Uma
das melhores coisas de “A Forma da Água”
é o elenco. Não dá para não ficar encantado com a performance de Sally
Hawkins,Octavia Spencer, Michael Shannon e a deliciosa atuação de Richard
Jenkins. Respectivamente duas faxineiras de um departamento do governo, sendo
que Hawkins é muda, o encarregado da segurança do local (após trazerem um ser
estranho), e um gay amargurado com sua solidão e infortúnio no amor que é
vizinho da personagem de Hawkins. A outra melhor coisa do filme é a direção e o
roteiro assinados por Guillermo del Toro que dá o ar fantástico ao filme. Como
representante da América do Sul del Toro é conhecedor do nosso realismo
fantástico e se utiliza disso em vários filmes seus. Tivemos filmes incríveis
dele.
O primeiro que assisti foi “A Espinha do Diabo” e como me senti
aterrorizado com os eventos fantasmagóricos num orfanato no meio do nada onde o jovem Jacinto é deixado. Também fiquei
encantado com “Hell Boy” e o que não dizer de “O Labirinto do Fauno”? Seus
filmes apesar de cheios de criaturas sobrenaturais, fantásticas e monstruosas
mostram uma humanidade tenra e terna.
Em “A
Forma da Água” vemos as duas faxineiras, aparentemente comuns, executando seus
serviços. Elisa (Hawkins) não fala e só se comunica em Libras apesar de ouvir
muito bem, Zelda (Spencer) sua fiel escudeira nas faxinas, é falastrona. Não
para um minuto de falar. E, estoicamente, Elisa escuta a amiga. Mas não é um
fardo para ela. Elisa é um espírito doce e solitário. Ouvir é algo que a faz
ficar próxima dos outros. Abandonada quando criança ela tenta esconder
cicatrizes em seu pescoço de algum tipo de judieira que lhe fizeram. Zelda é
uma mulher comum, de coração grande, e com um marido que é um inútil. Seus
resmungos e lamentações giram em torno do marido que não levanta a bunda da
poltrona da sala. Em sua casa Elisa convive com seu vizinho, um desenhista
frustrado, gay, que tenta entender o sentido de sua vida.
Quer amar, mas não
tem quem. Se ancora no amor fraternal de sua vizinha para conseguir um pequeno
sentido em sua vida nada agradável. E um dia a vida de todos muda com a chegada
de uma criatura anfíbia ao local de trabalho de Zelda e Elisa. Esta desenvolve
uma empatia grande com a criatura e ao saber que irão sacrificá-lo para experiências
ela executa um plano de fuga com a ajuda relutante de seu vizinho Giles
(Jenkins) e de Zelda. Além da inusitada ajuda de um dos pesquisadores que está
encantado com a criatura e não quer vê-la morta, o Dr.Hoffsteller (Michael
Stuhlbarg).
O
filme é uma ode a solidão e ao fim da solidão. Todos os personagens a seu modo
vivem fechados nesse buraco que estar só e por ser “diferente” causa. Elisa é
muda, Giles é gay, Zelda não recebe mínimo de atenção do marido. Até
Strickland, o responsável direto pela segurança da criatura anfíbia, vive sua
solidão de homem branco bem sucedido aos moldes do estilo de vida americano que
vira um fardo. E quando não desempenha seu papel de “vencedor” esse fardo se
torna mais pesado.
Em um
nível maior ou menor todos estão solitários. E todos têm como ponto de
convergência Elisa, que com seu silêncio
consegue ser bem eloquente. Ela vê mais que todos e percebe que há algo de
humano no “monstro”. Ou talvez ela tenha um pouco de monstruosidade em seu
sangue. Outra fábula que nos é dada esse ano. Uma fábula que funciona, que é
justa e dá o que promete. Um dos filmes
mais bonitos até agora entre as estreias deste ano.