quinta-feira, 26 de julho de 2018

Clássicos: Alma em suplício - Mildred Pierce


Alma em suplício – Mildred Pierce
(1945)





Quando digo que os filmes de hoje estão caretas não é exagero.
Esse filme de 1945 trata de um tema que hoje em dia seria considerado bem espinhoso e por certo nenhum produtor engendraria uma empreitada dessas. Uma mulher, trabalhadora, após descobrir que o marido a trai se separa e acaba por tentar manter o padrão de vida que levava antes.
Principalmente para garantir a felicidade das filhas. E com muito esforço e um pouco de sorte ela se torna uma empresária bem sucedida no ramo de restaurantes. Contudo, se envolve e casa com o cara errado e este acaba por “corromper” sua filha com um estilo de vida de muita farra e gastos. Lógico que esse gasto desmedido leva a família à falência e no meio dos problemas financeiros o marido dessa mulher é assassinado com vários tiros.  Não fica claro se a garota era ou não menor de idade. O roteiro, ardilosamente esconde isso.  Intuímos que ela já é bem crescida. E o que o roteiro não esconde é que apesar do padrasto a envolver num estilo de vida desregrado ela nunca foi uma boa pessoa. Por mais que sua mãe tenha se esforçado a garota é interesseira, inconsequente e ambiciosa. E o drama se instala não no caráter duvido da garota, e sim no suplício, do título em português, que a mãe passa.
O assassinato é do marido de Mildred Pierce, Monte Beragon, interpretado afetadamente por Zachary Scoot. Mildred é levada à delegacia e tem que prestar depoimento do pouco que diz saber sobre o caso. É por seu ponto de vista, pelo seu testemunho, que vemos a vida exemplar de uma família comum americana abalada pelo desemprego, inicialmente, do marido e depois a traição. Mildred é um misto de força, determinação, comiseração, resignação e tormento. Quem interpreta é Joan Crawford, que dizem ter o oposto desse caráter.  Contudo, a personagem é uma maternal protetora de suas filhas. E percebe desde sempre que a filha mais velha, Veda (Ann Blynth) não é tão boa e brilhante quanto a mais nova, Kay (Jo Ann Marlowe).
Porém a fofa e promissora Kay morre tragicamente fazendo que Mildred se entregue a um erro comum: mimar demais a filha. É o fermento para o insucesso. A garota cresce mal-agradecida e piora a cada dia tendo até vergonha da mãe ganhar seu dinheiro honesto como dona de restaurante.  Mildred não mede esforços para a gradar a filha que é um verdadeiro saco sem fundo. E no meio desse processo surge Monte, de início tendo real intenção para com Mildred, depois entrando num arriscado e duvidoso acordo. O grande problema de Mildred, e sua parcela de culpa, é sempre querer comprar o amor da filha. E isso é a sua ruína. De inicio a suspeita do crime recai sobre o ex-marido Bert (Bruce Bennett), e por fim sobre si mesma.
         O mais interessante é o um filme de mais de setenta anos ser tão ágil, na medida do possível lógico, instigante e gostoso de assistir. Crawford é um arrombo de interpretação. Sua beleza madura dá o ponto certo junto a sua voz forte e interpretação comedida. É estarrecedor a qualidade que o filme atinge.
O papel lhe rendeu um Oscar de melhor atriz no ano seguinte. E, uma fofoquinha, prêmio este que recebeu na cama pois simulou estar debilitada para receber o prêmio pessoalmente na cerimônia. Crawford era uma personalidade à parte, única, cheia de pequenas e grandes extravagâncias.  E tudo isso fica escondido por sua interpretação. O filme é uma pérola noir que vale todos os minutos em tela.

segunda-feira, 23 de julho de 2018

Clássicos: Ninotchka


Ninotchka
(1939)







        
Debutei com a Greta Garbo em “Ninotchka”. E minha impressão foi de uma atriz presa a seu estereótipo de seriedade. Uma mulher linda, sofisticada que faz bem um papel de mulher distante ou enigmática. Sei que é dizer o mesmo que todo mundo sobre Garbo, mas apenas reforço aqui o que já se sabe dela.
      
   A história de “Ninotchka” segue estilo de comédia romântica. Enviados soviéticos precisam vender joias apreendidas da nobreza que foi deposta pelo regime comunista. Iranoff (Sig Ruman), Buljanoff (Felix Bressart) e Kopalski (Alexander Granach) se mostram um trio atrapalhado e incapaz de resolver um imbróglio que são envolvidos pelo conde Leon d’Algout (Melvyn Douglas) que quer recuperar as joias para a verdadeira dona, Condessa Swana (Ina Claire). Com a incompetência do trio uma representante é envidada por Moscou para por ordem na bagunça, Ninotchka Ivanovna Yakushova (Garbo).
        
