segunda-feira, 9 de março de 2015

Séries: Penny Dreadful - Parte II - Personagens Principais

Penny Dreadful - Parte II - Personagens Principais



A partir desta segunda parte, eu faço uma reflexão com diversas referências sobre os personagens. Sem mais delongas iniciamos com:



- Sir Malcolm Murray (Timothy Dalton)
        De início a história toda transita ao seu redor. É sua filha Mina que é sequestrada. Aqui ele é uma síntese de todos “heróis” ingleses “honrados”. É rico, explorador reconhecido com nome em uma montanha lá no meio mais longínquo da África. Determinado, reconhecido como cavaleiro inglês (Sir) e já está na velhice. Tecnicamente não seria um monstro, olhe bem que empreguei o verbo no futuro do pretérito que indica um fato não realizado ou que talvez não se realize. A inspiração mais evidente seria o personagem do escritor Sir Henry Rider Haggard: Allan Quatermain. Esse personagem apareceu primeiramente no livro “As minas do rei Salomão” (1885) e sintetizava o espírito explorador inglês. Enfrentou algumas versões cinematográficas, sendo a mais simpática que contava com o Richard Chamberlain e uma estreante Sheron Stone. Já a versão de “A liga extraordinária” com Sean Connery foi uma bosta.

        Esse herói típico do auge das explorações inglesas no século XIX para nossos olhos contemporâneos não é tão heroico assim. Sabemos que a Inglaterra foi implacável com suas colônias sugando o que podia e o que não podia. E que para formar essas colônias mandavam pessoas como Sir Malcolm. Verdadeiros mercenários que não praticavam o diálogo frente alguma tribo desconhecida. Era tudo na base da espingarda. Por isso que Quatermain é ótimo atirador, assim como Malcolm. E outra coisa que nos deixa desconfortáveis hoje é que um atirador na África também é caçador. Tipo de pessoa que quase acabou com elefantes, rinocerontes e outros animais nativos. Há uma referência interessante, para nos servir de ilustração, em um livro muito popular da Agatha Christie, “O Caso dos Dez Negrinhos”, onde um dos acusados de assassinato é um explorador, Philip Lombard, é responsabilizado pela morte de uns vinte nativos africanos. Então, os próprios ingleses já no século XX não viam esses exploradores como homens realmente honrados. Christie, apesar de seus livros ingênuos, era uma ótima observadora de costumes.

        Então Sir Malcolm não é o típico e altruísta exemplo idealizado de pessoa honrada. Deixa sua mulher e filhos por longos períodos para ir a suas expedições. Trai a esposa com a vizinha, amiga da esposa, e com um monte de africanas que aparecem em sua frente. E sem contar as inúmeras mortes de nativos ele também carrega o fardo da morte do filho nas costas. Não que o tenha matado, descobrimos em uma cena assustadora com Vanessa Ives que tudo foi de uma forma bem sórdida, mesquinha e nada heroica. Porém essa motivação de ser um merda o faz sentir muito o peso da perda da filha Mina Murray que pelo casamento passa a ser Mina Haker. Sim, a personagem desejada pelo Conde Drácula do cultuado escritor Bram Stoker. Nada é mostrado a respeito de como Mina conhece o ser das trevas. E nessa história ele também não é nenhum conde do leste-europeu. É uma criatura milenar que se esconde feito um rato (morcego?) na escuridão de lugares isolados. E de alguma forma foi parar em Londres através de um navio vindo do Egito. Sim, aqui nosso vampiro está próximo das sensuais e góticas criações de Anne Rice, como o exemplo de Akasha em “Rainha dos Condenados”.

        Sir Malcolm é verdadeiramente uma pessoa desprezível, com a mascara de “gentleman”. Vê na sua filha desaparecida uma forma de redenção para seus “pecados”. Vai iniciar uma caçada sem medir esforços para reavê-la. Em certo momento seu fiel “criado” o questiona se saberá o que fazer se a filha não tiver mais como ser salva, o qual ele não responde nada. Em outra cena da série deixa bem claro que ele é capaz de matar Vanessa, sua colaboradora, em detrimento da filha. Porém, é um personagem que vai crescendo na trama, e se modificando. Ele se depara com os mais bizarros acontecimentos e não é nada ingênuo, pelo contrário, implacável e determinado. E muitas cenas são essenciais sua presença. Entre tantos monstros que aparecem na tela, o que mais assusta são os monstros humanos, e Sir Malcolm é o tipo mais sofisticado e aceito na sociedade em que vive.



- Vanessa Ives (Eva Green)

        Aqui abro falando de como essa atriz é perfeita. Desde “Os Sonhadores” (2003), de Bernado Bertolucci, ela faz bonito nas telas. Poucas vezes derrapa. Pena que Hollywood só dispense papéis irrelevantes para ela. Mesmo não sendo uma figura solar ela consegue todo o brilho necessário para um personagem. Ela aparece e muito. Seja como Angelique Bouchard em “Sombras da Noite” (2012) seja como a bond girl Vesper Lynd em “Cassino Royale”(2006).

