quinta-feira, 4 de dezembro de 2025

Máscaras de oxigênio não cairão automaticamente: HIV/AIDS








            Várias vezes eu me pego pensando no que me faz assistir a uma série; talvez, por escrever aqui, isso seja uma questão que me afete. E, olhando um texto antigo — Stranger Things 1983 (2016 - https://assuntocronicoviniciusmotta.blogspot.com/2016/07/stranger-things-1983.html ) — percebi que já havia ali uma forma de escolher o que ver: eu buscava no catálogo da Netflix algo interessante, alguém no Facebook falava bem da série e lá fui eu, sendo enrolado por anos por esse Mundo Invertido que está mais embolado, no fim de 2025, que minha vida pessoal. Pelo menos a série prometeu desenrolar tudo agora... Já minha vida, só esperando pelos episódios mesmo.

            Essa, claro, não é a única forma de chegar a uma obra, são inúmeras. Por exemplo, It’s a Sin (2021 — Reino Unido) veio até mim por causa de uma música: Palo Santo, do grupo Years & Years, cantada por Olly Alexander. Em um momento tenebroso da minha vida, alguns meses depois de ter me mudado para o centro de São Paulo, eu pesquisava sobre propriedades do palo santo — o inquilino anterior havia deixado um pedaço grande numa planta esquecida — e acabei encontrando a música. Gostei do ritmo e a letra casava tanto com meus sentimentos e preocupações que virou um mantra, junto com Want To, da Dua Lipa. Como a música me fisgou, pesquisei sobre o vocalista, o já citado Olly, e descobri que ele havia feito outros projetos, entre eles It’s a Sin. Isso foi em 2022. Só consegui assistir agora, em 2025.

            Companheiros de Viagem eu tinha visto em algum portal: diziam que Matthew Bomer, “o bonitão”, tinha feito uma nova série queer. Li a sinopse e: “Meh!”. Não sou fã do Bomer, e a história, mesmo com elogios da crítica, não me convenceu. Até que, em uma sessão, minha analista comentou e disse que eu talvez fosse realmente gostar. Fui assistir este ano e digo que foi sofrido. Além de o Bomer reafirmar meu desinteresse, Jonathan Bailey — interpretando seu companheiro de viagem, redundantemente — engole ele na atuação. Mas a produção de arte, figurinos e roteiro são muito bons. E, deponto ainda mais contra o Bomer, seu personagem, Hawkins, é aquele típico “não caga e não sai da moita”. Levei mais tempo que o normal para terminar os oito episódios.

            Já o título quilométrico Máscaras de Oxigênio Não Cairão Automaticamente apareceu para mim num vídeo qualquer do Instagram. Me interessei pelo tema, mas fiquei com um pé atrás até assistir a uma entrevista do Sem Censura com Beatriz Grinsztejn, médica infectologista com longo histórico no combate ao HIV/AIDS; Evandro Manchini, ator, realizador audiovisual e militante que fala abertamente sobre viver com HIV; e Johnny Massaro, que parecia meio aéreo e se perdia fácil nos próprios pensamentos — alguns momentos foram bem estranhos. Ele falou da série que interpretava o protagonista, Ciça Guimarães elogiou muito e isso reacendeu minha vontade. Ontem assisti: cinco episódios que passaram voando.

            E por qual motivo essa volta toda? Talvez pelo tema central que perpassa as três produções e que, para muita gente, ainda causa desconforto: a primeira década do surgimento do HIV e da AIDS, que ceifou milhares de vidas enquanto governos fingiam não ver nada de mal e classificando como “doença de bicha”. Cada série dá um enfoque específico e mostra como foi o enfrentamento em cada contexto.

            It’s a Sin é a mais antiga e pessimista, focada em três personagens e com clima de autodescoberta juvenil na Londres dos anos 1980. Companheiros de Viagem (EUA – 2023) segue o casal desarranjado Hawk e Tim, que se conhece nos corredores políticos dos anos 1950 e enfrenta a perseguição a homossexuais no governo, atravessando décadas até chegar aos anos 1980 — é a mais fiel aos eventos históricos. E, por fim, Máscaras de Oxigênio... — vou manter as reticências para não ficar escrevendo o tempo todo esse nome enorme— é a mais solar e didática, acompanhando um comissário de bordo, Fernando, que descobre ter uma doença que mata gays e tenta trazer dos EUA um medicamento proibido no Brasil na época: o AZT.

      Nas três séries há algo que deixa muitos homens heterossexuais desconfortáveis: sexo entre homens. Se superarem isso, verão que são relatos valiosos sobre uma epidemia que assolou o mundo muito antes da Covid-19. E, pasmem: os avanços nas pesquisas sobre HIV foram importantes para entender melhor o SARS-CoV-2. Mas, entre todas, a mais didática é Máscaras de Oxigênio.... A série parece ter feito de brief um folheto de posto de saúde especializado em ISTs (o termo correto hoje, e não mais DSTs).

            O que mais me chamou atenção é que, apesar das outras tentarem retratar o universo gay com mais alegria, mesmo diante das tragédias, a série brasileira demonstra uma necessidade quase urgente de não ser negativa. Há um subtexto constante: “apesar da doença, é possível viver”. Hoje sabemos que, embora ainda não exista cura, há tratamento — e quem toma os remédios mantém carga viral indetectável não transmite o vírus. O Brasil se tornou referência no tratamento e combate ao HIV/AIDS e possibilitou vida digna a pessoas que, por tanto tempo, enfrentaram peso e estigma.

            E o mais interessante é como a série traz uma personagem como Sônia: mulher cis heterossexual, religiosa, devota de São Sebastião, que contrai o vírus do marido. Anos de casamento, fidelidade, e o homem mantinha uma vida dupla e acabou contraíndo o vírus. A interpretação de Rita Assemany é delicada e humana. Em uma cena, ela encontra a amante do marido já em estado terminal e, em vez de escurraçá-la, pergunta se ela sabe a oração de São Sebastião. Francesca, a amante, que é uma mulher trans, (Kika Sena) responde que é filha de Oxóssi, e as duas rezam juntas.

            Chamei tudo isso de “séries”, mas são, na verdade, minisséries de histórias fechadas com uma temporada só. Todas bem produzidas, todas com interpretações tocantes. Eu ainda puxo sardinha para Máscaras de Oxigênio.... E, em um vídeo aleatório, ouvi Tilda Swinton dizendo que, nos anos 1990, chegou a ir a 49 enterros — todos vítimas da AIDS. Vale lembrar: HIV é o vírus; AIDS é o conjunto de sintomas quando o sistema imunológico já está muito debilitado. Então todas trabalham uma temática ainda relevante nos dias de hoje.

            Não quero transformar este texto numa panfletagem, mas fica a dica: todos precisam entender sua própria sexualidade, e dentro dela existem riscos, doenças, informações necessárias. Sexo transmite doenças; casamento não garante fidelidade nem proteção. Tem muito marido posando de heterossexual enquanto vive uma segunda vida escondida. A hipocrisia é um dos maiores vetores de transmissão de várias doenças.

