O que os filmes anteriores possuem em
indicações ao Oscar “Tropa de Elite” angariou simpatia do público daqui. Apesar
que foi o grande ganhador do Urso de Ouro de Melhor Filme no Festival de
Berlim. O que mais chega perto em popularidade é “Cidade de Deus”. Com “Tropa...”
a popularidade foi maior. Com a direção e roteiro de José Padilha vemos um bom
drama policial na tela com todos os pontos altos de ação. Caminhamos junto ao
Capitão Nascimento (Wagner Moura) e sua nova tropa que ele está treinando.
É “faca
na caveira”, o BOPE, um esquadrão especializado em enfrentar os bandidos mais
perigosos nas favelas do Rio de Janeiro. Enquanto sua carreira deslancha, sua
vida pessoal naufraga. Ao mesmo
tempo temos uma radiografia realista da sociedade carioca que é mais envolvida
com o tráfico do que quer imaginar ou admitir. Não é fácil um policial ser
honesto no Brasil e “Tropa de Elite” deixa isso claro. Não há glamour, não há
heroísmo. Há pessoas que querem sobreviver e pessoas que seguem ordens. Tudo em
função do dinheiro que corre solto nas veias corruptas do estado. Um dos filmes
mais contundentes, e até complexos, mas pela realidade estar tão próxima à
população, conseguiu ser entendido e caiu no gosto do povo.
O Rio de Janeiro
não é o maravilhoso cartão postal retratado pela ideologia da classe média
alta, ele é sujo, feio, cheio de pessoas que matariam sem pestanejar se alguém
entrar em seus feudos, os morros, onde os senhores ficam lá, ironicamente
presos, controlando o tráfico miúdo. E é na sequência que vemos que o tráfico
graúdo está lá onde os políticos se reúnem para nos governar.
O elenco é enorme e bem azeitado. Tudo funciona
no roteiro, na direção, nas atuações. Dos principais aos coadjuvantes todos são
bons. Vale cada minuto de filme assistido.
Aqui chegamos a outro patamar. Se até
então conseguimos indicações a Melhor Filme Estrangeiro e Melhor Atriz, o que é
muito comum entre filmes que não são produzidos em língua inglesa, “Cidade de
Deus” foi diretamente indicado a quatro categorias do Oscar. Sendo duas delas
importantes, Melhor Diretor e Melhor Roteiro Adaptado e duas categorias
“menores”, Melhor Edição e Fotografia. Isso mostra que o filme foi considerado
um “igual” entre os demais indicados. Perdemos todos os prêmios. O diretor
Fernando Meirelles perde para Peter Jackson que corou sua obra monumental,
adaptar o livro “O Senhor dos Anéis” para o cinema e seu trabalho épico foi
reconhecido através da terceira parte da trilogia “O Senhor dos Anéis: O
Retorno do Rei”. Esse ano não tinha como não dar os prêmios a Jackson. E em
roteiro perdemos também para o mesmo filme. Era absurdo a obra monumental de
Tolkien não ser reconhecida também em roteiro. Dizem que merecíamos pelo menos
melhor edição. Pois éramos mais inovadores, mas o ano era de “Senhor dos
Anéis”. Não tinha muito que fazer.
A história segue contada por
Buscapé. Ele vive na favela Cidade de Deus e num momento crítico, em meio a uma
briga de gangues rivais ele vai contar sua infância. E como conheceu o mundo do
crime. Nesse período nos é apresentado Dadinho que vem a se tornar Zé Pequeno
que se torna um dos traficantes mais influentes e perigosos da região. Sua
ascensão culmina com a vida de Buscapé em vários pontos. Buscapé tem o gosto
pela fotografia e registra em suas lentes e fotos tudo o que pode. A epopeia de
Zé Pequeno é o ponto forte do filme. Ele não tem piedade de ninguém e busca o
poder e o dinheiro que o tráfico pode propor. Porém isso gera inimizades. E
tudo culmina em um apoteótico desfecho digno dos dramas shakespearianos.
O elenco é gigantesco, em sua maioria
de atores iniciantes ou mesmo vindo de comunidades do Rio de Janeiro. O filme
tem tudo que a maioria das pessoas gosta. Violência, cenas engraçadas,
palavrões proferidos nos momentos certos, um enredo, que apesar de complexo é
de fácil digestão e personagens cativantes. Por isso ouso dizer que esse é o
melhor filme até agora retratado em nossos cinemas. Talvez só perca em
popularidade para o próximo filme que será apresentado.
