quinta-feira, 4 de dezembro de 2025

Máscaras de oxigênio não cairão automaticamente: HIV/AIDS








            Várias vezes eu me pego pensando no que me faz assistir a uma série; talvez, por escrever aqui, isso seja uma questão que me afete. E, olhando um texto antigo — Stranger Things 1983 (2016 - https://assuntocronicoviniciusmotta.blogspot.com/2016/07/stranger-things-1983.html ) — percebi que já havia ali uma forma de escolher o que ver: eu buscava no catálogo da Netflix algo interessante, alguém no Facebook falava bem da série e lá fui eu, sendo enrolado por anos por esse Mundo Invertido que está mais embolado, no fim de 2025, que minha vida pessoal. Pelo menos a série prometeu desenrolar tudo agora... Já minha vida, só esperando pelos episódios mesmo.

            Essa, claro, não é a única forma de chegar a uma obra, são inúmeras. Por exemplo, It’s a Sin (2021 — Reino Unido) veio até mim por causa de uma música: Palo Santo, do grupo Years & Years, cantada por Olly Alexander. Em um momento tenebroso da minha vida, alguns meses depois de ter me mudado para o centro de São Paulo, eu pesquisava sobre propriedades do palo santo — o inquilino anterior havia deixado um pedaço grande numa planta esquecida — e acabei encontrando a música. Gostei do ritmo e a letra casava tanto com meus sentimentos e preocupações que virou um mantra, junto com Want To, da Dua Lipa. Como a música me fisgou, pesquisei sobre o vocalista, o já citado Olly, e descobri que ele havia feito outros projetos, entre eles It’s a Sin. Isso foi em 2022. Só consegui assistir agora, em 2025.

            Companheiros de Viagem eu tinha visto em algum portal: diziam que Matthew Bomer, “o bonitão”, tinha feito uma nova série queer. Li a sinopse e: “Meh!”. Não sou fã do Bomer, e a história, mesmo com elogios da crítica, não me convenceu. Até que, em uma sessão, minha analista comentou e disse que eu talvez fosse realmente gostar. Fui assistir este ano e digo que foi sofrido. Além de o Bomer reafirmar meu desinteresse, Jonathan Bailey — interpretando seu companheiro de viagem, redundantemente — engole ele na atuação. Mas a produção de arte, figurinos e roteiro são muito bons. E, deponto ainda mais contra o Bomer, seu personagem, Hawkins, é aquele típico “não caga e não sai da moita”. Levei mais tempo que o normal para terminar os oito episódios.

            Já o título quilométrico Máscaras de Oxigênio Não Cairão Automaticamente apareceu para mim num vídeo qualquer do Instagram. Me interessei pelo tema, mas fiquei com um pé atrás até assistir a uma entrevista do Sem Censura com Beatriz Grinsztejn, médica infectologista com longo histórico no combate ao HIV/AIDS; Evandro Manchini, ator, realizador audiovisual e militante que fala abertamente sobre viver com HIV; e Johnny Massaro, que parecia meio aéreo e se perdia fácil nos próprios pensamentos — alguns momentos foram bem estranhos. Ele falou da série que interpretava o protagonista, Ciça Guimarães elogiou muito e isso reacendeu minha vontade. Ontem assisti: cinco episódios que passaram voando.

            E por qual motivo essa volta toda? Talvez pelo tema central que perpassa as três produções e que, para muita gente, ainda causa desconforto: a primeira década do surgimento do HIV e da AIDS, que ceifou milhares de vidas enquanto governos fingiam não ver nada de mal e classificando como “doença de bicha”. Cada série dá um enfoque específico e mostra como foi o enfrentamento em cada contexto.

