segunda-feira, 3 de junho de 2013

Resenha: Faroeste Caboclo: Decepcionante


Faroeste Caboclo: Decepcionante
(apesar de que minha amiga T tenha adorado)




         Eu mesmo quando era adolescente pensei em fazer uma versão, no meu caso, escrita sobre a história dessa música. Pois é um dramalhão dos bons, que dá muitas possibilidades. E o que o abençoado roteirista desta “versão” de “Faroeste Caboclo” fez???? Cagou. Virou uma novelinha semi-teen ao estilo e padrão Globo de ser... Lamentável...

Só para vocês perceberem vamos à música (e eu sei que a grande maioria sabe praticamente décor) e coloco meus comentários.

“Não tinha medo o tal João de Santo Cristo
Era o que todos diziam quando ele se perdeu
Deixou pra trás todo o marasmo da fazenda
Só pra sentir no seu sangue o ódio que Jesus lhe deu”

O tal João parece ter algo dele no próprio ódio. No filme tudo é justificado, transformando ele num herói, a culpa nunca é realmente dele, tudo tem um motivo. Convencional.

Quando criança só pensava em ser bandido
Ainda mais quando com um tiro de soldado o pai morreu
Era o terror da sertania onde morava
E na escola até o professor com ele aprendeu

No filme Santo Cristo tem mais uma cleptomania infantil que um “querer ser bandido”. Nem criança hiper ativa ele parece ser, muito menos “terror”. Não, e João nem vai à escola, é praticamente um “analfabeto”.

“Ia pra igreja só pra roubar o dinheiro
Que as velhinhas colocavam na caixinha do altar
Sentia mesmo que era mesmo diferente
Sentia que aquilo ali não era o seu lugar”

Igreja? Em tempos de agradar o maior número possível de “consumidores” por igreja, principalmente católica não pega bem, néh, sem contar que é melhor esquecer certas “influências históricas”. Pra que valorizar algo que é do passado, não é?? Não existe profundidade dramática no personagem João-criança. Ele não se questiona de nada, ele apenas observa, é passivo... Não há crises e angústias. Nem adolescente fica, pois o Boliveira com base e sem barba não convence que estamos a frente de um adolescente...

“Ele queria sair para ver o mar
E as coisas que ele via na televisão
Juntou dinheiro para poder viajar
De escolha própria, escolheu a solidão”

Televisão? Nem isso ele tem na versão de cinema. Ele mora num casebre de madeira bem capenga. Nem rádio... E olha que televisão é item obrigatório de qualquer pobre que se preze... Mas o filme fez de João um retirante indigente... Por isso não tem televisão. Não sei como não puseram ele sendo assistido pelo Bolsa Família...

“Comia todas as menininhas da cidade
De tanto brincar de médico, aos doze era professor.
Aos quinze, foi mandado pro o reformatório
Onde aumentou seu ódio diante de tanto terror.”

João não teve infância normal, não foi pra escola, não conheceu outras crianças. Imagine “comer menininhas” sem contar que a moral “pseudo-puritana” brasileira (que em outros lugares é simplesmente chamada de hipocrisia) não aguentaria por isso na tela. O que a opinião pública diria??? Que é um absurdo, isso não acontece com as crianças brasileiras... Fazer sexo antes da idade de 18 anos... E quando João vai pro reformatório é por se vingar do guarda que matou seu pai... Que morreu injustamente, num ato covarde. Eles fazem uma força de justificar todos os traumas do Santo Cristo, deixando ele um personagem chato. Malvado mas bonzinho... A “santidade” de João está em ser um anti-herói. Não em fazer dele um real marco de comportamento exemplar, que de vez em quando faz coisa errada.

“Não entendia como a vida funcionava
Discriminação por causa da sua classe e sua cor
Ficou cansado de tentar achar resposta
E comprou uma passagem, foi direto a Salvador.

