar muito bem esse personagem.  E aqui o King sofre do mesmo mal do H.P. Lovecraft, que possui criaturas além da imaginação humana, milenares, que causam transtornos só de dar um arroto enquanto dormem, mas um ser humano com uma arma — ou um navio inteiro — mata eles, mesmo eles sendo gosmas ou gigantescos ancestrais de forma relativamente tranquila. Realmente o ser humano é forte e inteligente o suficiente para matar uma criatura que acumulou milênios de existência. É entretenimento, não é? E matar o monstro ou entidade cósmica no final traz conforto e satisfação: afinal, até ali ele dilacerou tudo e todos que cruzaram seu caminho. O povo de Hollywood só não gosta de derrotar definitivamente o Capiroto, mesmo segundo a mitologia dele ele já estar derrotado com a ressurreição do Cristo. E outra figura que ninguém assume a morte, mesmo Nietzsche tendo sido seu arauto em A Gaia Ciência, é Deus, que ele diz que a própria sociedade, com as crenças nas leis físicas da criação do universo, matou a ideia de um Deus onipotente para muitos.

        Tabus e imortalidade do que convém.

        Até agora, assisti a apenas quatro episódios de It: Bem-vindos a Derry e, tirando essas estranhezas que citei lá em cima, a história tem se mostrado um bom terror, apesar da carnificina — afinal, quem é que não gosta de ver um monte de crianças dilaceradas por um palhaço com intenções bem claras de predá-las para encher a pança? É diversão que, parafraseando a Irmã Selma do antigo Terça Insana, “relaxa”.




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