            It’s a Sin é a mais antiga e pessimista, focada em três personagens e com clima de autodescoberta juvenil na Londres dos anos 1980. Companheiros de Viagem (EUA – 2023) segue o casal desarranjado Hawk e Tim, que se conhece nos corredores políticos dos anos 1950 e enfrenta a perseguição a homossexuais no governo, atravessando décadas até chegar aos anos 1980 — é a mais fiel aos eventos históricos. E, por fim, Máscaras de Oxigênio... — vou manter as reticências para não ficar escrevendo o tempo todo esse nome enorme— é a mais solar e didática, acompanhando um comissário de bordo, Fernando, que descobre ter uma doença que mata gays e tenta trazer dos EUA um medicamento proibido no Brasil na época: o AZT.

      Nas três séries há algo que deixa muitos homens heterossexuais desconfortáveis: sexo entre homens. Se superarem isso, verão que são relatos valiosos sobre uma epidemia que assolou o mundo muito antes da Covid-19. E, pasmem: os avanços nas pesquisas sobre HIV foram importantes para entender melhor o SARS-CoV-2. Mas, entre todas, a mais didática é Máscaras de Oxigênio.... A série parece ter feito de brief um folheto de posto de saúde especializado em ISTs (o termo correto hoje, e não mais DSTs).

            O que mais me chamou atenção é que, apesar das outras tentarem retratar o universo gay com mais alegria, mesmo diante das tragédias, a série brasileira demonstra uma necessidade quase urgente de não ser negativa. Há um subtexto constante: “apesar da doença, é possível viver”. Hoje sabemos que, embora ainda não exista cura, há tratamento — e quem toma os remédios mantém carga viral indetectável não transmite o vírus. O Brasil se tornou referência no tratamento e combate ao HIV/AIDS e possibilitou vida digna a pessoas que, por tanto tempo, enfrentaram peso e estigma.

            E o mais interessante é como a série traz uma personagem como Sônia: mulher cis heterossexual, religiosa, devota de São Sebastião, que contrai o vírus do marido. Anos de casamento, fidelidade, e o homem mantinha uma vida dupla e acabou contraíndo o vírus. A interpretação de Rita Assemany é delicada e humana. Em uma cena, ela encontra a amante do marido já em estado terminal e, em vez de escurraçá-la, pergunta se ela sabe a oração de São Sebastião. Francesca, a amante, que é uma mulher trans, (Kika Sena) responde que é filha de Oxóssi, e as duas rezam juntas.

            Chamei tudo isso de “séries”, mas são, na verdade, minisséries de histórias fechadas com uma temporada só. Todas bem produzidas, todas com interpretações tocantes. Eu ainda puxo sardinha para Máscaras de Oxigênio.... E, em um vídeo aleatório, ouvi Tilda Swinton dizendo que, nos anos 1990, chegou a ir a 49 enterros — todos vítimas da AIDS. Vale lembrar: HIV é o vírus; AIDS é o conjunto de sintomas quando o sistema imunológico já está muito debilitado. Então todas trabalham uma temática ainda relevante nos dias de hoje.

            Não quero transformar este texto numa panfletagem, mas fica a dica: todos precisam entender sua própria sexualidade, e dentro dela existem riscos, doenças, informações necessárias. Sexo transmite doenças; casamento não garante fidelidade nem proteção. Tem muito marido posando de heterossexual enquanto vive uma segunda vida escondida. A hipocrisia é um dos maiores vetores de transmissão de várias doenças.

            Dezembro Vermelho é o mês de conscientização e prevenção do HIV/AIDS e outras ISTs. Qualquer situação de sexo desprotegido, ou qualquer lesão, coceira, secreção, mudança estranha: corra para um médico. E, se houve exposição, saiba que até 72h é possível iniciar a PEP, um tratamento que reduz drasticamente a chance de infecção. Educação sexual também é isso. E produções culturais podem, sim, divertir e ensinar ao mesmo tempo.

            E, por fim, viva o SUS, que oferece tratamento gratuito. Em Máscaras de Oxigênio..., os remédios que o personagem do Massaro compra nos EUA custam US$ 800,67 — o que hoje pela cotação do dia daria R$ 4.254,60. 

            Viva o SUS!

 



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