Penny Dreadful –
Segunda Temporada – Análise: Então caminhemos sozinhos.
AVISO: SPOILERS, SPOILERS E MAIS SPOILERS.
Não vou recapitular sobre os
personagens pois já o fiz em outra ocasião. E também não vou falar de como foi
a temporada em si. O que vou fazer dessa vez é uma espécie de reflexão ou uma
análise. Já fiz uma introdução sobre a segunda temporada, quem quiser dar uma
conferida é só olhar em http://assuntocronicoviniciusmotta.blogspot.com.br/2015/05/penny-dreadful-segunda-temporada-com-o.html.
Para situar, o grande inimigo dessa
temporada foi, como já citei, o “Unhudo”. Através de servas bruxas ele tentou
aliciar Vanessa de todas as formas. Porém, no último episódio fica evidente que
a solidão é pior que forças sobrenaturais nos perturbando.
É incrível que apesar da demanda dos
personagens trabalharem em conjunto contra o mal eles acabam se isolando cada
vez mais.
Não é uma série fácil de assistir, há
uma densidade dramática pungente que foge do padrão de filmes tradicionais de
terror. A interpretação do roteiro é mais valorizada. Já comentei isso também,
não quero ficar me repetindo.
A solidão afeta todos. Desde a esposa
“abandonada” que sugere um acordo para preservar sua dignidade a Sir Malcolm, passando
por Sra. Pole, que líder de um clã de bruxas, vive sozinha em seu posto
elevado, indo até Dorian, um dos personagens mais fúteis na trama. Futilidade
empregada para preencher o vazio que sente por sua imortalidade. E não seria
isso uma forma de solidão, o hedonismo? Dessa vez encontra nos braços de
Angelique, uma travesti, uma efêmera libertação, que acaba por não aproveitar,
não é “humano”, ou se desumanizou tanto, que é incapaz de ter um ao seu lado e
destrói para logo encontrar outro ser tão desumano quanto a si mesmo: a Brona/Lily.
Lily, que era um monstro solitário devida a sua condição de prostituta
tuberculosa, encontra na temporada passada o alívio da solidão que logo a morte
lhe arranca. Rediviva, não é mais humana, é fria, calculista, mata, dissimula.
Sabe que não é humana e procura um consorte que esteja a sua altura. De início
achava ser Mr Claire/Criatura o seu par ideal, mas este lhe é inferior e logo
acha outro, Dorian.
Malcolm se envolve com a Sra Poole e
por solidão se deixa enfeitiçar pela bruxa que o manipula. E quando alguém é usado
dessa forma o amor não floresce e reforça a solidão e com as atitudes faz
surgir o rancor. Ele anseia acabar com ela assim que percebe que foi seduzido e
enganado. E sozinho, numa atitude errada, vai até a casa da mulher que o prende
com suas memórias mais dolorosas: a esposa que se matou, a filha que ele matou,
e o filho que ele acabou deixando morrer. A solidão é um “ensimesmamento”
diante de memórias que o incomodam como se fossem obsessões. Nessa Dr. Frankenstein,
que vai tentar resgatá-lo com os outros, também acaba preso nas lembranças de
sua solidão de criador de nova “espécie”. O ato de gerar ou criar não é
comunitário, é algo absurdamente solitário, de alguém que anseia, por não ter
nada, uma companhia através de sua obra, e suas criaturas se rebelam contra
ele. E qual é o tamanho do amor do criador por suas criaturas? É capaz de
aceitar que elas não o amem? É capaz de lidar com isso? Parece que não, desde a
temporada passada sabemos que Frankenstein se isola no uso de drogas. E isso
faz o abismo se tornar maior, mais profundo. Pode não viver a realidade, mas a
ilusão é pior. É o poço bem fundo em que cai e não consegue ver a luz que está
lá no alto. Sua Lily está com Dorian, e em uma atitude insensata se submete a
ser humilhado pela única que julgou poder ameninar suas angústias. Tentando
matá-la só percebe que é mais fraco que pensava, e ser criador não lhe dá
status nenhum para vislumbrar o céu.