E lá chegando foi tomar um cafezinho
E encontrou um boiadeiro com quem foi falar
E o boiadeiro tinha uma passagem e ia perder a viagem
Mas João foi lhe salvar

Dizia ele: "Estou indo pra Brasília
Neste país lugar melhor não há
Tô precisando visitar a minha filha

Eu fico aqui e você vai no meu lugar"

E João aceitou sua proposta
E num ônibus entrou no Planalto Central
Ele ficou bestificado com a cidade
Saindo da rodoviária, viu as luzes de Natal”

Não, João não se encontra com o boiadeiro, e nem vai a Salvador... Não se questiona sobres as injustiças da vida.... Vai direto e reto do reformatório para Brasília.


"Meu Deus, mas que cidade linda,
No Ano-Novo eu começo a trabalhar"
Cortar madeira, aprendiz de carpinteiro
Ganhava cem mil por mês em Taguatinga

Na sexta-feira ia pra zona da cidade
Gastar todo o seu dinheiro de rapaz trabalhador
E conhecia muita gente interessante
Até um neto bastardo do seu bisavô

Um peruano que vivia na Bolívia
E muitas coisas trazia de lá
Seu nome era Pablo e ele dizia
Que um negócio ele ia começar

E o Santo Cristo até a morte trabalhava
Mas o dinheiro não dava pra ele se alimentar
E ouvia às sete horas o noticiário
Que sempre dizia que o seu ministro ia ajudar”

Imagina se João ia pra zona, a única mulher que ele come no filme, é Maria Lúcia. É um jeito, barato e óbvio, de mostrar como o personagem é “puro”. Parece-me que o Renato Russo não concebeu um João puro, sua “pureza” era uma falta de caráter, uma contravenção de uma pessoa que se enverga para o crime e que apesar dos pesares, sua história serve para uma crítica social, pois ele se preocupa com a situação de trabalhador explorado que vive... Mas para não ficar “chato” e engajado o filme deixa de lado toda a crítica social, e só faz uma referência bem rápida a isso. Não há críticas a nenhum governo. Mas há financiamento para realização do filme que se vê já no começo... É muita alienação.

“Mas ele não queria mais conversa
E decidiu que, como Pablo, ele ia se virar
Elaborou mais uma vez seu plano santo
E sem ser crucificado, a plantação foi começar.

Logo logo os maluco da cidade souberam da novidade:
"Tem bagulho bom ai!"
E João de Santo Cristo ficou rico
E acabou com todos os traficantes dali.”

Ele até começa uma plantação, ele tem sim a ajuda do Pablo. Não fica “rico”, é traficantezinho pé-de-chinelo. Não sai do bairro pobre que mora. E o único traficante que tem na cidade além dele e Pablo é o Jeremias. Empobrecimento de enredo, simplificação que amputou detalhes que fazem a diferença. E aqui me reporto a um recurso, meio estranho. Em pontos específicos do filme os diálogos são enxertos da música, literalmente. Então fica estranho, num filme que não segue fielmente a proposta da música soltar uma fala do tipo “Logo logo os malucos da cidade ficaram sabendo da novidade. Tem bagulho bom aí”. É muito estranho.

“Fez amigos, frequentava a Asa Norte
E ia pra festa de rock, pra se libertar
Mas de repente
Sob uma má influência dos boyzinho da cidade
Começou a roubar.

Já no primeiro roubo ele dançou
E pro inferno ele foi pela primeira vez
Violência e estupro do seu corpo
"Vocês vão ver, eu vou pegar vocês"

Também uma incongruência entre música e o roteiro. Ele é incapaz de fazer amizades sem a ajuda de Maria Lúcia. Ele é um traficante pobre e não tem acesso a Asa Norte. Ele é o favelado rejeitado. Sem nenhum pudor não fala da capacidade dele crescer sozinho. Ele é marginal e tratado como tal, apesar de “puro”.  E ele é estuprado pelo bando de viadinhos do Jeremias, e não ao ir pra cadeia. Nem sei se esse “estupro do seu corpo” é uma referencia sexual do Renato ou apenas um sentido figurado. Enfim. Para se ser estuprado na cadeia tem que ter “especificações”.

