sábado, 18 de janeiro de 2014

Resenha de Filme: Dallas Buyers Club - Clube de Compras Dallas

Dallas Buyers Club
ou
Clube de Compras Dallas







Desde que assisti “Óleo de Lorenzo”, onde o protagonista que dá nome ao filme sofria de  Adrenoleucodistrofia (ALD) doença degenerativa supostamente incurável, eu intuí que algo estava errado. Uns doze ou treze anos depois eu já havia concluído um curso de Filosofia, e estava na minha segunda faculdade, e assisti ao “O Jardineiro fiel”. Comecei a ligar pontos, e ler uma coisa aqui e ali e formei uma opinião sobre o assunto. Justamente uma indústria que deveria ser pautada por uma ética mais humanitária é que menos a tem. E nenhum governo fala nada, pois há interesses milionários por trás disso. Claro que isso não é um “artigo” de opinião, mas uma resenha de filme que acabei de assistir que aborda o mesmo tema dos outros dois direta ou indiretamente: pessoas que querem viver, ou lutam pela vida de alguém doente, mas tem um entrave, a indústria farmacêutica.




Se em “Óleo de Lorenzo” eram os pais do garotinho que começa a definhar por uma doença “incurável” que lutam com pesquisas particulares para desenvolver um remédio para o filho, o que os cientistas não faziam pois não era viável economicamente; e em “O jardineiro fiel” temos uma mulher que é difamada e morta por estar pesquisando as atitudes de empresas farmacêuticas na África, que estariam usando a população pobre como cobaias para seus remédios e o marido vai atrás de descobrir a verdade;  em “Clube de Compras Dallas” (Dallas Buyers Club nome que prefiro) temos algo semelhante. Um homem heterossexual Ron Woodroof, interpretado magistralmente por Matthew McConaughey, que se descobre portador do vírus HIV e já diagnosticado com AIDS e apenas uns 30 dias de vida, que decide não se entregar à doença, vai à busca de uma cura. E, adivinhem, esbarra justamente com os órgãos regulamentadores de remédios que servem mais aos interesses comerciais das indústrias farmacêuticas que aos interesses da população. Isso é bem evidenciado quando em uma sentença que Ron está tentando ganhar o direito de usar os remédios que desejar sem a proibição imposta pelo governo, o juiz fala de uma proteína que a própria entidade farmacológica tinha falado não ser tóxica.E essa indústria pressionava o governo para não liberar a venda no país.

É um filme adulto que aborda o tema da AIDS não pelo viés homossexual, como é meio comum desde “Filadélfia” e seus predecessores. Ron não aceita de início deu diagnóstico de portador do vírus HIV, é início dos anos 90 e ele não é uma “bicha” ele é “espada”. Todos ainda achavam que era uma doença ligada a “perversão” homossexual. Ele não entende como poderia ter se contagiado. Até fazer uma pesquisa sobre o assunto e descobrir que se pega a doença de mulheres contaminadas. É interessante isso, pois um homem bronco, e supostamente desinstruído vai fazer o que qualquer pessoa instruída faria: se informar, conhecer, ler sobre o assunto. O mundo peca pela ignorância em muitas coisas. Lembro também que os pais de Lorenzo se enfiaram em uma biblioteca e leram tudo sobre o assunto da doença do filho e com suas pesquisas particulares conseguiram resultados fantásticos, a ponto de conseguirem o título de médicos honorários nos EUA. E Ron é ignorante mas vai além e começa a quebrar esse entrave em seu caráter.


Enfim, voltando meramente ao filme. É um filme forte, e não melodramático. Isso pode ser uma virtude em um filme de doença. Ron /Matthew McConaughey não se deixa levar pela pena de si mesmo. Ele luta. Ele enfrenta o sistema. Mesmo que seja por uma via ilegal. Ele afronta a todos, a indústria farmacológica, e consegue uma esperança de uma sobrevida. E não contente com isso ele quer lucrar com sua descoberta. Mas nesse jeito “esperto” de ser ele leva uma centelha de esperança há inúmeros doentes. E só faz o que a indústria faz, descobre uma possibilidade de cura e comercializa. Seu ato poderia ser considerado antiético e condenável, mas não é a mesma coisa que vemos ser feita pelas indústrias de comercio de drogas legalizadas pelo governo o tempo todo? E pior, colocando uma taxa exorbitante em alguns remédios indispensáveis a vida de muitos? Nosso protagonista não é dono de uma entidade de caridade, ele quer viver, e lucrar com o que o deixa vivo. Quem o pode condenar? Quem perde com isso, óbvio.


A atuação de Matthew McConaughey é soberba, como já havia dito. Dá humanidade ao trambiqueiro e homofóbico Ron. Faz dele um lutador que se torna arauto de uma parcela de pessoas que só querem viver e pagariam por isso. Na sua empreitada ele se depara com, o fabuloso e irreconhecível pela magreza, Jared Leto que faz o homossexual travestil Rayon. McConaughey sempre foi uma promessa  que há um bom tempo não deslanchava. Fazia bons papéis em filmes bons, mas nada espetacular. Até amadurecer, e tentar também a nova onda que assola os atores americanos, ingressar para as Séries de TV. E lógico, não podia deixar de citar, namorar uma brasileira (isso é muito relevante na vida de qualquer estrangeiro). Ele atingiu o ponto certo nesse filme. Com os maneirismos característicos de um cowboy texano, o sotaque anasalado, a safadeza necessária a um mulherengo e jogador drogado que beira ao alcoolismo. É impressionante o tanto que esse ator emagreceu para entrar na pele de um portador, “supostamente”, terminal de AIDS. Só não é mais que seu colega de atuação, Jared Leto.


É difícil falar da função de um coadjuvante perfeito. Ele pode roubar a cena, ele pode ser a base fundamental para as tiradas do protagonista, ele pode ser sutil fazendo dar o tom certo ao personagem. Nesse filme Rayon/Leto dá o toque perfeito. Rouba as cenas quando necessário; é sutil e discreto, e dá base para McConaughey explorar seu Woodroof em todas as dimensões possíveis. Eu nunca dei muito crédito a Leto, apesar de achar ele muito esforçado, lembro o tanto que engordou para interpretar o assassino de Lennon, mas sempre preferi ele como cantor do “30 Seconds to Mars”. E neste filme ele se mostra um ótimo ator. Com domínio total da doçura e feminilidade que um travesti mostra e a também a afetação e autodestrutividade necessárias que muitos padecem.  Merece seu Globo de Ouro. Os dois merecem. Já Jennifer Garner se mostra um tanto sem tempero. Precisava de mais. É uma boa atriz, talvez falte o papel certo para deslanchar. Talvez só fique nisso mesmo.  Não deu muita força a sua Dra. Eve. Enfim, está ficando uma resenha um pouco grande. Roteiro com diálogos bons e frases de impacto baseado na história real de Ron Woodroof. Direção competentíssima de Jean-Marc Vallée que só faz crescer. Agora preciso assistir os outros oscarizáveis.


Vale a pena assistir. Não é um filme para qualquer um. Apesar de não ser enfadonho, imagino, para o grande público. Não tem efeitos especiais nem ações pirotécnicas, é um filme de atuação. Quem gosta desse tipo vai se deliciar. Afinal  “a vida é uma só” frase motivadora de Ron. É essa frase final não tem muita conexão com o que tinha dito. Mas fica a dica do Ron para todos nós de qualquer jeito. 




vinimotta2012@gmail.com

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