Victor Frankenstein: Da Perspectiva do Assistente Corcunda
Quando
sentei na poltrona do cinema eu estava esperando algo como “Van Helsing”. Uma
produção caprichada, porém, descontraída, sem pretensão de se levar a sério. E
não foi bem isso que vi. A produção é bem caprichada sim. Afinal com os avanços
nas tecnologias cinematográficas tudo é possível. A reconstrução de uma Londres
suja que está iniciando a era industrial juntamente com avanços científicos,
como a luz elétrica, e o crescimento populacional dão ao filme uma “poluição”
urbana que só ajuda a criar o clima. A história não é só baseada na obra
original de Mary Shelley. E ao que parece se utiliza de vários “mitos” e
“iconografias” que a história adquiriu ao longo de quase dois séculos de
existência. O que também não é um defeito.
O
filme parte do ponto de vista do assistente de Victor, o Igor. Nos filmes
antigos e paródias da história, Igor era um corcunda quase imbecil que obedecia
cegamente ao seu chefe. Neste filme, isso é desconstruído de uma forma bem
divertia, por um lado, e bem interessante, de outro. Daniel Radcliffe dá vida a
esse personagem encarquilhado e com um corte de cabelo horrível, uma espécie de "Channel de bico". E aqui noto um certo amadurecimento do ator “harrypotteriano”.
Ele ainda não é o melhor ator do mundo, mas já dá sinais que está levando a
sério sua carreira e tenta fazer a lição de casa. Já não vemos o garoto “bruxo”
e sim o ator que tenta se firmar pelo talento e não só pelo sucesso prematuro.
Há anos ele insiste em reverter sua sina de “ator mirim de sucesso” para apenas
ator. E, pela luz que demonstra lá no fim do túnel, uma hora dessas consegue.
Então, lá se vai o personagem Igor apadrinhado pelo louco Victor, o charmoso James
McAvoy que se firma no gênero “ação”. O jovem Professor Xavier mostra aqui uma
certa “demência” atribuída aos gênios. E não é interessante perceber, numa
nuance da interpretação do roteiro de Max Landis, que mesmo sendo o tempo todo
eloquente, ao necessitar falar em público, para apresentar o protótipo de sua
obra, ele gagueja, se atrapalha, afinal é um cientista e não um orador? E lá
vai a sua primeira criatura dar trabalho mostrando quão perigosa é sua
experiência. E como não teríamos história se ele não persistisse o enredo nos
leva ao aprofundamento da loucura de Victor e o crescente espanto de Igor que
não quer mais uma criatura rediviva em seu carma. A todo custo tenta fazer
Victor abandonar o projeto. Como conhecemos a história, e isso o roteiro nos
lembra na voz de Igor, Victor segue seu experimento para o inevitável monstro
inicializado com os raios de uma tempestade. E para aproveitar os
acontecimentos recentes, uma atualização bem “atual”, vemos um inspetor da
Scotland Yard que persegue Victor, mais por questões religiosas do que por real
crime contra a sociedade, o Inspetor Turpin realizado com uma gana cristã pelo
ator Andrew Scoot que participou da série “Sherlock”.
O
contraponto romântico fica apenas com Igor e a trapezista do qual é apaixonado:
Lorelei. Interpretada pela atriz de “Downton Abbey” Jessica Brown Findlay
parece só servir para tirar a tensão homoerótica e afetiva que existe entre
Victor e Igor. Quase numa espécie de afirmação da sexualidade dos personagens.
O que é contradito o tempo todo nas falas do início do filme. No começo do
filme, quando numa cena, estranhamente engraçada, após Victor dar umas belas de
umas encoxadas em Igor, para tirar sua corcunda, este, fala e repete algo como
“Eu estou em pé” que na expressão em inglês dá evidente e claramente um duplo
sentido.
O filme
convence o tempo todo ao brincar com as referências míticas da história e nos
dá uma nova perspectiva do que muitos conhecem. Mesmo assim, como na época de
Shelley, fica difícil acreditar na “ciência” que Victor usa. Soa mais como um
misticismo do que como ciência. Enfim, o que penso é que vale a diversão. Passando
de drama a suspense, com pitadas de humor e romance, enverga para uma ação onde
o hibridismo desponta fazendo uma grande colcha de retalhos. Com direção competente
de Paul McGuigan do qual ainda não conhecia nenhuma obra. E como vi depois na
internet que ele acabou por dirigir uns episódios da série televisiva
“Sherlock”.
Pode
não ser uma das melhores adaptações do universo de Frankenstein, mas diverte.
Bem melhor que “Jogos Vorazes: A Esperança – Parte II” que ainda infesta os
cinemas, esgotando as salas disponíveis a filmes melhores. Tão ruim que ainda
não tive nem ânimo de escrever a respeito. Enfim, para quem gosta de pipoca e
um filme que diverte, aproveite. Se bem, esqueci de escrever isso anteriormente,
tem muitas gosmas nojentas. Talvez comer assistindo esse filme não seja uma boa
ideia. Ou sou eu que estou muito fraco para pedaços de corpos e vísceras que
andam aparecendo nos filmes.
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