            Dezembro Vermelho é o mês de conscientização e prevenção do HIV/AIDS e outras ISTs. Qualquer situação de sexo desprotegido, ou qualquer lesão, coceira, secreção, mudança estranha: corra para um médico. E, se houve exposição, saiba que até 72h é possível iniciar a PEP, um tratamento que reduz drasticamente a chance de infecção. Educação sexual também é isso. E produções culturais podem, sim, divertir e ensinar ao mesmo tempo.

            E, por fim, viva o SUS, que oferece tratamento gratuito. Em Máscaras de Oxigênio..., os remédios que o personagem do Massaro compra nos EUA custam US$ 800,67 — o que hoje pela cotação do dia daria R$ 4.254,60. 

            Viva o SUS!

 



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segunda-feira, 1 de dezembro de 2025

Stranger Things 5 – Volume 1: Todo abusado vira um abusador?

 




Stranger Things 5 – Volume 1: Todo abusado vira um abusador?

 

            Eu assisti Stranger Things 5 e nem vou comentar essa estratégia de nos fazer esperar três anos e ainda dividir em três estreias com quatro episódios no dia 26 de novembro, três episódios no dia 25 de dezembro e um episódio no dia 31 de dezembro. Eu vou surtar. Os quatro primeiros episódios assistidos entre sexta e sábado e o que eu posso dizer? Foi foda!!! Eu estava meio desconectado da série — quem diria que esperar tanto tempo afetaria meu interesse — e ando um pouco disperso mesmo por questões pessoais. Não está fácil umas coisas aqui... Enfim, eu achei a história um pouco arrastada no primeiro e segundo episódios, mas aí que mora o pulo do gato dos Irmãos Duffer. Eles prepararam a arapuca e esperaram a presa cair. E caímos nos quarenta e cinco minutos do segundo tempo, literalmente. E a pancada foi tão forte que passei o domingo cuidando dela e vendo que não fui o único a receber bem no meio da fuça. É incrível como um assunto se torna viral e os algoritmos, que não são bobos, já te bombardeiam com muita coisa sobre o tema. Apesar de que, desde a estreia, eu pererequei para não assistir nenhum spoiler sem querer antes. E o povo, na ânsia de uma curtida ou like, tá desesperado, não respeitando e contando tudo. Todo mundo quer pegar o hype do momento e vira um Deus-nos-acuda. Olha, foi difícil, mas consegui chegar até sábado sem saber de nada.

            Temos ótimos momentos com praticamente todos os queridos personagens que já acompanhamos, mas a série dá espaço para a Holly Wheeler (Nell Fisher), que resgata a infância, pois os demais personagens já são adolescentes, e temos também um personagem deliciosamente engraçado e de boca suja, o Derek (Jake Connelly), que é visivelmente — ou não — inspirado em Eric Cartman de South Park; até o nome tem som parecido. Tirando esses rostinhos mais infantis, resgatam a Erica Sinclair (Priah Ferguson) numa cena psicopata que somente ela poderia fazer e mais ninguém. E temos o que temos para não te entregar spoilers. As redes sociais estão inundadas de “Running Up That Hill (A Deal With God)”, da Kate Bush, com cenas e mais cenas de tudo que se pode imaginar. Eu, que só tenho Facebook e Instagram, passei o dia vendo comentários, spoilers, críticas, teorias e elaborações mentais por causa do fim épico e maravilhoso, que entregou um fan service que todo mundo precisava. Como toda a série foi destrinchada por influenciadores, críticos, amadores ou profissionais, que são muito mais gabaritados que eu para isso, eu vou falar algo que acho interessante abordar. Talvez, a partir deste momento, haja um spoiler ou outro, de forma indireta ou mesmo direta. E eu, neste momento, volto à questão que coloquei no título: “Todo abusado vira um abusador?” E vou tocar também em assuntos delicados e sensíveis e tentarei ser o mais respeitoso e cuidadoso possível. Se eu errar ou pesar a mão ou cometer algum equívoco desmedido, me apontem — seja nos comentários, seja por e-mail.

 

“Todo abusado vira um abusador?”

            Eu acompanho as produções estadunidenses desde que me entendo por gente. E entre uma faculdade e outra eu me inteirei de assuntos como Filosofia, Psicologia, Mitologia, Análise do Discurso, Literatura, clássicos de vários tempos da literatura e do entretenimento, teorias de escrita, Jornada do Herói, entre outras coisas. E o assunto da criança sendo de alguma forma assediada volta com muita frequência nas grandes produções. Eu, quando assisti pela primeira vez A Hora do Pesadelo com meus oito anos, não percebi que o Freddy Krueger era um pedófilo que voltava para pegar as crianças — já crescidas — que não conseguiu. Eu nem sabia que era um pedófilo e muito menos que isso existia e era errado. E a história se repete em inúmeros filmes e séries de forma clara ou com alguma alegoria: It – A Coisa é uma delas, temos Monstros S.A., que brinca com a questão, e agora Stranger Things, que é o meu foco no momento.