        Aqui sua personagem é muito enigmática. Não sabemos de início qual a ligação com Sir Malcolm. Vamos conhecendo aos poucos o que realmente se passa com essa “lady” católica que sabe ler tarôt e um monte de coisas sobre as trevas. Parece ser dona de si. Mas o verdadeiro mostro se esgueirou em seu interior. Arranhando sua alma querendo sair. Sua ligação é profunda com a família Murray. Amiga de infância de Mina passa por um acontecimento que acaba por afastar as duas e distancia suas famílias. Toda essa situação é mostrado no 5º episódio “Closer Than Sisters” sem contar a “doença” mental que ela desenvolve. Vanessa Ives é a típica “femme fatale” dos filmes de terror. E nela se mescla um monte de personagens que são antagonistas dos “mocinhos”. Boa ou má são características que menos importam, ela é uma lutadora que tem seus problemas. Um de seus segredos é desvelado numa cena que acho uma das mais interessantes da série. Ela sem querer participa de uma “sessão espírita” de invocação de “entidades” e para variar tudo dá errado, ou dá tudo muito certo, pois fica absurdamente bem feita. Se aliando a Sir Malcolm, ela que acabará conhecendo primeiro o norte-americano Ethan Chandler, em uma espécie de show circense, e o aliciará para o grupo de caça aos “monstros”.

        Entre louca, possuída e fria, Vanessa dá o tom magistral para a série. Praticamente contracena com todos, em maior ou menor grau, dando mais ou menos atenção de acordo com o desenrolar da trama. Mesmo sendo sombria e friamente distante ela é a tensão sexual da história. Entre ela e outro personagem, Dorian Grey, se estabelece uma forma catarse sexual que desencadeará o inevitável romper de sua monstruosidade.



- Ethan Chandler (Josh Hartnett)


        Ator bonitão com cara de novinho fez filmes com grande bilheteria como “Pearl Harbor” e “Falcão Negro em Perigo” (ambos de 2001) e “Sin City” (2005), andava um pouco sumido de grandes produções. E aqui serve um pouco de escape para se inserir um personagem americano no contexto inglês, onde a trama se configura. Afinal nessa época, em que a série se passa os EUA ainda não possuía a relevância megalomaníaca que possui hoje. Então, é necessário colocar um caipira americano no meio dos pedantes ingleses para haver uma empatia do público do tio Sam. E o escolhido foi esse personagem. Tão misterioso quanto a Vanessa, com um passado obscuro e banhado de sangue. Ótimo atirador será o músculo juntamente com Sembene, criado africano de Sir Malcolm. E, como fica um pouco claro no encontro com Vanessa, músculo não deve questionar. Ele vai enfrentar coisas estranhas, porém, como todos, possui um monstro dentro de si que o faz ver com certa naturalidade outros monstros.


        Algo bem interessante nesse personagem é que ele se envolve com Brona Croft, se apaixonando. E justamente essa personagem tem o “monstro” mais real e talvez assustador da série toda.

        Além desse romance inusitado e de servir de capanga, ele demonstra uma incrível afinidade com Vanessa, que não é muito explicada nessa temporada. Em um momento que ela se encontra em situação de fragilidade extrema ele vai ser o que mais se importa com ela, tratando-a com toda a gentileza possível. Algo até contraditório com sua natureza “selvagem”. E o final reserva certa reviravolta em sua história.


- Dr. Victor Frankenstein (Harry Treadway)

Virou o queridinho da série e suas falas são de impacto. É o cientista do grupo. Busca algo ambicioso, e já descobrimos nos primeiros momentos da série que consegue: vencer a morte. Sempre envolto por cadáveres, ele dá vida a um defunto que possivelmente surrupiou de algum lugar. É ateu vigorosamente bem interpretado pelo Treadway, ator relativamente iniciante. Dá uma força ao Frankenstein e uma humanidade frágil aterradora. Seu lado escuro está ligado a sua criatura. Vivencia uma das cenas mais singelas e logo depois uma das mais traumáticas da temporada em apenas dois episódios. Sua crença na ciência o faz antagônico da mentalidade crente do criado Sembene. Não que briguem, a postura diante de uma pergunta de Chandler mostra bem o espírito de ambos: “Você acredita em Deus?” “Não. Gostaria de acreditar. Acredito em tudo, exceto em Deus” responde Victor. Sembene já responde “Eu acredito em tudo”. Ninguém menos que Frankenstein  poderia ter essa fala. Ele recria a humanidade em sua “criatura” ele brinca de Deus, e paga um preço por isso. É responsável pelo ser que criou e por isso está ligado morbidamente a este.


Outra curiosidade é que Victor tem um poeta preferido, Shelley, que é citado o tempo todo. A curiosidade reside em que a escritora criadora da obra "Frankenstein" tinha o mesmo sobrenome "Shelley" por ser casada com esse poeta. Aqui uma referência que pode passar despercebida pelos incautos.

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