Dora uma senhora trambiqueira, pois
escreve cartas para pessoas analfabetas, cobra pelo serviço, mas nunca as envia
se vê numa encruzilhada da vida. Assumir ou não o garoto recém-órfão Josué. Uma
história com a direção de Walter Salles que até então havia feito poucos filmes ainda. Walter consegue o inusitado ao escalar Fernanda Montenegro para
a personagem principal, uma indicação ao Oscar de Melhor Atriz. O filme também
foi indicado à Melhor Filme Estrangeiro. De filme estrangeiro perdemos para o
eloquente “A Vida é Bela”. Atriz, que lástima. Fernanda perde para Gwyneth
Paltrow e olha que as outras concorrentes eram Emily Watson, Cate Blanchett e
Maryl Streep, uma ótima atriz e duas “deusas”. E Paltrow levou...
Enfim, essas coisas acontecem...
A história é bem estruturada mostrando
um lado bem humano e brasileiro dos personagens. Em certo momento até “vender”
Josué é cogitado por Dora. No último minuto ela desiste e vai atrás de resolver
a vida do menino. Fazendo o certo Dora entra numa jornada de redenção onde nada
é tão evidente. Seu mau-humor é fruto da sua frustração pela vida. Sua idade já
não permite muita coisa.
Então, esse pequeno presente da vida a faz tentar o
que é mais correto. Vinícius Oliveira é um achado. Imagine alguém atuando com
Fernanda Montenegro? E dando conta do recado? E sem nenhuma experiência
anterior. O garoto faz bonito. É cativante a química que Fernanda desprende e
envolve o menino. Ambos são realmente a alma do filme. Ambos são o material
perfeito para Salles fazer sua obra.
Contudo o que disse de “O Quatrilho”
serve para “Central do Brasil”, é arrastado. Lento, mesmo não desmerecendo o
poder do filme é um pequeno lapso que o atinge. E quem se importa se o filme já
entrou para o hall internacional da fama?
E para dizer que não falo só de Oscar
ele concorreu a inúmeros prêmios e ganhou um Urso de Ouro e Fernanda um Urso de
Prata. Acho que esses prêmios são um pouco mais sérios que o Oscar, só para se
ter uma ideia da grandeza desse filme.
Título: Central do
Brasil (Original);
Ano produção – 1998;
Dirigido por Walter
Salles;
Estreia: 3 de Abril
de 1998 ( Brasil );
Duração – 110 minutos;
Classificação - Não
recomendado para menores de 12 anos;
Gênero: Drama
Nacional;
Países de Origem: Brasil
e França;
Roteiro: João Emanuel
Carneiro, Marcos Bernstein, Walter Salles;
Produtores: Arthur
Cohn, Martine de Clermont-Tonerre;
Atores: Fernanda
Montenegro, Vinícius Oliveira, Caio Junqueira, Maria Menezes, Marília Pêra,
Matheus Nachtergaele, Othon Bastos, Otávio Augusto, etc.
Como comecei com um indicado ao Oscar,
vou agora ao segundo filme brasileiro também indicado, o que ocorreu somente em
1996: “O Quatrilho”. Se com o primeiro perdemos para “Les Dimanches de Ville
d'Avray” do francês Serge Bourguignon, que lembro vagamente quem seja, temos no
segundo filme a família Barreto por trás. Novamente perdemos e para um ótimo
filme, “A Excêntrica Família de Antônia” de Marleen Gorris, lá dos Países
Baixos.
“O Quatrilho” aborda uma situação que
anda mais comum ultimamente, a troca de casais. Se fosse hoje a MBL ou algum
grupo fanático religiosos iria protestar diante as portas do cinema ou iam pedir
para um juiz tapado proibir a exibição, pois “atenta contra a moral e contra a
família”. A nossa grande sorte é que esse povo nunca é muito inteligente e na
maioria dos casos não conseguem avaliar uma obra artística verdadeiramente. E
artistas geralmente são inteligentes e hábeis nas suas técnicas e conseguem
driblar sempre esse povo “de bem” que presa pela moral e pelos bons costumes.