            No começo da primeira temporada nada ficou muito claro. E, pelo que sei, os Duffer não tinham planejado alguns arcos e personagens, então fizeram ajustes de acordo com a carta branca que receberam já na primeira temporada. E, sem entregar muito, nesta quinta temporada precisaram filmar um encontro do Will com o Vecna (Jamie Campbell Bower). E é nessa cena que vemos claramente um abuso acontecendo. Se a série joga para a ficção e fantasia, nós percebemos o simbolismo direto com um membro fálico do Vecna sendo colocado na boca do Will. É algo que pode passar despercebido para quem não se atenta muito ou para quem realmente não consegue fazer uma leitura das alegorias e símbolos presentes na produção. São muitas camadas, e muitos não descem muito fundo em suas percepções. E a grande parte dos personagens tem arcos de histórias muito ricos e muito elaborados. E o que mais me chamou atenção é o arco do Will, que atingiu seu ápice com o quarto episódio dessa quinta temporada. Todo o mais que acontecer é consequência, ou seja, o arco está completo em sua essência. A série começou com ele sendo sequestrado. É o desaparecimento de uma criança frágil em uma situação que nós mesmos vamos descobrir juntos com os demais personagens. E viajamos no tempo para uma época em que muitos eram crianças. Eu mesmo teria meus cinco anos quando tudo começa lá em Hawkins. Tudo é muito familiar — salvo as diferenças culturais — é fácil a identificação com os personagens e com a época. O arco do Will é um arco de superação de um abuso. Ele não só estava perdido no Mundo Invertido; ele estava sendo perseguido e foi capturado pelo Vecna (que ainda podia não existir, mas foi construída sua história para ficar coesa com a narrativa). O próprio Vecna, enquanto ainda era Henry Creel (Jamie Campbell Bower), tinha sido vítima de algo parecido, sendo seu algoz o Devorador de Mentes. É muito significativo que, ao perseguir duas personagens por suas memórias, em outro momento, o Henry não entra numa caverna que é a manifestação do lugar onde ele encontrou um portal para a dimensão do Devorador de Mentes e foi totalmente transformado, sendo mais uma mente submissa dentro do que viria a ser a Mente Colmeia. Para nossa análise, temos uma criança que foi profundamente abusada, que se transformou em outra coisa. E essa criança ainda vai ter suas vivências, que a colocam em um projeto governamental onde ela tem acesso — já adulta — a crianças com poderes psíquicos, e isso leva ao embate com a Eleven (Millie Bobby Brown), que o leva a se transformar no monstro Vecna. É aí que temos uma percepção errada: ele já era um monstro. Suas escolhas, suas vivências e, principalmente, a submissão ao Devorador o fizeram assim. Ele ainda não tinha a forma física que vemos depois. E não é uma coisa só: o mal em si não estava em Henry. Ele tinha uma influência, mas não tinha apoio mais sólido. Will, além de uma mãe que não mede esforços e um irmão protetor, tem amizades. E o Henry, isolado, se perde em seus traumas e, sem apoio e acompanhamento, vira um abusador. Como disse, o Will é abusado pelo agora não mais Henry, e sim Vecna, e poderia ter o mesmo destino. A beleza — ou horror — da existência humana está aqui: não somos iguais e, por isso, reagimos de forma diferente a um acontecimento que tenha sido igual ou similar ao de outra pessoa. São tantas variantes nessa loteria humana que nenhum resultado é previsível. Apesar de alguns dados comportamentais serem possíveis de medir, as nuances de escolhas, atitudes, vivências e percepções íntimas são tão emaranhadas e complexas que muitas coisas dependem de tantas outras que beira o esotérico e o místico, mas não é. Temos o que seremos no futuro determinado ou somos livres para escolher o que quisermos ser? Longe de uma resposta rasa ou simples. Muita coisa pode influenciar qualquer resposta: misticismo de um religioso? Genes? O meio social que a pessoa vive? Temperamento e caráter? Personalidade? Will tinha sua sensibilidade extrema que o fazia mais humano que o Henry e, por mais frágil que aparentasse ser, foi uma criança forte o suficiente para sobreviver no Mundo Invertido. O que não é pouco. E quando saiu — como disse um pouco acima — ele tinha uma mãe amorosa o procurando, com seu irmão e amigos desesperados para achá-lo. Will tinha tudo para virar um monstro. O trauma o arrebentou por dentro; ele passou da segunda à quarta temporada lidando com as consequências do que foi obrigado a vivenciar e esse medo o paralisava de viver sua potencialidade como uma pessoa completa de si mesmo, capaz de se transformar e crescer. Ele não é definido pelo trauma que sofreu, mas ele tira força do que viveu para superar o que é possível desse trauma e ser forte para assumir que ele — e somente ele — pode ser: protagonista de sua história. É tocante como, em uma comparação direta, temos o Vecna que é o adulto que rouba a inocência de uma criança, pois sua própria inocência foi corrompida, e o Mike (Finn Wolfhard), que é justamente a vivência afetiva da infância na memória do Will. Toda criança tem suas descobertas e cada uma vai ter experiências de acordo com sua cultura sobre amar outra pessoa. E isso é construído nas relações com todos que a cercam. E o Will já se sentia deslocado, mas o Mike o “chama” para ser seu amigo. Ambos iniciam sua jornada de afeto. Até então, a estranheza do Will não era bem entendida por ser uma criança e, conforme se torna adolescente, ele nutre esse afeto com algo mais íntimo. Sua sexualidade aflora mais evidente que nunca, e aquela criança que quis ser seu amigo e foi a razão do afeto que ele pôde exercitar como criança agora se confunde na profusão de emoções que os novos sentimentos — impulsionados pelos hormônios da idade — o bombardeiam. Will se retrai. Os traumas ainda ressoam negativamente dentro de si. E o Mike não retribui amor; aparentemente é um garoto heterossexual, mas ainda assim dá muito afeto a ele e a todos os demais. Mike é o garoto desengonçado que é puro afeto com seus amigos. A comparação com o Vecna é que este tenta roubar o que há de mais puro em uma criança, enquanto Mike dá o que uma criança precisa e tem de mais puro: o amor afetivo e totalmente inocente da amizade, que se manifesta em querer estar junto, brincar junto e viver o ser criança como criança. O horror do abuso está aí: tirar da criança o ser criança e impor — usando um termo que tivemos muito contato há uns meses — uma adultização antes da hora. A sensibilidade do Will não permite que ele se submeta. Porém, a descoberta de si mesmo como gay o faz ficar mais inseguro devido a pressão social que exite e ele coloca em Mike a responsabilidade de sua felicidade. E o Mike — nem ninguém — pode dar felicidade a alguém. Quando Will, pressionado pela circunstância do perigo que todos ali ao seu redor enfrentam no fim do quarto episódio da quinta temporada, precisa encontrar a força que sempre teve e, com essa força, usar tudo o que pode contra os inimigos iminentes. E quem disse que o amor não salva? Não é o amor erótico que seus instintos e hormônios em ebulição impulsionam e quer o Vecna é uma alegoria deturpada dele; é o amor subestimado da amizade e da família. Vecna não tinha isso e se perdeu em sua desumanidade, tornando-se um monstro retorcido. Will estende a mão e aceita o que tem dentro de si mesmo e percebe que não é o Mike que vai deixá-lo feliz: é ele mesmo, responsável por sua vida, seu crescimento, sua aprendizagem e sua aceitação. Will, por um abuso, recebe a mesma coisa que Henry recebeu. Ambos têm um vínculo tão íntimo que Will consegue acessar os poderes de Vecna e os usa não para perpetuar o ciclo de abuso, mas para ajudar quem poderá se tornar vítima das escolhas depravadas de Vecna. Will não se torna um abusador. Ele é o mais forte de todos os personagens e tem um arco de amadurecimento e crescimento fantástico. 

            E é por isso que vale muito a pena assistir Stranger Things. Não faço ideia do que acontecerá nos próximos episódios, mas o Will já está salvo. Pelo menos a criança interior dele está acolhida e não se perdeu no poço de podridão que a alma humana pode se tornar. Já o personagem, só saberemos — como te odeio, irmãos Duffer, por me fazer esperar — no Ano-Novo...

 



sexta-feira, 28 de novembro de 2025

Pluribus: o luto durante um evento de alcance mundial

 



Pluribus: não lançaram tudo ainda

            Começo pelo que todos os sites do assunto estão dizendo: Pluribus é do criador de Breaking Bad. E a palavra em si significa “de muitos” e vem da expressão latina E pluribus unum (“de muitos, um”) — e, pasmem, foi um lema não oficial dos EUA e ainda consta inscrito nas moedas deste país. É a ideia de unificação de uma nação através de seus indivíduos em uma unidade nacionalista.

