domingo, 26 de julho de 2015

Séries: Penny Dreadful – Segunda Temporada – Análise: Então caminhemos sozinhos.

Penny Dreadful – Segunda Temporada – Análise: Então caminhemos sozinhos.
  AVISO:  SPOILERS, SPOILERS E MAIS SPOILERS.




         Não vou recapitular sobre os personagens pois já o fiz em outra ocasião. E também não vou falar de como foi a temporada em si. O que vou fazer dessa vez é uma espécie de reflexão ou uma análise. Já fiz uma introdução sobre a segunda temporada, quem quiser dar uma conferida é só olhar em http://assuntocronicoviniciusmotta.blogspot.com.br/2015/05/penny-dreadful-segunda-temporada-com-o.html. 

         Para situar, o grande inimigo dessa temporada foi, como já citei, o “Unhudo”. Através de servas bruxas ele tentou aliciar Vanessa de todas as formas. Porém, no último episódio fica evidente que a solidão é pior que forças sobrenaturais nos perturbando.
         É incrível que apesar da demanda dos personagens trabalharem em conjunto contra o mal eles acabam se isolando cada vez mais.
         Não é uma série fácil de assistir, há uma densidade dramática pungente que foge do padrão de filmes tradicionais de terror. A interpretação do roteiro é mais valorizada. Já comentei isso também, não quero ficar me repetindo.

         A solidão afeta todos. Desde a esposa “abandonada” que sugere um acordo para preservar sua dignidade a Sir Malcolm, passando por Sra. Pole, que líder de um clã de bruxas, vive sozinha em seu posto elevado, indo até Dorian, um dos personagens mais fúteis na trama. Futilidade empregada para preencher o vazio que sente por sua imortalidade. E não seria isso uma forma de solidão, o hedonismo? Dessa vez encontra nos braços de Angelique, uma travesti, uma efêmera libertação, que acaba por não aproveitar, não é “humano”, ou se desumanizou tanto, que é incapaz de ter um ao seu lado e destrói para logo encontrar outro ser tão desumano quanto a si mesmo: a Brona/Lily. Lily, que era um monstro solitário devida a sua condição de prostituta tuberculosa, encontra na temporada passada o alívio da solidão que logo a morte lhe arranca. Rediviva, não é mais humana, é fria, calculista, mata, dissimula. Sabe que não é humana e procura um consorte que esteja a sua altura. De início achava ser Mr Claire/Criatura o seu par ideal, mas este lhe é inferior e logo acha outro, Dorian.


         Malcolm se envolve com a Sra Poole e por solidão se deixa enfeitiçar pela bruxa que o manipula. E quando alguém é usado dessa forma o amor não floresce e reforça a solidão e com as atitudes faz surgir o rancor. Ele anseia acabar com ela assim que percebe que foi seduzido e enganado. E sozinho, numa atitude errada, vai até a casa da mulher que o prende com suas memórias mais dolorosas: a esposa que se matou, a filha que ele matou, e o filho que ele acabou deixando morrer. A solidão é um “ensimesmamento” diante de memórias que o incomodam como se fossem obsessões. Nessa Dr. Frankenstein, que vai tentar resgatá-lo com os outros, também acaba preso nas lembranças de sua solidão de criador de nova “espécie”. O ato de gerar ou criar não é comunitário, é algo absurdamente solitário, de alguém que anseia, por não ter nada, uma companhia através de sua obra, e suas criaturas se rebelam contra ele. E qual é o tamanho do amor do criador por suas criaturas? É capaz de aceitar que elas não o amem? É capaz de lidar com isso? Parece que não, desde a temporada passada sabemos que Frankenstein se isola no uso de drogas. E isso faz o abismo se tornar maior, mais profundo. Pode não viver a realidade, mas a ilusão é pior. É o poço bem fundo em que cai e não consegue ver a luz que está lá no alto. Sua Lily está com Dorian, e em uma atitude insensata se submete a ser humilhado pela única que julgou poder ameninar suas angústias. Tentando matá-la só percebe que é mais fraco que pensava, e ser criador não lhe dá status nenhum para vislumbrar o céu.

