Tangerine: "[...]vai depender do tanto de mente aberta que se tem."
Sabe
quando você ouve falar de um filme que é bacana e descolado, que fez algum
rebuliço no Festival de Sundance por algum motivo e até chamou atenção de
alguma celebridade por alguma questão social relevante qualquer? E você pensa:
“Que legal, vou assistir”. Passam-se messes e, um dia, cansado das mesmices
hollywoodianas você se recorda do filme e dá uma chance e o assiste??? E ele se
mostra como um filme “dukaraleo”?
Bom,
Tangerine pode ser um desses. MAS vai depender do tanto de mente aberta que se
tem. Em vários sentidos. Principalmente na questão sexual a que se reporta...
O filme tem uma história relativamente simples, ao mesmo tempo contraventora e é de vanguarda. Parece um modismo discutir a questão de gênero. Porém é algo que se
faz necessário principalmente pelo número alarmante de transexuais que são
mortas ou se suicidam no nosso país e no exterior. Principalmente devido a
pressão que a sociedade hipócrita cria nessas pessoas, marginalizando-as e
fingindo que elas não existem.
O roteiro
conta como Sin-Dee Rella (a “estreante” Kitana Kiki Rodriguez), nome de
“trabalho” de uma transexual (que o brasileiro simploriamente chama de travesti),
sai da prisão, depois de um mês, por ter sido pega com as drogas de seu namorado
que também é cafetão. E reencontrando-se com sua amiga Alexandra (outra
estreante: Mya Taylor) descobre que seu namorado está com outra mulher, só que cisgênero (homem ou mulher que não sente a
necessidade de mudar de sexo). Eu estou tentando explicar direito, e morrendo
de medo em incorrer em alguma gafe. Pois não é uma terminologia fácil e anda
mudando consideravelmente nos últimos anos. Por isso, desde já, se falei alguma
besteira quanto aos termos me corrijam por favor nos comentários abaixo. Ao
descobrir a “traição” do seu boy, Sin-Dee resolve tirar satisfação com a
garota, que descobre se chamar Dinah (Mickey O’Hagan), fazendo uma acareação
com seu amor Chester (James Ransone). Então, com a ajuda da relutante Alexandra,
começam a vagar pelas ruas atrás do namorado “infiel” e da “amante piranha”. E
no meio de tudo isso Alexandra terá uma apresentação em um bar e é véspera de
Natal. Sem contar que para garantir o pagamento de seu show ela precisa ainda
fazer dinheiro nesse dia. Sim, “o fazer dinheiro" é através da prostituição. E
aí que entra o chefe de família, trabalhador e respeitável taxista Razmik
(Karren Karagulian) que gosta de se divertir com a rola de uma Trans (forma de
abreviar transgênero). Então, imagine a confusão instaurando-se.
O
que chama atenção nesse filme em primeiro lugar é a forma que as personagens
Trans são retratadas. Não de forma desrespeitosamente caricatural. Não há
esteriótipo deturpado, há a humanidade por trás de pessoas que se sentem
deslocadas no próprio corpo a ponto de assumir uma identidade diferente do que seu
biológico determinou. O filme não é uma comédia de riso fácil. Pelo contrário é
um drama sensível sobre as dificuldades de ser algo que a sociedade
hipocritamente finge não existir. É bem relevante então que o taxista Razmik
procure os serviços sexuais de Alexandra. Pois se há prostituição, seja
masculina, feminina ou Trans é por haver quem se interesse. E, geralmente,
estão afoitos por esse "mercado" homens casados, de família tradicional, pessoas
de bem e cristãs... Pois éh!!!!!!
Lá
no começo do texto eu citei que uma celebridade tinha se interessado pelo
filme. Ninguém menos que Caytlyn Jenner andou tentando ajudar Mya Taylor a ter uma
indicação ao Oscar. Até agora nada aconteceu... Ela está fazendo sua parte. Se
não sabe quem é Caytlyn Jenner, procura no Google para ter uma surpresinha bem
interessante.
Se
tudo isso não bastasse para fazer um filme interessante, existe uma inovação
técnica por trás. Pasmem, quem não sabe ainda, o filme todo foi gravado através
das lentes de um IPhone 5. Na verdade, parece que usaram três aparelhos para revezar nas filmagens. Sim, o filme todo feito com celular. Com uma câmera
específica que é disponibilizada pela própria marca, um equipamento para
segurar melhor o aparelho e ajudar a amenizar a trepidação e um aplicativo de tons das cores da imagem baixado por cerca de U$ 8,00. Tanto que para tirar o efeito de “vídeo de
celular” eles usaram uma saturação de cores dando a predominância ao tom
alaranjado. Surgindo assim o nome do filme “Tangerine”.
Então
deu para entender o rebuliço no festival de Sundance. Um filme com uma
qualidade inquestionável, uma fotografia bem executada, com planos de câmera
bem interessantes feito apenas através de celulares, aplicativos e acessórios
disponíveis no mercado. É um feito realmente espantoso dada a qualidade técnica
do filme.
Inovador
no tema, inovador na técnica o que já garante a necessidade de um bom apreciador
de filmes em assisti-lo. A diversão vai
ficar por conta do tamanho de nosso preconceito. Quanto maior, menos se gostará....
E se isso acontecer é hora de repensarmos um pouco nossa postura como ser
humano... 2016, já passou da hora de evoluir em algumas questões sociais que
estão na nossa cara e insistimos em não ver.
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