segunda-feira, 31 de dezembro de 2018

The Alienist – Netflix


The Alienist – Netflix




         Quando uma produção envolve o nome de Cary Fukunaga eu fico sempre de orelha em pé. Umas das séries que mais gosto é de sua produção, True Detective. Talvez aqui o que faça falta seja o roteiro transcendental, cru e brutal de Nic Pizzolatto. Contudo com seu grupo de roteiristas Fukunaga manda bem. Porém não chega aos pés do já citado roteirista.
        A série enverga pelos meandros de uma categoria que surge antes de se estabelecer o termo psicólogo, o alienista. Temos até uma obra homônima na nossa literatura que brinca com o descrédito que se via essa profissão no início. E só para nos lembrar é um divertido conto/novela (?) do magistral Machado de Assis que até virou uma versão televisiva naquela rede que sempre está a favor dos golpes de estado no Brasil.
        
Um alienista é uma espécie de precursor do psicólogo moderno, acreditava-se que as pessoas ficavam alienadas de suas faculdades mentais e desse desequilíbrio viria a insanidade, pessoas que perderam a noção de tudo e estão alheias de si mesma. O alienista trata quem está alheio, ou alienado de si. Tecnicidades a parte temos o Dr. Laszlo Kreizler (Daniel Brühl) que possui uma clínica onde trata de jovens e crianças com algum distúrbio. Podre de rico pode bancar suas peripécias. Contudo, o próprio Laszlo é cheio de seus traumas e comanda uma equipe tão problemática quanto ele mesmo, a primeira mulher a trabalhar no departamento de polícia de Nova York, Sara Howard (Dakota Fanning), que achou seu pai suicida agonizando, John Moore (Luke Evas) que teve seu noivado com a mulher que amava desmanchado de forma um tanto quanto vergonhosa e se satisfaz fantasiando com prostitutas e os irmãos Luccius e Marcus Isaacson ( respectivamente Matthew Shear e Douglas Smith) que também trabalham no departamento de polícia na recém profissão de investigadores forenses. Estes são estigmatizados por serem judeus e vivem seus perrengues tentando provar que são capazes no que fazem.  Contudo o mais espinhoso na série são os crimes seriais abordados. Adolescentes “travestis” são mortos de forma peculiar numa espécie de ritual que lhes são tirados algumas vísceras, o olho e os órgãos genitais. E justificando, uso o termo “travesti” de uma forma simplória, não é o termo mais apropriado, se fosse usar algum termo seria o de pederastas ou invertidos pelo contexto da época. Contudo, nossa cultura possui um equivalente para que possamos entender e com um peso pejorativo tão profundo como os dois termos acima citados. Contudo, no fundo eram adolescentes em situação de rua que para sobreviver se prostituiam vestindo-se com perucas e roupas androginamente femininas. Geralmente eram jovens órfãos ou que tinham sido expulsos de casa por se mostrarem afeminados. Falo que é um tema espinhoso, pois o tempo todo percebemos o cuidado de não fetichizar nem sensualizar os jovens em tela. São retratados sempre que possível como o que realmente são: crianças ou jovens que se prestam a um trabalho não aceito pela sociedade por não se querer encarar que essas pessoas com comportamento afeminado existam.
        
Numa NovaYork de fim do século de 1900, com grandes descobertas científicas e efervescência cultural vemos um tema marginal sendo posto diante da cidade que teria a vocação de se tornar uma nova “capital” do mundo. Alguns formalismos acabam deixando tudo um pouco frio, com um olhar atento conseguimos sair desse grosso verniz e enveredar por uma sórdida história que envolve jovens, ou como dizemos por aqui, menores, pessoas ricas e suas perversões. A reprodução de época é exemplar, e as atuações são magistralmente contidas. Todo mundo é reprimido pela sociedade novaiorquina de uma forma absoluta. A civilidade está acima de tudo e tudo cai por terra na viceralidade das ações diárias. É até interessante a insinuação do envolvimento amoroso, meio que forçado por “drogas”, de um dos personagens com um dos garotos que se prostituem. Mas é uma insinuação bem de leve, que parece ficar só na insinuação mesmo.
        
O elenco cumpre seu papel de mostrar a frieza das relações civilizadas e os meandros do que a natureza humana decreta e faz acontecer com pequenos gestos, olhares, e atos ínfimos. Isso tudo parece fazer a história não decolar, estamos muito acostumados a histórias dramáticas onde tudo é exposto e jogado na nossa cara. O roteiro é inteligente, peca uma vez ou outra por nos querer despistar de um jeito um pouco exagerado, contudo, cumpre sua função de entreter. Imagino, e novamente só conjecturas, alguns homens de bem, cristãos poderão se sentir um tanto incomodados com a série. Em vários momentos vemos gatilhos que podem corroborar para algumas pessoas passarem vergonhas de seus atos escondidos.
        
Demorei a assistir, estreou em janeiro deste ano e só terminei semana passada por um milhão de motivos e por nenhum ao mesmo tempo. Isso não tira a qualidade da série. Contudo é uma série pesada, densa que pode não agradar quem gosta de coisas leves. Tome um Sonrisal e enfrente, tem mistério e instiga numa grande produção e ótimas atuações.

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