Como “O Quatrilho” surgiu nos anos de
1990 temos um bom exemplo de uma “contravenção” artística. Baseado num fato
real, duas famílias de colonos italianos no Rio Grande do Sul vão morar numa
mesma casa, para poderem sobreviver, temos um jogo de troca de parceiros que
beira a ingenuidade para os dias de hoje. A obra tem o esforço de reproduzir
uma comunidade rural do início do século passado, quando os italianos chegam ao
Brasil, fugindo da guerra e tentando nova vida. O meio moralista católico traz
o entrave do impudico na relação dos casais. O falatório, o preconceito velado,
típico que sempre tivemos por aqui. Mas o que pesa mais é a percepção de que
houve a escolha errada de parceiro. Vemos uma sonhadora e solar Teresa
(Patrícia Pilar) casada com o introspectivo e calado Angelo.
E num viés inverso
temos Pierina (Glória Pires), que perto de Teresa é até feiosa e séria demais,
casada com o bonitão e falador Massimo (Bruno Campos). Com o convívio, lógico que os solares se
atraem e pegam fogo e dão um pé na bunda dos lunares. Por Teresa e Massimo
serem mais impetuosos e seguros de si eles percebem logo o equívoco que se
meteram ao se casarem com os seus respectivos parceiros. Pierina e Angelo por
serem mais introspectivos demoram um pouco para assimilar a situação. E praticamente
quando são abandonados é que se unem em uma parceria de necessidade e carência.
O nome “quatrilho” vem de um jogo que parecia
ser muito comum na região e entre os colonos onde se trocava de parceiro
durante a partida. Esse jogo representa bem o caso de infidelidade e troca que
o filme retrata. Ainda consta no elenco nomes conhecidos da nossa televisão
brasileira como os saudosos Gianfrancesco Guarnieri, José Lewgoy e Cláudio
Mamberti, grandes atores cooptados e pasteurizados pela Globo que eram de um
nível de talento que ia além das novelas.
Um “porém” deve ser dito, o filme é
meio arrastado. Bem arrastado. Não que seu concorrente e ganhador do Oscar não
seja um pouco, mas a direção de Fábio Barreto ganha. Mesmo para o padrão
daqueles anos de 1990 o filme deixava os mais acostumados aos filmes pipocas
com sono. Bom, neste quesito o próximo comentado também tem o mesmo efeito soporífero.
Aguardem.
Mesmo causando tédio “O Quatrílho” é um
grande filme. Lento, mas bem executado e com qualidade reconhecida pela
crítica. Temos que lembrar que saíamos de um período que o cinema nacional
tinha sido tão sucateado que praticamente só os filmes dos Trapalhões e da Xuxa
faziam sucesso. “O Quatrilho” foi um bem vindo fôlego novo ao nosso cinema e
deu a força necessária para retomar roteiros mais sérios e adultos em nossos
cinemas.
Título: O Quatrilho
(Original);
Ano produção - 1995;
Dirigido por Fábio
Barreto;
Estreia - 20 de Outubro de 1995 ( Mundial );
Duração 92 minutos;
Classificação: L - Livre para todos os públicos;
Gênero: Drama
Nacional/Romance
Países de Origem: Brasil.
Roteiro: Antônio Calmon, José Clemente Pozenato, Leopoldo
Serran;
Elenco: Alexandre Paternost, Bruno Campos, Glória
Pires, Patrícia Pillar, Antônio Carlos Pires, Cecil Thirré, Clláudio Mamberti,
Gianfrancesco Guarnieri, José Lewgoy, etc.
It - A Coisa - Mais Drama, Mais humor, Mais Acertos
Em 1986, Stephen King, lança o livro “It”.
Sobre um palhaço sobrenatural que ataca as crianças de uma cidade e como um grupo
de adolescentes o derrota para depois de mais de duas décadas essa mesma
entidade voltar e eles se reunirem para combater o mal.
Em 1990 é lançada uma versão para a
televisão baseada no livro que já detinha um grande sucesso de vendas. Com boas
críticas conseguiu se firmar como um grande filme de terror daquela década. Aos
olhos de hoje é um tanto quanto formal e careta e lento.
Já a versão de 2017 é remasterizada e
turbinada com alguns efeitos interessantes. Sai de cena o Pennywise de Tim
Curry, maquiado ao estilo da velha guarda, e entra o Bill Skarsgård que se mostra tão competente
quanto e uma maquiagem com alguns efeitos de computação gráfica. O elenco
infantil é melhor e mais carismático que o anterior. E o terror não fica mais
só por conta do sobrenatural palhaço. Os adultos, pelo menos os que aparecem,
se mostram tão bestiais e perigosos quanto a entidade comedora de crianças.