“Agora o Santo Cristo era bandido
Destemido e temido no Distrito Federal
Não tinha nenhum medo de polícia
Capitão ou traficante, playboy ou general

Foi quando conheceu uma menina
E de todos os seus pecados ele se arrependeu
Maria Lúcia era uma menina linda
E o coração dele pra ela o Santo Cristo prometeu

Ele dizia que queria se casar
E carpinteiro ele voltou a ser
"Maria Lúcia pra sempre vou te amar
E um filho com você eu quero ter”

E aqui entra uma das piores licenças poéticas do filme: Maria Lúcia. Transformaram a garota numa romântica sonhadora e, pasmem, filha de senador. Riquinha. Sei que a música não fala muito dela. Fazer dela uma garota de classe média alta não ajuda. Parece que para agradar ao público, era necessário ter uma Julieta rica com um Romeu pobre. Uma branquinha toda tchu-tchuca, que fuma maconha “a rodo”, mas princesinha com um negão pobre para o público brasileiro torcer pelo “casal perfeito”. Pelo “amordedeus”, Maria Lúcia é mulher de traficante, cheia de defeitos do meio que vive. Ela não é inocente ao se envolver com João ou com o Jeremias. Mas não, ela deve ser a Julieta que numa referencia mal feita, o Romeu sobe em sua “bancada” da janela e apaixona-se. Uma licença poética deturpante e desnecessária. Maria Lúcia se “sacrifica” por João. Mas na música, parece que ela esquece dele rapidinho e vai ficar com o Jeremias. Ela é humana, cheia de contradições... Mas no filme...

“O tempo passa e um dia vem na porta
Um senhor de alta classe com dinheiro na mão
E ele faz uma proposta indecorosa
E diz que espera uma resposta, uma resposta do João

"Não boto bomba em banca de jornal
Nem em colégio de criança isso eu não faço não
E não protejo general de dez estrelas
Que fica atrás da mesa com o cu na mão

E é melhor senhor sair da minha casa
Nunca brinque com um Peixes de ascendente Escorpião"
Mas antes de sair, com ódio no olhar, o velho disse:
"Você perdeu sua vida, meu irmão"

"Você perdeu a sua vida meu irmão
Você perdeu a sua vida meu irmão
Essas palavras vão entrar no coração
Eu vou sofrer as consequências como um cão”

Esquece que o caldo já entornou nos primeiros dez minutos de filme. Nem espere nada desses versos...

“Não é que o Santo Cristo estava certo
Seu futuro era incerto e ele não foi trabalhar
Se embebedou e no meio da bebedeira
Descobriu que tinha outro trabalhando em seu lugar

Falou com Pablo que queria um parceiro
E também tinha dinheiro e queria se armar
Pablo trazia o contrabando da Bolívia
E Santo Cristo revendia em Planaltina”

Em nenhum momento o Santo Cristo deixou de trabalhar com o Pablo. Nem bebedeira o “Santo” tinha. Era um verdadeiro “lorde inglês”. Só que não.

“Mas acontece que um tal de Jeremias,
Traficante de renome, apareceu por lá
Ficou sabendo dos planos de Santo Cristo
E decidiu que, com João ele ia acabar”

E a outra desgraça de licença poética que foi totalmente desnecessária: Jeremias. Virou um filhinho de papai mimado. Riquinho que trafica. Uma espécie de antítese do “herói” totalmente equivocada. Um playboyzinho. Não um traficante de renome. Sem contar que ele estudou com Maria Lúcia no mesmo colégio e recebeu de herança os “negócios” do pai. Isso tira em muito o peso da intenção e motivação da trama original da música. Enfim. Continuemos o sofrimento.

“Mas Pablo trouxe uma Winchester-22
E Santo Cristo já sabia atirar
E decidiu usar a arma só depois
Que Jeremias começasse a brigar

Jeremias, maconheiro sem-vergonha
Organizou a Rockonha e fez todo mundo dançar
Desvirginava mocinhas inocentes
Se dizia que era crente mas não sabia rezar”

É, a Winchester 22 aparece, até de forma digna. Apesar de que reluzia de tão nova. As que vi não eram tão cintilantes. E a tal “Rockonha” foi uma festinha na mansão de Jeremias com a molecada do bairro. Como disse o caldo já está entornado mesmo, então é administrar o ódio pelo filme que se arrasta, por incontáveis horas.