         Claire/Criatura também pensa que pode voar para longe da solidão, se deixa levar por uma gentileza feminina e é preso para virar aberração humana num show de horrores idealizado pela família Putney, que são tão monstros quanto ele. E o fim é trágico e o empurra inda mais para o vazio de ser quem é.

         Vanessa em sua peculiaridade é uma reencarnação de uma deusa antiga, Amunet, também não consegue paz. Perseguida por outra criatura mítica milenar que a quer como companheira, o próprio Demônio, ela acaba sendo veículo de morte e desolação por onde passa. E quando decide vingar-se de um inimigo, que matou sua a amiga e mentora, também cai no abismo que o próprio Demônio mora. Tanto que na confrontação final este lhe joga na cara: “Assassina!”.


 Chandler é outro amaldiçoado e fadado a ser solitário. Dentro dele reside uma antiga manifestação do mal. Se Vanessa tem Amunet, Chandler tem o lobo ou lobisomem. Ambos buscam redenção, mas são incapazes disso, pois são, cada um a sua forma, portadores de um mal. E se juntarem amorosamente o mal criará rebentos e poderá dominar o mundo. Isso é evidente na profecia decifrada pelo Sr. Lyle. Que também guarda seus segredos, além de homossexual, é judeu, não que seja uma característica monstruosa, mas levando em consideração o peso histórico que essa etnia sofreu por ser a portadora da morte do grande ícone religioso do ocidente detém certo despreso. Hoje já estamos em novo estágio, onde alguns preconceitos foram “reformulados” ou ainda dissipados.  Porém como ele mesmo diz “não se deve subestimar a rainha de cabelos bonitos” o que também não promove a falta de solidão. Continua sozinho, se oferece a ser uma companhia desinteressada ao sorumbático Dr. Frankenstein que, sem tato nenhum, se recusa a tal.


         A solidão perpassa a todos, que amaldiçoados por suas próprias escolhas, vão caminhar solitários. Significativa é uma das cenas finais onde, após enfrentar o Diabo, Vanessa, que recebera uma carta de despedida de Chandler, que se entrega a polícia, pega o crucifixo que está em sua parede, símbolo da devoção a um Deus que não lhe dá respostas, e o joga na lareira para se consumir nas chamas. É a incapacidade do ser humano em entender os desígnios divinos e se ver desamparado na noite escura que muitos místicos relataram: um momento que se está tão perto de Deus que não se sente sua presença, todas as orações não recebem respostas, todas as dificuldades da vida se impõem e a voz, o sopro, o carinho de Deus não é sentido. E Vanessa, que é uma espécie de mística, mundana, mas mística, se vê sozinha. Malcolm foi enterrar o amigo Sembene na África, Chandler se entregou à polícia, Frankenstein está afundado nas drogas, Clare/Criatura está indo embora para longe, não quer mais o convívio com os humanos, sua amiga Mina está morta, seus pais também. Solidão, sem amigos, sem seu deus, sem o demônio, somente enfrentando o abismo que se forma em seu peito. E nada mais é esperado que sua resposta à carta de Chandler, que propõem caminhem separados, é o grito máximo da alma solitária “Então caminhemos sozinhos” diz para si mesma. É o oposto que um ser humano deve fazer. É o oposto da santidade comunitária do mistério trinitário do Deus judaico-cristão, Pai-Filho-Espírito Santo, é o contrário da promessa a Abraão de “infinita descendência”, é o contrário do calor do amor que subentende o outro para se expressar. A solidão é o grande monstro que assola as personagens de Penny Dreadful. Uma metáfora aos nossos sofrimentos, causados pelo egoísmo e egocentrismo humanos que nosso tipo de sociedade impõe.  



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