Claire/Criatura também pensa que pode
voar para longe da solidão, se deixa levar por uma gentileza feminina e é preso
para virar aberração humana num show de horrores idealizado pela família Putney,
que são tão monstros quanto ele. E o fim é trágico e o empurra inda mais para o
vazio de ser quem é.
Vanessa em sua peculiaridade é uma
reencarnação de uma deusa antiga, Amunet, também não consegue paz. Perseguida
por outra criatura mítica milenar que a quer como companheira, o próprio
Demônio, ela acaba sendo veículo de morte e desolação por onde passa. E quando
decide vingar-se de um inimigo, que matou sua a amiga e mentora, também cai no
abismo que o próprio Demônio mora. Tanto que na confrontação final este lhe
joga na cara: “Assassina!”.
Chandler é outro amaldiçoado e fadado a ser
solitário. Dentro dele reside uma antiga manifestação do mal. Se Vanessa tem
Amunet, Chandler tem o lobo ou lobisomem. Ambos buscam redenção, mas são
incapazes disso, pois são, cada um a sua forma, portadores de um mal. E se
juntarem amorosamente o mal criará rebentos e poderá dominar o mundo. Isso é
evidente na profecia decifrada pelo Sr. Lyle. Que também guarda seus segredos,
além de homossexual, é judeu, não que seja uma característica monstruosa, mas
levando em consideração o peso histórico que essa etnia sofreu por ser a
portadora da morte do grande ícone religioso do ocidente detém certo despreso.
Hoje já estamos em novo estágio, onde alguns preconceitos foram “reformulados”
ou ainda dissipados. Porém como ele
mesmo diz “não se deve subestimar a rainha de cabelos bonitos” o que também não
promove a falta de solidão. Continua sozinho, se oferece a ser uma companhia desinteressada
ao sorumbático Dr. Frankenstein que, sem tato nenhum, se recusa a tal.
A solidão perpassa a todos, que
amaldiçoados por suas próprias escolhas, vão caminhar solitários. Significativa
é uma das cenas finais onde, após enfrentar o Diabo, Vanessa, que recebera uma
carta de despedida de Chandler, que se entrega a polícia, pega o crucifixo que
está em sua parede, símbolo da devoção a um Deus que não lhe dá respostas, e o
joga na lareira para se consumir nas chamas. É a incapacidade do ser humano em
entender os desígnios divinos e se ver desamparado na noite escura que muitos
místicos relataram: um momento que se está tão perto de Deus que não se sente
sua presença, todas as orações não recebem respostas, todas as dificuldades da
vida se impõem e a voz, o sopro, o carinho de Deus não é sentido. E Vanessa,
que é uma espécie de mística, mundana, mas mística, se vê sozinha. Malcolm foi
enterrar o amigo Sembene na África, Chandler se entregou à polícia,
Frankenstein está afundado nas drogas, Clare/Criatura está indo embora para
longe, não quer mais o convívio com os humanos, sua amiga Mina está morta, seus
pais também. Solidão, sem amigos, sem seu deus, sem o demônio, somente
enfrentando o abismo que se forma em seu peito. E nada mais é esperado que sua
resposta à carta de Chandler, que propõem caminhem separados, é o grito máximo
da alma solitária “Então caminhemos sozinhos” diz para si mesma. É o oposto que
um ser humano deve fazer. É o oposto da santidade comunitária do mistério
trinitário do Deus judaico-cristão, Pai-Filho-Espírito Santo, é o contrário da
promessa a Abraão de “infinita descendência”, é o contrário do calor do amor
que subentende o outro para se expressar. A solidão é o grande monstro que
assola as personagens de Penny Dreadful. Uma metáfora aos nossos sofrimentos,
causados pelo egoísmo e egocentrismo humanos que nosso tipo de sociedade impõe.
Caprichou hein?
ResponderExcluirQue bom que gostou.... As musas me inspiraram e ajudaram dessa vez... ^_^
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