            A série se pretende ser uma ficção científica, pois parte de um princípio bem característico: uma espécie de contaminação que faz todo mundo compartilhar os pensamentos em uma unidade. Todo mundo, menos um grupo de pessoas espalhadas pelo mundo. Entre essas pessoas temos Carol (Rhea Seehorn). É um pouco complicado falar sem dar spoilers, mas vou tentar. Quanto menos você souber, talvez a série se mostre mais interessante. Carol, nesse processo de contaminação, não sai ilesa: sua companheira — que também trabalhava com ela como uma espécie de agente literária, já que Carol é uma escritora de relativo sucesso com livros comerciais — morre. E o que vemos, antes de tudo, é um processo de luto acontecendo juntamente a situações inusitadas de contágio da população mundial por uma mente compartilhada, como se fosse um ser único que manipulasse todos — ou quase todos. E vamos acompanhando a personagem nesse processo. Ela nega a ajuda que as “novas” pessoas oferecem para cuidar do corpo de sua companheira morta, e, ao mesmo tempo, tenta entender o que está acontecendo. A criatura, agora com mil faces, se mostra tão feliz, disponível e preocupada com o bem-estar dela que, óbvio, sendo estadunidense, ela vai achar tudo muito estranho e vai fazer tanta coisa estúpida que honraria sua nação — se eles não estivessem submetidos a essa mente coletiva.

            Até agora foram disponibilizados cinco episódios, e os próximos estarão virão a partir do quinto dia de dezembro. Eu tinha lido a respeito da série bem por alto e fui assistir. Porém, com uns vinte minutos, aconteceu uma coisa tão estúpida que eu realmente desisti. Só retomei depois de ver no YouTube a Isabela Boscov falando muito bem no canal dela. E, para a Isabela falar bem de algo… É porque é bom mesmo. Por mais que paguem para ela dar sua opinião, ela é uma crítica que, se merecer, desce o cacete sem pestanejar. Eu adoraria receber para destruir filme ruim… Mas ainda não recebo nada — o que seria de bom grado; tenho muitas bocas felinas e duas caninas para alimentar…

            Estava lendo uma matéria sobre cores no cinema (antes que falem algo: sim, se aplica também a séries) e, levando em consideração o cartaz promocional — que mostra a personagem principal aparentemente gritando em um fundo chapado amarelo —, lá consta o seguinte sobre o amarelo: “sabedoria, conhecimento, relaxamento, alegria, felicidade, otimismo, idealismo, imaginação, esperança, luz do sol, verão, desonestidade, covardia, traição, ciúme, cobiça, engano, doença, perigo”. Quem quiser pesquisar o site, é este aqui: https://www.qu4rtostudio.com.br/post/a-teoria-das-cores-no-cinema. E justamente esse misto de significados permeia os cinco episódios assistidos até agora. A cabeça de Carol está confusa por um evento mundial que, contudo, se mostra — até agora — carregado de uma positividade que a deixa em pânico.

            Quanto a mim, eu ando me incomodando um pouco com umas ideologias que filmes e séries hollywoodianas têm. Nesse caso, tudo se encaminha para a única pessoa, que por coincidência é dos EUA, veja um problema real onde ninguém dos outros países que sobraram vê. Só existe um recluso da América do Sul — e não é do Brasil — que não quis contato com a população que modificou o comportamento. Se vai para esse lado? Não sei. Se a série é boa? Também não sei. Essa mania de fazer uma série em duas etapas, mesmo sendo curtinha, anda me dando nos nervos. Pelo menos não vai ser igual a Stranger Things, que levou apenas três anos — o que são uns trinta dias perto disso? O fim do quinto episódio de Pluribus promete um plot grandioso. E, depois daquele lapso do início, os episódios se desenrolam bem, com um crescente de suspense e curiosidade na tentativa de entender o que está acontecendo. Contudo, uma ressalva minha: que mulher chata é a Carol. Tá, tudo bem que o mundo foi transformado à sua volta e ela perdeu o amor da vida dela. Contudo, existem lembranças que mostram que ela já era meio c*zona. Isso me fez pensar se o que ela sente é tristeza pelo luto ou é remorso de não ter vivido direito com sua amada, e agora tudo que vier daqui para a frente não vai trazer ninguém de volta e isso a incomoda. Sua revolta talvez seja mais em relação ao fato de esse evento ter tirado dela algo que não poderá ser reposto que realemtne preocupação com o mundo.

            Não me arrisco a dizer muito mais por não ter assistido ao restante ainda, e tudo depende do que virá. Até agora, foi divertido.




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terça-feira, 25 de novembro de 2025

Tremembé – Entre crimes e celebridades

 




Tremembé – Entre crimes e celebridades


            Tudo isso começa com Ulisses Campbell, um repórter focado no mundo do crime brasileiro. Natural de Belém (PA), trabalhou em inúmeros jornais e revistas impressas e ganhou alguns prêmios por suas reportagens. Fez coberturas de temas espinhosos como prostituição, máfias e crimes escrabosos. Acompanhou casos que escandalizaram o Brasil, como o do Maníaco do Parque, o crime dos irmãos Cravinhos e Suzane von Richthofen, o caso de Elize Matsunaga e seu marido, o rico herdeiro da empresa de produtos alimentícios Yoki, e, mais recentemente, o caso de Isabella Nardoni, seu pai Alexandre Nardoni e Carolina Jatobá, sua madrasta. Um dos mais recentes — que não está na série, mas virou livro — é o da pastora evangélica Flor de Lis. Um estrangeiro teria que dar um Google para entender quem são essas pessoas. Um brasileiro? Não só sabemos como muitos acompanharam, virou assunto comum; humoristas e o público faziam e fazem piadas com todos, existem memes, viram referência em várias situações. E tudo isso se deve não só ao peso criminal que cada caso escabroso carrega, mas ao sensacionalismo típico com que jornalistas trataram esses episódios. E Ulisses é um deles. Depois de anos acompanhando esses casos, ele coletou muita informação e resolveu lançar vários livros sobre os que o “tocaram mais no coração” — e que, certamente, teriam mais apelo popular e boas vendas. Depois de relatar jornalisticamente algumas dessas figuras criminais, ele escreveu Tremembé: o presídio dos famosos, livro que deu base para a série Tremembé, do Prime Video, que pretende ser um true crime brasileiro, porém com uma boa pincelada dramática. Segundo entrevistas que assisti, Ulisses se baseou nas sentenças, nos laudos psicológicos, em depoimentos e provas — como cartas trocadas entre os presos, entre outras coisas. Ele também ajuda no roteiro da série, que conta com cinco episódios de cerca de cinquenta minutos a uma hora, e já parece ter confirmada uma segunda temporada, inclusive com um comercial antecipando a chegada de um preso: o jogador de futebol Robinho.