Ninotchka se mostra assexuada, dura, eficiente, séria, obstinada e focada em sua missão. Contudo os deleites da vida capitalista vão corrompendo sua alma feminina. De inicio acha tudo estranho, extravagante e desnecessário, mas vai se convertendo. E percebe como, apesar de tudo que pregam na sua terra natal no pós-revolução, as demandas capitalistas, e parisienses, lhe apetecem mais. Somado a isso temos seu encontro por acaso com d’Algout. Um típico bon vivant que quer recuperar as joias para sua amiga/amante Swana. Coloque nessa mistura toda um humor simpático e aparentemente inocente e um pouco de romance e teremos a mistura perfeita. O roteiro é encabeçado por Billy Wilder e a direção de Ernest Lubitsch ambos com clássicos consagrados e reconhecidos em suas grandezas.
        
Até então, Garbo era mais conhecida por sua presença em filmes dramáticos e colocá-la em uma comédia foi um jogo bem orquestrado e com um ótimo resultado final. No fundo vemos que a primeira parte, onde Garbo é mais taciturna, há mais tranquilidade entre a personagem e a atriz. Já na segunda parte vemos a tensão que se instala. Não que seja ruim e desmereça a atuação de Garbo.
Pelo contrário, ela faz o seu máximo e consegue competência. Diante de todas as críticas sociais que o filme carrega temos o romance impossível de uma agente soviética com um trambiqueiro francês que consegue mover montanhas para fica ao lado do amor de sua vida. Se o capitalismo corrompeu o coração soviético de Ninotchka, a paixão corrompe o cínico coração de d’Algout. Os pontos românticos nos soam um tanto quanto piegas aos nossos olhos contemporâneos. Afinal são décadas de aperfeiçoamento do endurecimento de nossas almas áridas. Porém se nos entregarmos ao clima essa estranheza se desfaz e conseguimos aproveitar mais o filme. O tempo em tela passa voando e o filme em momento algum aborrece.

         Perfeito para uma tarde chuvosa em casa se estiver de bobeira. Ou para qualquer outro momento de sua folga. No mais, preciso ver Garbo em algo sério.

quinta-feira, 19 de julho de 2018

Clássicos: Jezebel


Jezebel
(1938)



         Senhoras, senhores, senhoritas e senhoritos, com muito entusiasmo e artificialidade, venho apresentar minha nova empreitada. Tenho comentado o quanto acho os filmes recentes um tanto quanto entediantes. Salvo exceções, obviamente, que são raras. Há algum tempo também eu desejo muito assistir clássicos, aqueles bemmmm clássicos. Não estou falando de filmes cultuados pelos descolados de hoje que conseguem apenas entender como “filme antigo” um Kubrick por exemplo. Falo de filmes das décadas de 1930, 1940, etc. Os poucos que assisti foram soberbos e com enredos mais avançados que muitas produções puritanas recentes. E eu fui atrás achando uns filmes desses por aí perdidos.
E páh! Bam! Pouh!
         Entrei de “vuadora nos peitos” e consegui ver Jezebel.
“Meu”, filmão da poha...
       Imagine o furor que “...E o vento levou”, em fase de produção, estava causando em Hollywood. Muitas atrizes se estapeando para conseguir ser Scarllet O’Hara e uma delas era ninguém menos que Bette Davis. Sim, Davis foi preterida, e dizem que de consolo recebeu o convite para “Jezebel”. A estreia foi anterior ao “...E o vento levou” e deu mais uma estatueta do Oscar à Davis que já tinha ganhado três anos antes por “Perigosa”, que é o próximo de minha listinha.
        
Em “Jezebel” temos um quadro típico do sul dos Estados Unidos: pouco antes de 1900, a cidade é Nova Orleans, escravocrata e atrasada em pequenas demandas que conteriam alguns problemas básicos. A febre amarela assola a região. E nesse panorama temos a teimosa e mimada Julie Marsden (Davis) que faz do noivo Preston Dillard (Henry Fonda) gato-e-sapato. O auge da humilhação acontece quando, para afrontar, ela decide ir ao baile dos ricos da cidade com um vestido vermelho.   Olha que escândalo, um vestido V-E-R-M-E-L-H-O! O que foi a última gota para acabar com a paciência do mancebo apaixonado que rompe o noivado e parte para o Norte a trabalho. Amparada e consolada pelos tios, principalmente pela Tia Belle Massey (Fay Bainter), espera um longo ano em tristeza até a volta do amado, que está casado com outra. Por capricho e para causar briga entre seu antigo noivo e um valentão que lhe tem paixão, Buck Cantrell (George Brent), ela engendra um plano que não sai como planejado e causa o maior desconforto, para falar o mínimo, entres os convidados da festa que tinha promovido para receber e tentar conquistar o antigo amor. O ápice dos infortúnios ocorre quando Preston cai doente pela febre amarela  alguns dias depois e, por lei, terá que ser exilado junto com os outros doentes numa ilha onde ficavam os leprosos da região.
        
