quarta-feira, 17 de fevereiro de 2016

O Quarto de Jack - Não deveria ser realizado

O Quarto de Jack - Não deveria ser realizado




Aviso: não teve como - SPOILERS - tentei amenizar ao máximo, porém é algo que todos os comentaristas, críticos e as sinopses já entregam mesmo.


                Tem filmes que não deveriam ser realizados. Por incrível que pareça. Não por serem ruins, por contarem mentiras, por serem preconceituosos, misóginos ou algo do tipo. Eles não deveriam existir simplesmente por nos pegar desprevenidos, tocar um lugar tão profundo de nossos corações ou de nossas almas, aquele lugar que é tão íntimo que esquecemos sua existência, um lugar que ao ser tocado, pela mais sutil emoção, nos debulhamos em lágrimas. E nem sempre esses filmes são os melhores, ou ainda os mais populares. Alguns filmes conseguem chegar lá sem grandes méritos técnicos ou de direção, roteiro ou até atuação dos atores.

                “O Quarto de Jack” é um desses filmes que não deveriam ser realizados. Ele tem ótima direção (Lenny Abrahamson, não conhecia ele antes), ótimo roteiro (Emma Donoghue), e atuações espantosas do fofo estreante Jacob Tremblay como Jack e de Brie Larson que faz sua mãe, que já ganhou merecidamente o Globo de Ouro.  Digo que ele não devia ser realizado por nos pegar naquele lugar íntimo que é mais sensível que comentei acima. É um drama que faz o que promete. Apesar de não ser piegas.

                A história seria comovente por si só, porém o peso acontece no “depois”. Ma, é sequestrada quando ainda nova e fica sete anos em cativeiro. Vítima de frequentes estupros do seu sequestrador acaba tendo Jack. Enquanto ele tem pouca idade ela consegue dar conta de explicar um mundo para ele e convencê-lo que sua situação de cativeiro é normal. Aos cinco anos, devido a curiosidade de sua idade, começa a criar problemas que podem acarretar algo pior para si. O homem que sequestrou sua mãe tem tendências violentas. A mãe então começa uma empreitada perigosa para livrar seu filho de lá. Contudo do lado de fora, “depois” do acontecimento traumático existe toda uma circunstância vivencial que precisa ser resolvida. Não é só fugir do cativeiro, é lidar com as consequências de ter vivido nele e para o garoto nunca ter visto o mundo. E nessas duas partes da história o que nos pega no íntimo é justamente a relação de afeto e confiança que se cria entre mãe e filho. Um tema universal que afeta praticamente todas as pessoas. Sei muito bem que existe situações complicadas de relação familiar onde mãe e filhos não conseguem criar vínculos. Este é o caso oposto. Por isso tanta emoção na relação dos dois.

                O filme perderia um pouco do brilho se não fosse a força da atuação de Jacob. Ele é a alma do filme, apesar de muitos dizerem que Larson possua esse mérito. E por isso um grande injustiçado nos prêmios deste ano. Sei muito bem que o Oscar não gosta de premiar crianças, mas isso não quer dizer que elas não brilhem, e que não deveriam ter algum reconhecimento oficial. Assisti ao Globo de Ouro e a fofice imperou quando foi apresentar um prêmio na noite. E toda a dinâmica com a Brie Larson foi de certa forma graças a ele. Tanto que foi muito gentil da parte dela, ao ganhar o Globo de Ouro, agradecer ao garoto. Sem o garoto, sua atuação não atingiria o peso necessário.

                Ainda essa semana eu havia assistido um grande clássico, “O Sol É Para Todos”, onde Gregory Peck se vale da atuação não só de uma, mas de três crianças, sendo que uma delas se destaca mais, Mary Badham que faz sua filha mais nova. Poderia entrar aqui na discussão sobre uma criança ter real “técnica” de atuação ou meramente “carisma” o que daria uma tese de mestrado ou doutorado e ainda não teria uma resposta certa. O que me chama atenção é que quando uma criança, seja pelo carisma ou técnica, consegue se encaixar perfeitamente no espírito do roteiro o ator ou atriz que contracenam com elas são diretamente beneficiados. Este sim possui a junção dos dois elementos, carisma e técnica interpretativa, ou deveria. E, ajudando um pouco nessa minha tese, que admito ser um pouco frágil, Gregory Peck ganhou o prêmio e nos deu um grande show de interpretação ao lado de crianças, e só por curiosidade, a garota Mary Badham foi indicada ao Oscar como melhor Atriz Coadjuvante. Jacob Trembley nada...