            Vou supor que alguém não saiba do que se trata, mas o presídio de Tremembé tem fama de ser uma cadeia para presos “ilustres” ou ricos, por questões de segurança. Em certo momento de suas respectivas penas, alguns desses presos famosos acabaram se encontrando por lá. A série não tem um arco narrativo; acaba sendo uma crônica criminal sobre alguns conflitos e dificuldades enfrentados por esses detentos retratados. Mas ela não se propõe a ser crítica nem a suscitar reflexões: apenas apresenta os casos, algumas interações entre os presos e recria os crimes em analepse — e eu nem conhecia essa palavra, é o termo técnico e literário para flashback. Vamos valorizar nossa língua portuguesa, que é tão bela e tem palavra para praticamente tudo... Depois desse ataque de pedantismo, retorno ao que estava escrevendo: a série é exatamente o que se propõe a ser, crônicas criminais roteirizadas para contar causos e fofocas sem aprofundar em nada. Além dos casos notórios, temos personagens desconhecidos do grande público, mas que, por estarem lá e interagirem com os demais, foram colocados na trama para encorpar o roteiro.

            Primeiro: este que vos escreve, por coincidência, trabalhou numa prisão. De 2017 a 2020, se não me engano, no Presídio Feminino de Santana, em São Paulo. E, apesar de uns deslizes, a produção realmente reproduz a conduta dos agentes penitenciários. Só quem conviveu com eles tem o olho clínico para perceber alguma derrapada. A segunda coisa que me chamou atenção foi a escolha do elenco, a caracterização e a atuação. Se o roteiro falha em aprofundar qualquer coisa que possa acontecer, os atores conseguem tirar leite de pedra — com uma exceção aqui e ali. Mesmo Marina Ruy Barbosa, que interpreta Suzane von Richthofen, consegue encarnar bem a personagem, que é uma pessoa real com inúmeros registros em vídeo. Ela sensualiza um pouco demais, sendo que acredito que a verdadeira se mostrava mais sonsa diante das câmeras, e a prótese dentária ficou exagerada. Tanto que, no anúncio da segunda temporada, ela aparece com uma prótese mais ajustada. Os mais assustadores na caracterização, para mim, são o veterano Anselmo Vasconcelos, que interpreta o asqueroso estuprador em série e médico especialista em reprodução humana Roger Abdelmassih, e o novato (para mim) Lucas Oradovschi como Alexandre Nardoni, condenado por jogar a filha ainda viva da janela do apartamento em que morava. Eu não conhecia nem lembrava das entrevistas ao programa do apresentador Gugu então não tenho comparativo para falar da Letícia Rodrigues como Sandrão, que era namorada da Matsunaga antes de chegar a Suzane e tomar ela para si mas por ver uma entrevista da atriz vi o quão diferente da personagem. Porém, a energia captada na atuação de Carol Garcia é impressionante: ela faz a fria Elize Matsunaga, que mata o marido — que ameaçava se separar dela e tomar sua filha — e o esquarteja com a precisão de um bom açougueiro desossando um boi. Bianca Comparato interpreta uma evasiva Caroline Jatobá, que parece não saber ao certo o que está fazendo presa e mostra toda sua fragilidade como criminosa que, entre as próprias detentas, é considerada uma “coisa”. Isso a série não fala, mas aprendi lá no Presídio de Santana:  uma “coisa” é alguém que cometeu um crime tão errado que até os demais presos o repudiam. Em muitos casos, esse criminoso pode ser perseguido, apanhar e até morrer lá dentro. Eu dava aulas no presídio e, certa vez, usei o termo “coisa” me referindo a alguém — o que já não era adequado — e elas me explicaram que eram crimes que elas mesmas não aceitavam, e matar criança certamente colocava Carolina nessa categoria. O já conhecido Felipe Simas vive Daniel Cravinhos, e o irmão Cristian é interpretado pelo, para mim, novato Kelner Macedo. Este último causou alvoroço por protagonizar uma cena em que Cristian se envolve sexualmente com outro detento e usa calcinha. O verdadeiro Christian se pronunciou na internet dizendo que isso era mentira. Tudo bem meter paulada na cabeça dos pais da namorada do irmão; usar calcinha e se relacionar com um gay na prisão, jamais. O rapaz com quem houve o relacionamento na cadeia se pronunciou, e Ulisses mostrou uma carta como prova. Nessa briga eu fico do lado da fofoca. 

            E aqui chegamos a uma das críticas mais frequentes à série: ela teria dado notoriedade excessiva aos criminosos, transformando-os em celebridades a serem idolatradas e seguidas nas redes sociais — ainda mais agora que praticamente todos estão soltos, seja por terem cumprido a pena, seja em regime semiaberto. Alguns até estão se beneficiando do momento, seja com processos, seja reativando perfis, seja vendendo coisas. Particularmente, não acho que a série tenha glamourizado ninguém; o problema são as pessoas assistirem, já saberem da história e irem seguir os perfis. A série não tem culpa se o público se sente atraído e quer ter essas pessoas como amigas, mesmo que virtuais. O brasileiro tem uma propensão a adotar um bandido de estimação. E, quando vira seita, então, esse bandido pode tentar violar a tornozeleira eletrônica com ferro de solda para fugir — e muita gente ainda não acredita que isso aconteceu, mesmo com tudo registrado e a perícia confirmando o equipamento violado.

            Assim como filmes de terror, true crime não me agrada muito. Até levo de boa crimes ficcionais — adoro um romance policial ou histórias de detetives e mortes. Quando a produção se baseia em fatos reais, já não me sinto tão animado a assistir ou ler. Quando trabalhei dando aula para detentas, eu nunca perguntava qual crime elas tinham cometido; era um presídio feminino, e vez ou outra uma comentava algo sobre o caso. Éramos orientados a agir da forma mais discreta possível para que elas se sentissem confortáveis no ambiente de estudo. Ainda assim, ouvi coisas escabrosas. Sem citar nomes, uma me contou que meteu a faca na cabeça do marido durante uma briga porque ficou nervosa e não achou que fosse machucar; só percebeu quando jorrou sangue, e aí entrou em desespero porque amava aquele homem e não conseguiria viver sem ele. Por sorte, foi superficial e nem virou boletim de ocorrência. Ela estava presa por tráfico. Outros casos, quem sabe, conto um dia em alguma crônica.

            Tremembé apostou num estilo de produção que antes só aparecia em programas de baixo orçamento na televisão aberta, mas, feita por uma gigante como o Prime Video, ganha proporções de superprodução. E vale a pena, sim. Sei que não citei outros personagens da série, mas até os coadjuvantes estão muito bem em suas atuações. Querendo ou não, é um resgate de uma brasilidade que, por mais torta que seja, compõe uma dimensão da nossa cultura. Crime pode ser visto como entretenimento, sim, porque cai na boca do povo — e o povo transforma tudo em fofoca. Seja o que for. Ouso dizer que foi a produção nacional mais comentada do semestre. E, mesmo que a estreia tenha sido no dia 31 de outubro, ainda reverbera nos noticiários e nas redes sociais.





