Beasts Of No Nation - Não É Fácil de Assistir
Não
é um filme fácil de assistir. Mostra uma realidade que está, supostamente, tão
longe de todos nós que acabamos por classificar como pura ficção, imaginação.
Porém se soubermos um pouco do que acontece no continente africano, lermos as
poucas informações que chegam em nossos jornais e televisão, vamos ver que a
realidade é bem mais tenebrosa pelo simples fato de acontecer.
Eu
já tinha algumas informações sobre o que ocorre na África através de alguns
“missionários” e há dois anos tive uma palestra na faculdade sobre um grande
genocídio ocorrido em Ruanda. A palestrante, Andréia Terzariol Couto, relata as
informações que coletou sobre o assunto no livro “O país das Mil Colinas”
(Editora Appris, 2013). Foi um massacre, em 3 meses cerca de 1 milhão de
pessoas morreram. Isso em 1994. Há cerca de 20 anos. Pouco tempo. E
o pior é que em tudo teve um “toque” dos brancos por trás.
“Beasts
Of No Nation” não fala de Ruanda. É uma adaptação do romance homônimo de
Uzodinma Iweala, escritor norte-americano de origem nigeriana. Então tudo
acontece na Nigéria, onde ocorre uma guerra civil. E coloque-se aí qualquer
país africano que o roteiro acaba cobrindo grande parte das guerrilhas que lá
ocorrem. Essa guerra atinge a cidade do protagonista principal do filme, Agu,
interpretado pelo estreante Abraham Attah. Sua mãe é forçada a fugir com os
dois irmãos mais novos e ele acaba ficando com o pai, o avô, que não interage
mais com ninguém, e o irmão mais velho. O filme mostra um pouco como é a vida
do garoto antes da invasão armada ao seu vilarejo. Era uma criança normal, de
um lugar pobre, que vivia sua vida alheio aos problemas adultos, e tirando
o proveito, com suas traquinagens, de tudo o que podia. E de repente tudo
acaba. Com sua mãe longe, vê seu pai ser fuzilado e logo em seguida seu irmão.
Sem opção foge para a floresta. É “resgatado” por uma milícia de
resistência que é tão feroz quanto os soldados que mataram sua família. Lá
ele conhece o Comandante, interpretado por Idris Elba. É um personagem de
extremo carisma e ao mesmo tempo letal. Suas palavras são de um messianismo
assustador. Tudo o que faz é quase um rito religioso para convencer os jovens
que “pega” pelo caminho. Faz uma lavagem cerebral a ponto de perderem a
infância de um jeito assustador. E mesmo assim, com toda essa perversidade,
Elba consegue dar a humanidade necessária para quase nos “afeiçoarmos” ao seu
Comandante. Digo quase, pois seu carisma não é maior que suas atrocidades.
Principalmente em relação ao que rouba das crianças. Agu, sem escolha, se rende
e começa a fazer parte do grupo. E neste grupo vai viver sua vida entre sangue,
drogas e abusos: é a bestificação proposta pelo título em inglês. Consegue até ter momentos de “molecagem” mas a tensão sufoca
qualquer resquício possível de felicidade infantil. Consegue amizade na figura
de outro garoto, mudo, Strika, outro ator mirim, Emmanuel "King Kong"
Nii Adom Quaye. Sem falar uma palavra consegue transmitir o necessário para seu
personagem. E aqui eu comento como foi difícil achar maiores informações sobre
esse elenco. Parece que o filme quase “não existe”.
Como
já comentei em várias outras resenhas, eu tento não ler nada antes de assistir aos filmes. Fico apenas com informações básicas e assisto o trailer para ver se me apetece. E
qual não foi minha surpresa, ao começar a subir os créditos desse filme quando
vejo o nome do diretor: Cary Fukunaga, ou como ele coloca nos créditos Cary
Joji Fukunaga. E não só, também é o roteirista e o diretor de fotografia.
Para quem não lembra ele é responsável pela direção da soberba primeira
temporada de True Detective, pelo qual ganhou o Grammy de melhor Diretor por
série dramática em 2014. Apesar de fotografar um lugar todo devastado pela
guerra, há uma beleza retratada na tela, um tanto mórbida, mas bela. E tudo
funciona tão bem que é impossível não ficar de boca aberta.
O
roteiro segue o livro, vemos os acontecimentos pela ótica do garoto Agu, o que deixa tudo
mais devastador. Como disse no início não é um filme fácil de ver, mas é um
filme necessário. Para quem lembra é só imaginar “Os Gritos do Silêncio”, mas
dessa vez com uma criança, para sentir um pouco do que seria. Não somos
poupados em momento algum do terror de estar no meio de uma guerra e a única
saída para a paz parece ser a própria morte. É incrível que essa reflexão faz
parte dos pensamentos do garoto Agu.
Um
filme exemplar, distribuído e “encomendado” pelo Netflix. Resta esperar ano que
vem se os “acadêmicos” do Oscar vão reconhece-lo como a pérola que é ou vão
esnobar pois não foi vinculado no padrão “convencional” da indústria
cinematográfica.
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