            Enfim, eu fico um pouco cabreiro com esse tipo de atitude da “Academia” por isso cada vez mais eu me interesso menos pelo que representa. Seria muito mais corajoso de sua parte se ela fizesse igual ao Grammy, desse o prêmio a quem vende mais, sem essa hipocrisia de ficar em cima do muro.


            O filme é ótimo, lembro que é um drama denso  que tem um tempo próprio. Quem gosta de tiro, porrada e bomba ou quem tem um cubo de concreto no lugar do coração passe longe. E para os que gostam de saber o filme é baseado na história de um livro de Emma Donoghue que é a roteirista do longa. E o livro é inteiro narrado por Jack, com sua visão ingênua e infantil das coisas. Tanto que em várias partes do filme é a voz do menino que nos narra os sentimentos envolvidos e descobrimos um pouco o que é amor, caso ainda não saibamos.




Ao lado, o pequeno Jacob recebendo um prêmio no Critics’ Choice Awards, algo que o Oscar não faz mais...



sexta-feira, 12 de fevereiro de 2016

Deadpool - Comédia?

Deadpool - Comédia?





         O que mais chama a atenção em Deadpool é a despretensão calculada. Ao contrário de outros filmes como "X-man Origens: Wolverine", "Lanterna Verde" e até mesmo "Homem-Aranha", este não se leva nem um pouco a sério. É sério, e disso é que vem toda a graça do novo filme sobre super-herói.


         Em Deadpool, para resumir sua personalidade, podemos dizer que ele é um escroto. Fala demais, zoa todo mundo demais, faz gracinhas demais, e irrita demais. E tudo isso serviu como luva ao ator que o interpreta, Ryan Reynolds, que parece apenas abrir a boca e ser ele mesmo. Afinal, só um total escroto trairia a namorada, ainda mais ela sendo Scarlett Johansson. Ou seja, Deadpool é Reynolds e Reynolds é Deadpool. Neste longa somos introduzidos ao personagem, em um arco do tempo diferente do que acontece em “Wolverine”. Neste filme ele é muito mais “simpático” e empático com o público. Típico de Hollywood quando quer fazer um personagem protagonista de uma produção o humaniza ao extremo. Enquanto que nos filmes onde são os antagonistas são transformados em cães raivosos dos infernos sem um pingo de humanidade. Tudo para conquistar o coração do público. E sabe que dá certo aqui?

         Deadpool, que no começo ainda é Wade Wilson, conhece o amor de sua vida, Vanessa (Morena Baccari) e descobre que, depois de ótimas tiradas sobre sexo durante o tempo que passam juntos, está com um câncer terminal. Desiludido se afasta e se entrega a um tratamento um tanto duvidoso que lhe trará a cura, e quem sabe algo mais. Porém, o “algo mais” dá poderes mutantes de regeneração e uma pele um pouco comprometida e nojenta pelo corpo inteiro. O processo é dolorido, e lá é torturado por Ajax (Ed Skrein) e por Pó de Anjo (sim, esse é a tradução de Angel Dust, porém tem nome de mutante pior, aguardem). Dado como morto, tenta uma cura para sua deformidade através de reencontrar o seu inimigo que o torturou e o fez ficar assim. 

         Como é um arco do mundo dos X-Mens, lógico que iria ter os mutantes, porém só aparecem dois, com menos prestígio, que vão acabar ajudando ou atrapalhando, depende do ponto de vista, os planos de Deadpool. Temos um Colossus totalmente digitalizado (voz de Stefan Kapičić e captura do movimento de Andre Tricoteux) e Míssil Adolescente Megasônico ( Não disse que tinha nome pior???) interpretada pela novata Brianna Hildebrand. Em certo momento, para dar uma anabolizada no clima do filme, Ajax rapta Vanessa antes que o herói/vilão/anti-herói possa intervir e explicar o que lhe aconteceu. E toda ação realmente começa.