Não tenho como comparar com o livro,
pois ainda não li, mas é interessante o quanto neste filme os adultos são “ausentes”.
Os que aparecem só o fazem para dificultar a vida das crianças. Temos de tudo
um pouco, pai abusador sexual, uma mãe superprotetora que até inventa uma
doença para controlar o filho, um pai insensível com as necessidades emocionais
do filho que perdeu o irmão, um responsável que é absurdamente insensível e a
turma de garotos mais velhos e fortes que adoram praticar bullyng.
Sem contar
algumas outras crianças que ajudam o quadro a piorar. Todos parecem fruto de um
grande distúrbio de uma sociedade doente. E tudo isso desloca a tensão a vários
momentos e não só nos aparecimentos de Pennywise. Como contraponto aos momentos
de tensão, temos incríveis momentos cômicos. Não é um filme pesado como a
franquia “Jogos Mortais” que chega a dar aflição. Pontuando todo o filme temos
alívios que nos impulsionam novamente a outro momento de terror. Mais alívio,
mais terror, intercalados de forma a construir não só o horror, mas também um
grande filme de peso dramático.
Se o filme televisivo era um pouco
longo, este já deixou clara sua intenção, haverá uma segunda parte, pois a
primeira só foi o período da infância do grupo de crianças quando enfrentam
pela primeira vez “a coisa”.
As crianças têm mais tempo de
desenvolvimento de suas personagens e isso cria maior empatia pelos garotos, e
lógico, pela garota do grupo. É de cortar o coração ver como uma criança pode
sofrer em ambiente familiar ou estudantil. E nisso Stephen King acerta, apesar
do sobrenatural ele sabe que a maior e pior maldade está dentro do ser humano.
Fazia um tempo que não assistia a um
filme bom de terror. Todos envergam pelo rumo de esquartejamentos e mortes
estrambólicas desnecessárias e fins previsíveis. Apesar de ser uma releitura de
uma história já conhecida, o processo é bem executado. Ponto para os
roteiristas, o diretor e produtores. A escolha do elenco também ajudou muito,
todas as crianças são fofas o suficiente para criar empatia e ao mesmo tempo
com suas “malícias” para mostrar que são humanos apesar da pouca idade.
O filme paga o ingresso caro. E dá o
que promete. Cenas fortes foram colocadas para tentar mais fidelidade com o
livro. E tudo funciona.
Aqui
mais uma vez não tem como falar de um filme. Temos que falar do artista em si.
Mazzaropi começou com o filme “Sai da Frente” em 1952 mas já trabalhava com
teatro e rádio. E por quase 30 anos teve uma carreira consistente com seus
filmes de comédia caipira. Nascido em São Paulo vive parte da infância entre
idas e vindas da capital para o interior. E se especializa em fazer o tipo que
lhe rendeu fama: ingênuo, caipirão e caricato.
Seus
filme não tinham grandes pretensões, mas agradavam muitas pessoas. Há um tempo,
quando ainda trabalhava na locadora, eu via senhores mais velhos ou ainda
homens trintões, correndo alugar Mazzaropi. Muita gente ainda não gostava de
legendas e os recursos do DVD não existiam.
De
todos os que mais se destacam é o já citado “Sai da Frente”, “O Corintiano” e
“Jeca Tatu”. O personagem era praticamente o mesmo. Um matuto caipira
espertalhão, porém nunca burro só limitado pela falta de escolaridade. O que
divergia muito do ator que diziam ser bem culto e inteligente. O grande trunfo
de Mazzaropi era seu carisma. Ele convencia como homem simples do campo e
alguém que usa mais a esperteza do que um intelecto e sempre se dá bem. Muitos
dos filmes estão em preto e branco e nos traz histórias simples e engraçadas
com situações inusitadas. Lembro também que nas tardes de domingo na rede
Cultura de televisão sempre passavam seus filmes.
Não
falo que são os melhores filmes do mundo, mas todo cinéfilo que se prese deve
pelo menos assistir um ou dois filmes desse grande expoente da comédia
cinematográfica nacional. Filmes leves, roteiro se pautava pela simplicidade.
Depois
de um tempo esse grande ator, um tanto esnobado pela grande mídia, começou a
escrever sue próprios roteiros e até a co-dirigir alguns trabalhos. Percebo que
Mazzaropi é pouco valorizado por sua aparente “simplicidade”. Mas ele lotava
cinemas e todos se divertiam com ele. Isso ainda falta em muitas produções
nacionais.