Dallas Buyers Club
ou
Clube de Compras Dallas
Desde
que assisti “Óleo de Lorenzo”, onde o protagonista que dá nome ao filme sofria
de Adrenoleucodistrofia (ALD) doença
degenerativa supostamente incurável, eu intuí que algo estava errado. Uns doze
ou treze anos depois eu já havia concluído um curso de Filosofia, e estava na
minha segunda faculdade, e assisti ao “O Jardineiro fiel”. Comecei a ligar
pontos, e ler uma coisa aqui e ali e formei uma opinião sobre o assunto.
Justamente uma indústria que deveria ser pautada por uma ética mais humanitária
é que menos a tem. E nenhum governo fala nada, pois há interesses milionários
por trás disso. Claro que isso não é um “artigo” de opinião, mas uma resenha de
filme que acabei de assistir que aborda o mesmo tema dos outros dois direta ou
indiretamente: pessoas que querem viver, ou lutam pela vida de alguém doente,
mas tem um entrave, a indústria farmacêutica.

Se
em “Óleo de Lorenzo” eram os pais do garotinho que começa a definhar por uma
doença “incurável” que lutam com pesquisas particulares para desenvolver um
remédio para o filho, o que os cientistas não faziam pois não era viável
economicamente; e em “O jardineiro fiel” temos uma mulher que é difamada e
morta por estar pesquisando as atitudes de empresas farmacêuticas na África,
que estariam usando a população pobre como cobaias para seus remédios e o
marido vai atrás de descobrir a verdade; em “Clube de Compras Dallas” (Dallas Buyers
Club nome que prefiro) temos algo semelhante. Um homem heterossexual Ron
Woodroof, interpretado magistralmente por Matthew McConaughey, que se descobre
portador do vírus HIV e já diagnosticado com AIDS e apenas uns 30 dias de vida,
que decide não se entregar à doença, vai à busca de uma cura. E, adivinhem,
esbarra justamente com os órgãos regulamentadores de remédios que servem mais
aos interesses comerciais das indústrias farmacêuticas que aos interesses da
população. Isso é bem evidenciado quando em uma sentença que Ron está tentando
ganhar o direito de usar os remédios que desejar sem a proibição imposta pelo
governo, o juiz fala de uma proteína que a própria entidade farmacológica tinha
falado não ser tóxica.E essa indústria pressionava o governo para não liberar a venda no país.
É
um filme adulto que aborda o tema da AIDS não pelo viés homossexual, como é
meio comum desde “Filadélfia” e seus predecessores. Ron não aceita de início
deu diagnóstico de portador do vírus HIV, é início dos anos 90 e ele não é uma
“bicha” ele é “espada”. Todos ainda achavam que era uma doença ligada a
“perversão” homossexual. Ele não entende como poderia ter se contagiado.
Até fazer uma pesquisa sobre o assunto e descobrir que se pega a
doença de mulheres contaminadas. É interessante isso, pois um homem bronco, e
supostamente desinstruído vai fazer o que qualquer pessoa instruída faria: se
informar, conhecer, ler sobre o assunto. O mundo peca pela ignorância em muitas
coisas. Lembro também que os pais de Lorenzo se enfiaram em uma biblioteca e
leram tudo sobre o assunto da doença do filho e com suas pesquisas particulares
conseguiram resultados fantásticos, a ponto de conseguirem o título de médicos
honorários nos EUA. E Ron é ignorante mas vai além e começa a quebrar esse entrave em seu caráter.

Enfim,
voltando meramente ao filme. É um filme forte, e não melodramático. Isso pode
ser uma virtude em um filme de doença. Ron /Matthew McConaughey não se deixa
levar pela pena de si mesmo. Ele luta. Ele enfrenta o sistema. Mesmo que seja
por uma via ilegal. Ele afronta a todos, a indústria farmacológica, e consegue
uma esperança de uma sobrevida. E não contente com isso ele quer lucrar com sua
descoberta. Mas nesse jeito “esperto” de ser ele leva uma centelha de esperança
há inúmeros doentes. E só faz o que a indústria faz, descobre uma possibilidade
de cura e comercializa. Seu ato poderia ser considerado antiético e condenável,
mas não é a mesma coisa que vemos ser feita pelas indústrias de comercio de
drogas legalizadas pelo governo o tempo todo? E pior, colocando uma taxa
exorbitante em alguns remédios indispensáveis a vida de muitos? Nosso
protagonista não é dono de uma entidade de caridade, ele quer viver, e lucrar
com o que o deixa vivo. Quem o pode condenar? Quem perde com isso, óbvio.
A
atuação de Matthew McConaughey é soberba, como já havia dito. Dá humanidade ao trambiqueiro e homofóbico Ron. Faz dele um lutador que se torna arauto de uma parcela de pessoas que só
querem viver e pagariam por isso. Na sua empreitada ele se depara com, o
fabuloso e irreconhecível pela magreza, Jared Leto que faz o homossexual travestil Rayon.
McConaughey sempre foi uma promessa que há
um bom tempo não deslanchava. Fazia bons papéis em filmes bons, mas nada
espetacular. Até amadurecer, e tentar também a nova onda que assola os atores
americanos, ingressar para as Séries de TV. E lógico, não podia deixar de
citar, namorar uma brasileira (isso é muito relevante na vida de qualquer
estrangeiro). Ele atingiu o ponto certo nesse filme. Com os maneirismos
característicos de um cowboy texano, o sotaque anasalado, a safadeza necessária
a um mulherengo e jogador drogado que beira ao alcoolismo. É impressionante o
tanto que esse ator emagreceu para entrar na pele de um portador, “supostamente”,
terminal de AIDS. Só não é mais que seu colega de atuação, Jared Leto.

É
difícil falar da função de um coadjuvante perfeito. Ele pode roubar a cena, ele
pode ser a base fundamental para as tiradas do protagonista, ele pode ser sutil
fazendo dar o tom certo ao personagem. Nesse filme Rayon/Leto dá o toque
perfeito. Rouba as cenas quando necessário; é sutil e discreto, e dá base para McConaughey
explorar seu Woodroof em todas as dimensões possíveis. Eu nunca dei muito
crédito a Leto, apesar de achar ele muito esforçado, lembro o tanto que
engordou para interpretar o assassino de Lennon, mas sempre preferi ele como
cantor do “30 Seconds to Mars”. E neste filme ele se mostra um ótimo ator. Com
domínio total da doçura e feminilidade que um travesti mostra e a também a afetação e autodestrutividade necessárias que muitos
padecem. Merece seu Globo de Ouro. Os
dois merecem. Já Jennifer Garner se mostra um tanto sem tempero. Precisava de
mais. É uma boa atriz, talvez falte o papel certo para deslanchar. Talvez só
fique nisso mesmo. Não deu muita força a
sua Dra. Eve. Enfim, está ficando uma resenha um pouco grande. Roteiro com
diálogos bons e frases de impacto baseado na história real de Ron Woodroof.
Direção competentíssima de Jean-Marc Vallée que só faz crescer. Agora preciso
assistir os outros oscarizáveis.
Vale
a pena assistir. Não é um filme para qualquer um. Apesar de não ser enfadonho,
imagino, para o grande público. Não tem efeitos especiais nem ações
pirotécnicas, é um filme de atuação. Quem gosta desse tipo vai se deliciar. Afinal “a vida é uma só” frase motivadora de Ron. É essa
frase final não tem muita conexão com o que tinha dito. Mas fica a dica do Ron
para todos nós de qualquer jeito.
vinimotta2012@gmail.com