Claro que um filme que tem 80 anos não terá spoilers possíveis.  Mas basicamente não contei grandes segredos da trama. Contudo o que mais me deixou espantado foi a atuação de Davis. Ela faz a garota “virgem” do sul que manipula e transtorna todos à sua volta. Tem um vigor tão espetacular quanto Scarllet O’Hara. A grandiosidade de “...E o vento levou” é espantosa, talvez o motivo de “Jezebel” ter sido esquecido por muitos através das décadas. A personagem Julie tem uma personalidade forte, mas que precisa ser doce, pois as regras de conduta da época exigem. E ver Davis fazendo esse tipo de papel, pois estou acostumado com os filmes mais novos dela, é um verdadeiro deleite a quem gosta de uma boa interpretação. O bônus está em Fay Bainter que faz a resignada e preocupada Tia Belle.  De todas as formas tenta contornar as consequências dos atos de Julie, sem sucesso. Este papel lhe rendeu o Oscar de coadjuvante. Eclipsar Davis é impossível mas brilhar ao lado dela numa atuação soberba foi o que Bainter conseguiu.
        
E este é o primeiro filme clássico que tanto procurei iniciando minha nova onda de comentários no blog. Não deixarei os lançamentos de lado, mas investirei meu tempo nesses monstros consagrados pela crítica e apurados pelo tempo. Com “Jezebel” inicio essa empreitada de um amante do cinema, vasculhando os meandros mais recônditos e longínquos na história da sétima arte.  

quarta-feira, 4 de julho de 2018

O enfado por filmes


O enfado por filmes





         Um grande oi para todos que acompanham o blog. E como perceberam, eu não posto nada há algum tempo. Já reclamo do quanto o trabalho tira minha produtividade de textos e tempo de assistir algo? Pois é. Porém, outra coisa que percebo que me acomete, desde ano passado é um enfado. Veja abaixo a definição dessa palavra:



         Poderia resumir como um simples tédio, contudo, é algo mais profundo. Como a própria definição diz é uma “fadiga espiritual”. Nada que me faça sair do meu próprio centro, ou ainda entrar em depressão, angústia. É algo que me torna mais seletivo em relação aos filmes. Não ando me convencendo que determinada produção valha meu dinheiro/tempo.
O último que assisti foi “Os Vingadores:” Guerra Infinita”. Digo último e entendam como “lançamento”.  Os preços exagerados do cinema contribuem para minha apatia e junte isso ao desconforto que o mesmo ambiente, antes tão acolhedor, vem demonstrando graças a uma leva de pessoas que não respeitam o espaço alheio. A coletivização/massificação que o cinema sempre se beneficiou vem se tornando um fardo demasiado grande. A graça virou sem graça e por vezes uma desgraça. Não tem como negar que o conforto da própria casa, o fato de poder parar algo no meio e ir ao banheiro ou, até mesmo a tão vilipendiada, comodidade sedentária tem um sabor mais agradável e muito mais em conta para uma pessoa com orçamento apertado nesse país pós-golpe. O serviço de streaming ajudou a renovar a ideia antiquada das locadoras e com um computador bom e dois, três cliques conseguimos entrar em mundos deliciosos. Outra percepção minha é o que chamo de mesmice das produções. Tudo é uma releitura ou um reaproveitamento de ideias já batidas no mundo hollywoodiano. E haja saco para tudo isso...
        
Contudo, como já apontei outras vezes, o que anda ajudando muito a sair dessa mesmice são as séries. Conseguiram ótimos feitos, temos que aproveitar, pois logo entrarão no mesmo buraco negro que os filmes. Consigo hoje me entreter muito mais diante de uma série do que diante de um filme. Isso dói meu coração, pois tenho paixão por filmes desde meus 6 anos de idade, exagero eu sei, mas digamos então desde que me entendo por gente.
        
Outro dia fui à Livraria Cultura no Conjunto Nacional, na Av. Paulista, com um amigo e entramos na parte de DVDs. Nunca ia lá. E meu encanto e brilho nos olhos voltaram. E não era pelos filmes “novos” que meu amigo, uns doze anos mais novo que eu, insistia em chamar de “velhos”, era pelos filmes antigos que nunca tive oportunidade de assistir. Aqueles realmente “velhos” em tempo de lançamento. Filmes da década de 1960, 1950, 1940... Sim, aqueles que ninguém assiste por estarem tão “ensimesmado” em uma contemporaneidade absurda que desconsidera todo filme que tenha mais de dois anos. Consideram obras primas meia dúzia de produtos pinçados por terem ouvido falar que alguém comentou que o primo da vizinha, amiga de um beltrano, muito descolado, tinha assistido e gostado. Então era legal. Ou ainda por ter virado moda usar imagens de tal filme em estampas de camisetas.
        
Para ajudar, descobri um streaming de filmes antigos: Cinema Livre. Anda me coçando a mão para gastar os “absurdos” R$ 9,90 mensais para acesso (estou sendo irônico, pois é um preço muito em conta). Vi pérolas que fizeram meu coração tremer. E, até o fim de julho estou de férias, o que faz ainda mais meu comichão aumentar. Se filmes novos não estão me apetecendo o jeito é voltar aos antigos.. Se eu assinar, o que é bem provável,  eu conto um pouco a experiência depois aqui no blog.