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segunda-feira, 24 de novembro de 2025

Frankenstein - Audácia necrófila...

 




Frankenstein - Audácia necrófila...


            Frankenstein figura naquele panteão de criaturas do terror clássico que todos herdamos quase que por osmose através da cultura pop, e isso pode gerar uma falsa familiaridade. Principalmente se for como eu: alguém que não leu o texto original da Mary Shelley — uma vergonha, eu sei, mas se eu elencar tudo o que não li ainda vou cavar um buraco e me enterrar, aí sim haverá motivo de vergonha. Além disso, essa grande escritora publicou o livro quando contava apenas 18 anos, numa época em que não davam crédito a autoras mulheres, e ainda conseguiu escrever uma obra que se fixou como clássico e deu origem ao que chamamos hoje de ficção científica. A mulher conseguiu uma façanha digna mesmo o povo achando impossível que alguém tão jovem, e mulher, produzisse algo desse tamanho. E nem vamos nos aprofundar muito no machismo da época que ela enfrentou. Ela era capaz, foi lá e fez — e muito bem feito.

            Para além dos filmes vagamente inspirados, que também deram pano para o imaginário da criatura de Frankenstein, eu admito que não era um monstro pelo qual eu tinha muito apreço. Quando criança, eu achava boba a ideia de reanimar um corpo com um raio de tempestade, ainda mais um corpo feito de retalhos de mortos. Eu cresci no interior; sempre matavam uma galinha no fundo de casa, ou cevavam um porco para o Natal, e eu via meu avô e meu tio estripando os bichos. Sabia que costurar partes num corpo morto era inviável, e a decomposição é um fato. Depois veio a escola: por mais que muitos não prestassem atenção, eu gostava de estudar, e os avanços científicos que fui aprendendo me deixavam mais cético com essa história em particular. Com o tempo parei de ser tão literal e entendi que a obra foi escrita numa época em que as descobertas estavam ainda se iniciando — e que existe algo essencial na literatura além da verossimilhança, que é a liberdade poética. Afinal, qual monstro passa realmente pelo crivo da ciência hoje? Mas como metáfora, todos funcionam bem.

            Para além do Boris Karloff em 1931 — que confesso só ter visto em trechos — tenho dois exemplares que me ajudaram a ter mais simpatia pelo “Prometeu moderno”. O primeiro foi o filme Frankenstein de Mary Shelley (1994), com Robert De Niro como a criatura e Kenneth Branagh como o criador inconsequente e também diretor do filme. Até então, era a obra que se intitulava mais fiel ao original. Mas lembra lá do começo? Eu não li o livro… Então não sei quão fiel realmente é. De qualquer modo, o De Niro deu à criatura uma aspereza que beirava a bestialidade. E fui perceber que ela não era tão bestial assim somente na segunda referência: a série Penny Dreadful (2014–2016), que surgiu do desastre que foi A Liga Extraordinária, adaptação da HQ de mesmo nome do renomado Alan Moore. A adaptação flopou, e então John Logan foi lá e fez Penny Dreadful, praticamente com a mesma ideia, mas jogando sua criatividade e conseguindo o sucesso que o filme anterior não teve. Ali temos a criatura mais sensível e sartriana até então — muito bem interpretada por Rory Kinnear. Quando, num encontro com outra personagem, ele declama poemas, é algo de tal sensibilidade que só uma alma humana alcançaria. E o grande questionamento de Frankenstein é esse: ele criou uma “coisa” com alma ou sem alma humana?

            E então chegamos a Guillermo del Toro e sua produção de arte incomparável. São tantos detalhes nos cenários, nas vestimentas, na maquiagem e na caracterização da criatura que os olhos quase não conseguem captar tudo. É uma explosão de beleza gótica que esbanja cuidado e perfeição. Se no filme de 1994 temos um De Niro áspero, e na série um Kinnear sensível, nesta obra de 2025 temos Jacob Elordi — que eu achava que não daria conta do recado — entregando uma criatura que chega a um meio-termo. E, dos três, sob a direção artística de Del Toro, é o mais grotescamente belo, mesmo sendo uma colcha de retalhos humanos. Mesmo o Victor Frankenstein de Oscar Isaac está um passo à frente dos outros atores que interpretaram o papel. No filme de 1994 havia uma neutralidade ao estilo de Branagh; na série, o Harry Treadaway tinha uma carinha de “bonzinho demais” para ser realmente o monstro da história. Isaac é perfeito. Seu misto de atuação visceral e cruel, somado àquele charme de galã “feio” e malicioso e à sua estatura mais baixa comparada à de Elordi, dá exatamente a potência e megalomania necessária à ambição do personagem — e desculpa se usei algum estereótipo ofensivo, mas para explicar o efeito da atuação do Isaac precisei recorrer a esses adjetivos.

            Contudo, preciso admitir: talvez por não ser meu monstro favorito, tive que assistir em três parcelas, em dias diferentes. O streaming permite isso, então não perco tempo com o que não me prende e, como tenho ansiedade — e ela anda um pouco alta esses dias, afinal estou num lugar de que não gosto e ainda por cima com milhões de coisas que não estão acontecendo; segundo os astros tudo muda até dia trinta, estou torcendo — se sinto algum desconforto que ameaça virar gatilho, eu paro. E, sabendo disso, tento não ser injusto e volto a insistir. Isso aconteceu com Pluribus: me incomodei já nos primeiros vinte minutos e desisti, precisei ver a Isabela Boscov falando bem no YouTube para continuar. E foi uma grande surpresa. Olha eu misturando assuntos… logo posto algo sobre Pluribus.

            Voltando a Frankenstein: eu realmente quase desisti. Não estava me conectando, mas na terceira tentativa engatou e comecei a gostar da história. E, como disse, tudo é lindo na direção de arte. Uma cena me chamou muita atenção — acho que foi daí que deslanchei: a “confecção” da criatura no laboratório de Victor. Para quem não sabe de outras resenhas minhas, eu odeio terror, principalmente aqueles que picam, fatiam, cortam, dilaceram, moem, trituram e liquidificam pessoas. Mas a sensibilidade de Del Toro fez aquela cena, que parecia um açougue humano onde o açougueiro escolhia os cortes, se tornar de uma beleza grotesca que me deixou de boca aberta. É quase transgressora... É nojenta e bela ao mesmo tempo. Assustou-me também a audácia necrófila — me pegou de surpresa. É como se ele retratassse um fascínio e um asco simultâneos pelo que a morte causa, e ver que somos só carne pode gerar boas reflexões sobre a própria finitude. Finalizo aqui o que queria falar sobre Frankenstein. No fim, realmente gostei da experiência de ver mais uma adaptação de Mary Shelley na visão de um criador tão sensível quanto Del Toro.

        Um Ps: Tem mais uma cena que achei linda que é o sonho de Victor um anjo, acho que o Miguel, aparecendo para o aterrorizar. E todo o simbolismo de cores envolvido daria outra análise que sinceramente não dá no momento.