         Os efeitos especiais são bem competentes. Mas o que rouba todas as cenas é a tagarelice e irreverência excessiva do personagem principal. Como nos quadrinhos ele é “xatopracarai”, não fecha um minuto sequer a boca, nem nas situações mais esdrúxulas. E, com isso, dá muita margem para o riso. Usando o recurso de conversar com a plateia ele consegue tiradas que muitas vezes se perdem por fazer referências a inúmeros assuntos. Chega até a brincar com o fiasco de “Lanterna Verde”. Entre tantas piadas e graças, ele brinca com formas de matar os inimigos, com a namorada, com o público, com o próprio filme. E até cenas mais dramáticas são totalmente descaracterizadas, com humor, para compor o clima da mente caótica desse personagem. O resultado final é bem interessante e divertido. Não espere o melhor filme do mundo de mutantes, vá pronto para a zoeira, e tudo dará certo. Não se preocupe com mais nada, este filme acabou sendo mais engraçado que muitas comédias que assisti nos últimos tempos. Aproveite.


         Um destaque, só para não deixar passar em branco, a campanha de marketing foi maravilhosa. Vendeu o filme com um romance, fez cartazes bem zoados, tudo para entrar no clima do personagem. Até trailers “românticos” foram elaborados para “vender gato por lebre”. Lógico que só para os desavisados.  Confira alguns abaixo.

























quinta-feira, 11 de fevereiro de 2016

Trumbo: Lista Negra - Filme de Atuação

Trumbo: Lista Negra – Filme de Atuação




         Dalton Trumbo foi um grande roteirista. Entre suas obras a mais conhecida está “A Princesa e o Plebeu” com a adorável Audrey Hepburn e o carismático Gregory Peck de 1953. O interessante foi que, por sua história, ele não pode assumir a autoria da obra nesta época.


Trumbo (Bryan Cranston) é comunista nos EUA bem na época que começa a “briga” com a União Soviética, que se estenderia por longas décadas. Participava de reuniões em casa de amigos famosos e quando o medo se instalou entre os políticos e o povo americano, um medo anticomunista idiota, foi perseguido pelo governo. O então formado Comitê de Atividades Antiamericanas acaba, por denúncia, chamando-o para depor sobre suas reuniões suspeitas, com mais nove amigos, todos roteiristas. Como se recusou a responder as perguntas capciosas dos políticos, Trumbo foi julgado e preso e o Governo, com a ajuda de um grupo de atores, produtores e jornalistas de Hollywood, teve a carreira boicotada. Supostamente ele e seus companheiros não poderiam trabalhar como roteiristas. Entre os membros do grupo, ligado diretamente ao “Comitê de Atividades Antiamericanas”, estava a comentarista maliciosa, que derrubava ou elevava carreiras com sua língua ferina, Hedda Hopper (Helen Mirren). Trumbo mesmo com o boicote consegue trabalhar usando pseudônimos e até mesmo um amigo para colocar o nome em um de seus roteiros. Por anos ficou nesse limbo trabalhando para Frank (John Goodman) e Rhymie (Stephen Root) King, produtores de filmes de baixo orçamento. Tudo imposto pelos americanos cristãos de bem que zelavam pelo país e almejavam elevar a moral e os bons costumes. O interessante é ver que pessoas renomadas, como John Wayne (David James Elliott) entre outros,  foram tão imbecis e equivocados por causa de uma ideologia de direita totalmente equivocada. O problema aqui não foi ser de direita, o problema foi, como consta no discurso que Trumbo fez ao ser homenageado pela Associação de Roteiristas,  destruir famílias e pessoas que eram boas e não mereciam o julgamento e condenação por terem opiniões diferentes da maioria.
E o mais interessante, que nesse meio tempo, que estava impedido de trabalhar, ele conseguiu angariar dois Oscars de Melhor Roteiro, pelo filme já citado “A Princesa e o Plebeu” e por “Arenas Sangrentas”. Ou seja, o “Comitê” era tão incompetente que não conseguiu impedir Trumbo de fazer o que estava proibido pelo Governo, era um desperdício de dinheiro público. Com o tempo, Trumbo consegue dar a volta por cima com três ajudas inusitadas: Kirk Douglas (Dean O’Gorman) que o contrata para refazer o roteiro de “Spartacus”, grande sucesso; Otto Preminger (Christian Berkel) que, incentivado por Kirk, também o contrata para adaptar um livro para o cinema; e por fim, a inusitada e involuntária opinião favorável ao filme “Spartacus” do então presidente americano John F. Kennedy que simplesmente acaba por desarmar a língua de Hedda, afinal, ela não poderia se contrapor ao parecer do presidente.