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sábado, 22 de novembro de 2025

It: Bem-vidos a Derry - "Relaxa"




It: Bem-vidos a Derry - "Relaxa" 



         Toda vez que vou escrever minhas crônicas ou resenhas de filmes e séries, eu abro uma aba no Google para me certificar de que escrevo os nomes dos atores, diretores e roteiristas de forma correta, e sempre escapa uma coisa aqui ou ali. Dessa vez assim que digitei o nome da série, abriu a página com os atores e personagens, e um balão vermelho subiu na tela. Tive um mini-infarto. Até o cérebro concatenar que era só estratégia de marketing, e não o Pennywise fazendo um crossover com a Samara Morgan e se despejando da tela do meu notebook feito um vômito nojento, foram uns três segundos de puro terror. Bendita IA que possibilita essas coisas agora. Tentei reproduzir, mas não aconteceu de novo — para me deixar um pouco mais tenso. Será que foi coisa da minha cabeça? Será que realmente esse palhaço pedófilo estava aqui mesmo? O que me confortou um pouco é que não estou mais na idade de que ele gosta. E é aqui que entro na problemática do universo do Stephen King.

        Por via das dúvidas, coloquei no Spotify cantos indígenas brasileiros. Na força dos caboclos eu me protejo e escrevo seguro. Sarcasmo à parte, a figura indígena no Kingverso é sempre um ser místico que guarda ou foi responsável por algum lugar que contém algum mal. É bem uma visão branca europeia que vê o indígena como um ser tão fora de sua realidade e não busca entender e atribuindo coisas ruins a eles ou os coloca como guardiões místicos de algo. Se não são diretamente responsáveis pelos eventos, são por omitir informações ou mesmo por simplesmente não ajudar. É interessante que até no excelente Pecadores, de Ryan Coogler, os indígenas combatem um mal, mas ao se depararem com a intransigência dos brancos, lavam as mãos e vão embora, deixando o mal arrasar tudo. Não os julgo, faria pior.  Afinal, europeus não querem saber de nada. Contudo, somos brasileiros e, por mais que tenhamos massacrado nossos povos originários, absorvemos muitos ensinamentos e, até certo ponto, quando a ganância não fala mais alto, respeitamos suas terras sagradas. Que piada, né? Espero que não tenham acreditado nisso, pois um grande exemplo entre tantos é o Vale do Anhangabaú, em São Paulo, que era a moradia do espírito Anhangá e hoje virou praça de shows particulares com preços exorbitantes — tudo financiado com dinheiro público.

        Mas Stephen King lançou It em 1986, e a primeira versão filmada foi só em 1990, quando eu tinha 12 anos. O que não faço em nome dos meus textos: entregar a idade. Possivelmente eu assisti no máximo dois anos depois, quando já tinha acesso a filmes por ter um videocassete — que era coisa de rico — e eu, como pobre, vibrei por meu tio ter comprado um parcelado em 12 vezes no carnê, mentira, eu tio comprava tudo à vista, por isso demorava muito a ter algo, primeiro guardava, depois comprava. Entre tantos filmes, um dia foi justamente It: Uma Obra-prima do medo que carregava um subtítulo um tanto prepotente. John Carpenter riria disso. Só sei que esse (coloque aqui o xingamento que quiser) de palhaço me fez ter pesadelos bem vívidos. Demorou para eu olhar um palhaço com simpatia de novo. Quanto ao livro, eu ensaiei lê-lo, mas o calhamaço não me animou até hoje a enfrentá-lo. E depois, com o advento da internet — de novo entregando a idade, sou paleozóico mesmo — fui me inteirando da história e do contexto envolvido em torno das obras de King. Por anos ele usou drogas e álcool, e alguns livros ele admite não lembrar muito do processo criativo envolvido. E It... tem uma cena muito contestável, tanto que ninguém teve coragem de reproduzir em nenhuma das versões no cinema: a cena de sexo entre os adolescentes na toca da criatura, como se uma situação de terror extremo, onde todos quase viraram petisco de uma criatura cósmica, fosse motivo para uma suruba impúbere. Então, as obras de King são permeadas por uma cosmovisão no mínimo complexa, para não dizer outra coisa. E nós sabemos o tanto de coisa que está sendo descoberta — e algumas abafadas — no mundo dos famosos estadunidenses e dos políticos, são vários "Its" por aí.

        A série não leva a mão; até onde sei, do próprio King, ele somente é consultor e colaborador informal, sem tocar no roteiro. O que me incomoda é o sadismo extremo com crianças. Tá, eu sei que é uma obra comercial de entretenimento, mas tudo que o homem produz reflete sua cosmovisão. E a temática de aterrorizar jovens impúberes é muito visitada pela literatura, pelo cinema e pela televisão dos EUA. E como disse, não tem como não levar em conta o contexto político e cultural do lugar onde o produto está sendo feito. Os EUA causam arrepios em relação a coisas que não deviam acontecer com adolescentes e crianças.

E nos filmes de 2017 e 2019 já davam uma pegada predatória incômoda ao Pennywise. Contudo, a série já dá uma conotação um tanto sexual demais para o meu gosto. Há uma cena em que o Pennywise usa a imagem do pai da Lilly (Clara Stack), que é nojenta — e não pela razão certa. Não vou falar muito para não dar spoiler. E isso não aconteceu com outros personagens que, coincidentemente, eram meninos. Toda a conotação da fala na cena remete a uma ambiguidade que aponta ao sexual e não ao desespero de uma criatura em conseguir assustar sua presa para dar cabo ao seu plano sinistro — que não sabemos direito qual é, pois, se ele quisesse, já teria comido a garota há um tempo, pois teve inúmeras oportunidades...

        A cena inicial do primeiro episódio é tão grotesca quanto, porém não há conotação sexual — e olha que acontece uma coisa horrorosa — que também não vou contar para não dar spoiler. O Matty (Milles Eckardt), que já vai de arrasto nos primeiros 15 minutos de série, não é assediado com conotações sexuais ou textos dúbios. Já a garota é. Vale lembrar que a série é dirigida pelo Andy Muschietti, que também é o roteirista principal, então o King ficou mais como consultor, sem um envolvimento efetivo. E essa história é uma extensão para explicar os eventos anteriores aos que ocorrem no filme/livro. Ou seja, um caça-níquel. Sendo uma produção boa, não há problema: o público é ávido por produções de seus personagens ou monstros favoritos. E It: Bem-vindo a Derry dá margem para se explorar muito bem esse personagem.  E aqui o King sofre do mesmo mal do H.P. Lovecraft, que possui criaturas além da imaginação humana, milenares, que causam transtornos só de dar um arroto enquanto dormem, mas um ser humano com uma arma — ou um navio inteiro — mata eles, mesmo eles sendo gosmas ou gigantescos ancestrais de forma relativamente tranquila. Realmente o ser humano é forte e inteligente o suficiente para matar uma criatura que acumulou milênios de existência. É entretenimento, não é? E matar o monstro ou entidade cósmica no final traz conforto e satisfação: afinal, até ali ele dilacerou tudo e todos que cruzaram seu caminho. O povo de Hollywood só não gosta de derrotar definitivamente o Capiroto, mesmo segundo a mitologia dele ele já estar derrotado com a ressurreição do Cristo. E outra figura que ninguém assume a morte, mesmo Nietzsche tendo sido seu arauto em A Gaia Ciência, é Deus, que ele diz que a própria sociedade, com as crenças nas leis físicas da criação do universo, matou a ideia de um Deus onipotente para muitos.

        Tabus e imortalidade do que convém.

        Até agora, assisti a apenas quatro episódios de It: Bem-vindos a Derry e, tirando essas estranhezas que citei lá em cima, a história tem se mostrado um bom terror, apesar da carnificina — afinal, quem é que não gosta de ver um monte de crianças dilaceradas por um palhaço com intenções bem claras de predá-las para encher a pança? É diversão que, parafraseando a Irmã Selma do antigo Terça Insana, “relaxa”.




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quinta-feira, 20 de novembro de 2025

Sassaricando de 1987 – Novelão brasileiro





 
Sassaricando de 1987 – Novelão brasileiro


        Quando eu tinha 9 anos, como muitos brasileiros de minha idade, era tão grudado na televisão que não perdia quase nenhuma novela da finada, por minha parte, Rede Globo. Hoje em dia eu assisto esporadicamente algum corte em algum programa pelo Instagram, mas assistir mesmo — de sentar no sofá, apertar o botãozinho vermelho do controle remoto e ficar o tempo inteiro, por livre e espontânea vontade, diante da TV aberta — é muito raro. E, quando acontece de haver algum interesse em algum programa específico, eu vou a alguma plataforma, como é o caso do YouTube.

        E por qual motivo isso é relevante nessa crônica? Porque esse é justamente o grande problema que a televisão aberta tem, mas não admite. Muita gente, com o acesso fácil à internet, costuma selecionar o que vai assistir porque pode. Em 1987, quando estreou Sassaricando, não havia grandes concorrências — ou mesmo não havia nenhuma. A Globo era monopólio, principalmente em relação à produção de novelas.

        Recentemente tivemos um remake dirigido e roteirizado de uma forma que não chegou aos pés do que pedia a obra original, que foi Vale Tudo. E não vou entrar no mérito de gostar ou não; o que quero dizer é que, por ser uma obra canonizada pelo público, refazê-la em tempos de inúmeras plataformas exige, no mínimo, uma certa reverência pelo material original e o desenvolvimento de uma trama tão exemplar quanto a de 1988. Se há concorrência, é necessário produzir algo que não brinque com a capacidade do público de perceber que o produto está sendo feito com baixa qualidade. Foi-se a época em que todo mundo parava para assistir a uma novela — principalmente quando ela não era tão boa e não prendia a atenção do público. E a Globo anda um pouco perdida no rumo do que quer fazer: quer produzir enlatados, seguindo fórmulas batidas, sem qualidade e não entende por qual motivo não faz sucesso. Acho que a última novela que me chamou atenção foi Avenida Brasil, em 2012.

        Outra coisa que nunca entendi foi o motivo de a Globo não disponibilizar antes as suas novelas, seja em DVD, seja em um canal próprio. Isso só aconteceu muito tempo depois, quando apareceu o streaming. Ela segurou tanto por medo de pirataria, como se isso adiantasse. Houve uma tentativa de reviver novelas antigas com o canal Viva, que tinha suas limitações — não estava disponível para todo mundo. Ela perdeu muito tempo com a falta de administração de seus próprios conteúdos e com a oportunidade de trabalhar seu catálogo como a Disney faz com seus clássicos, que continuam rendendo o máximo possível.

        E é aí que entro em Sassaricando. Quando a Globo disponibilizou as novelas para assistir no seu streaming, eu comecei a me interessar, mas havia tantas coisas inéditas interessantes que eu sempre deixava para depois. Sem contar que ou você escolhe um ou outro, senão seu salário fica todo com eles. E mesmo com um streaming bom, com um catálogo sortido, temos aquela sensação de “não tem nada para ver”. Eu já percebia isso quando trabalhei numa locadora, na adolescência — estava o tempo todo em contato com os títulos e, mesmo assim, parecia que nada era interessante. E, em um desses momentos de dificuldade para escolher algo, me ocorreu a ideia de assistir Sassaricando até tomar conhecimento de algo que me interessasse. E que delícia tem sido a experiência.

        O lado gostoso aparece quando, reassistindo, puxo minha memória e comparo o que realmente lembro com o que realmente é. Outra coisa é ver São Paulo — uma cidade pela qual tenho bastante carinho e amor, e onde infelizmente não estou morando no momento — nas cores, modas e lentes daquela época. E, por fim, dar um refresco em tramas mirabolantes ou pesadas demais com um produto de humor leve, brasileiro. Tem realmente sido um respiro. E, com a minha cosmovisão atual, percebo camadas que uma criança de 9 anos não percebia.

        Estou adorando ver Tônia Carrero encabeçando o trio com Eva Vilma e Irene Ravache num arco inspirado em Como Agarrar um Milionário. Ou mesmo o arco de Aparício Varela (Paulo Autran), Teodora e Fedora Abdala (Jandira Martini e Cristina Pereira) e a Camila lindíssima com uma jovem Maitê Proença em seu resplendor de olhos penetrantes. E tantos outros atores que eram muito constantes nas telinhas e, com o tempo, foram desaparecendo — seja lá o motivo. E, se você der uma olhada mais maliciosa, em alguns momentos existe um subtexto bem camuflado que é delicioso. Autores bons fazem isso.

        Claro que não deixei de assistir nada dos estadunidenses, mas é bom dar um respiro. Valorizar algo que é nosso. E, apesar de alguns desastres, temos sim produtos cinematográficos ou televisivos muito bons. Infelizmente, percebo que a senhora emissora referida, ao criar seus outros canais na televisão paga, tem deixado a desejar na televisão aberta. E nem vou falar da chatice que está virando um grupo aí, que me recuso a citar pelo nome, boicotando qualquer coisa porque “é contra os costumes, a família e o bem absoluto”. Arte, mesmo a comercial, não deve se render a grupo nenhum. Tem sim que apresentar algo da sociedade e mesmo criticiar. 

        Eu até hoje não vejo nossa cultura realmente explorada em uma séries — novelas, então, nem pensar. Sempre camuflando ou evitando. Sei que Carmen, exibida em 1987 na extinta Rede Manchete,

 ousou um pouco nessa vereda. Por sinal, preciso assistir. E temos também Xica da Silva, bem ousada na época. 

        Usar essa ideia de ir assistindo novelas antigas enquanto aguardo uma continuação ou não me me interesso por nada tem me prospiciado momentos divertidos. Afinal não assistimos nada para simplesmente odiar, no mínimo eu quero amar odiar. 







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