         “Trumbo” é um filme de atuações. Bryan Cranston, que faz o papel título, para quem não conhece, fez o sucesso televisivo “Breaking Bad”. E como dava um show de atuação lá, ele consegue aqui também. Como a maledicente Hedda, Helen Mirren dá o tom ideal a uma cobra venenosa. E todo o elenco de apoio tem seus momentos. Até Diane Lane, que faz a esposa, “apagada” de Trumbo, consegue se mostrar da forma adequada ao papel. Elle Fanning vai se firmando em sua carreira e uma surpresa é Louis C. K. que faz o amigo, roteirista e jornalista com câncer Arlen Hird. Louis é um pouco desconhecido no Brasil, possui séries e é comediante por lá.

         Enfim, todas as indicações de “Trumbo: Lista Negra” são merecidas. Porém, como já comentei em algum momento em outras resenhas, desacreditei desse prêmio por vários motivos. Torcerei por esse filme, mas sei que é complicado quando algumas cartas estão marcadas.


         Não espere um filme ágil e cheio de reviravoltas. É um filme estilo “biografia” de um tempo sombrio de Hollywood, marcado pela histeria macarthista e intolerância política. Para nós uma grande fonte de reflexão em tempos de Brasil cheio de uma “militância política” de Facebook. 

Abaixo o verdadeiro Trumbo trabalhando na banheira editando seus textos.


segunda-feira, 1 de fevereiro de 2016

Comentário de Livro: No Meio da Noite Escura Tem um Pé de Maravilha!

No Meio da Noite Escura Tem um Pé de Maravilha!
Ricardo Azevedo

         Contos Folclóricos de Amor e Aventura





         Como o próprio subtítulo diz são contos folclóricos de amor e aventura, que no caso, o autor recolheu de suas memórias afetivas. Pelo que diz, as histórias eram contadas por seu avô e pai. E muitas têm origem no folclore europeu com pequenas mudanças e influências brasileiras. São onze contos que possuem estrutura típica da oralidade adaptado ao contexto escrito e com estrutura de frases  simplificado para o público alvo, os jovens e crianças.

         Os títulos dos contos são:
- Moço bonito imundo;
- A mulher dourada e o menino careca;
- O príncipe encantado no reino da escuridão;
- Coco Verde e Melancia;
- A mulher do viajante;
- Os onze cisnes da princesa;
- O filho do ferreiro e a moça invisível;
- Dona Boa-sorte mais dona Riqueza;
- As três noites do papagaio;
- O filho mudo do fazendeiro;
- Entrevista para um papagaio.


         O tempo todo que li essa pequena coletânea de textos eu me senti um pouco desconfortável. Não que o texto tenha sido ruim, mas o estilo de escrita baseada na estrutura oral me deu um pouco de enfado. Repetições foram a maior causa. Não que seja um livro ruim. Será ótimo para um público leitor iniciante ou pessoas que se satisfazem com essas estruturas um tanto “arcaicas” de textos. Lembra muito algumas narrativas dos Irmãos Grimm, Ovídio ou Perrault. Apesar das mulheres terem certo protagonismo, muitas vezes são elas que dão o passo inicial para resolver os problemas, ainda pesa um contexto patriarcal. Por exemplo, toda mulher que começa com atitudes acaba se casando ou já estão casadas desde o início, e somente com o parceiro é que o final feliz acontece.

         Outra coisa que me atrapalhou muito foi que o tempo todo eu ficava lembrando do livro “A Psicanálise Dos Contos de Fadas”. Então não conseguia ver nada como inocente ou como uma historinha bonita de se ler. E isso acaba tirando um pouco o sabor da leitura, querer fazer análise de tudo.

         O que mais gostei no livro foram as gravuras que estão em suas páginas, ilustrando as histórias. As ilustrações são simples, porém bonitas e são do próprio autor do livro. Dá todo um charme ao material. O livro em si tem um acabamento bonito e uma capa colorida. Tudo para agradar as crianças ou os adultos menos ranzinzas como eu.