“E Santo Cristo há muito não ia pra casa
E a saudade começou a apertar
"Eu vou me embora, eu vou ver Maria Lúcia
Já tá em tempo de a gente se casar"

Chegando em casa então ele chorou
E pro inferno ele foi pela segunda vez
Com Maria Lúcia Jeremias se casou
E um filho nela ele fez”

Essa parte também fica lamentável. Maria Lúcia “dá” pra Jeremias em forma de sacrifício para salvar João da cadeia. Meio forçado, e digno de Glória Peres e sua novelinha “Salve Jorge”. Era uma história pronta que conseguiram destruir. Era acerto certo, se transpusessem a trama da música na telona. E não fizeram isso. Fizeram uma “versão” e deu no que deu. Pode até ser que tenha gente que tenha gostado (minha amiga T por exemplo). Eu não gostei. Pensei que ia sentir a emoção de um símbolo da música nacional transposto, o que vi foi uma tentativa marqueteira de promover uma história que foge da música totalmente...

“Santo Cristo era só ódio por dentro
E então o Jeremias pra um duelo ele chamou
Amanhã às duas horas na Ceilândia
Em frente ao lote 14, é pra lá que eu vou

E você pode escolher as suas armas
Que eu acabo mesmo com você, seu porco traidor
E mato também Maria Lúcia
Aquela menina falsa pra quem jurei o meu amor

E o Santo Cristo não sabia o que fazer
Quando viu o repórter da televisão
Que deu notícia do duelo na TV
Dizendo a hora e o local e a razão

No sábado então, às duas horas,
Todo o povo sem demora foi lá só para assistir
Um homem que atirava pelas costas
E acertou o Santo Cristo, começou a sorrir

Sentindo o sangue na garganta,
João olhou pras bandeirinhas e pro povo a aplaudir
E olhou pro sorveteiro e pras câmeras e
A gente da TV que filmava tudo ali

E se lembrou de quando era uma criança
E de tudo o que vivera até ali
E decidiu entrar de vez naquela dança
"Se a via-crucis virou circo, estou aqui"

E nisso o sol cegou seus olhos
E então Maria Lúcia ele reconheceu
Ela trazia a Winchester-22
A arma que seu primo Pablo lhe deu

"Jeremias, eu sou homem. coisa que você não é
E não atiro pelas costas não
Olha pra cá filha-da-puta, sem-vergonha
Dá uma olhada no meu sangue e vem sentir o teu perdão"

E Santo Cristo com a Winchester-22
Deu cinco tiros no bandido traidor
Maria Lúcia se arrependeu depois
E morreu junto com João, seu protetor

E o povo declarava que João de Santo Cristo
Era santo porque sabia morrer
E a alta burguesia da cidade
Não acreditou na história que eles viram na TV”

E como a história toda foi pro ralo, nem caberia um duelo noticiado pela televisão. E pra falar a vocês, que duelo mal executado. O momento de maior tensão e desfecho. Fica totalmente comprometido por um roteiro que não foi cuidadoso com os detalhes. E a cena que Jeremias descobre que o João levou toda sua cocaína eu já tinha visto na Terça Insana, onde a Grace Gianoukas faz uma viciada em pó. Ficaria cômico se o momento não pedisse desesperadamente um drama. Enfim. Vamos a última parte.

“E João não conseguiu o que queria
Quando veio pra Brasília, com o diabo ter
Ele queria era falar pro presidente
Pra ajudar toda essa gente que só faz...

Sofrer...”

E João do filme quer saber do sofrimento do povo? Quer é “que o povo se exploda”... Como o velho bordão de um dos personagens do Chico Anysio dizia. E como vai se falar de sofrimento de povo se do filme tira toda a relevância e crítica social que a música tenta expressar de cabo a rabo? Faroeste caboclo é um caça níquel. Se valendo da aura de uma música consagrada no imaginário do povo brasileiro. A “Vivo” conseguiu um resultado muito mais positivo, e fofo, com seu “comercial” baseado na música “Eduardo e Mônica” do que esse filme.

Mas preciso dar o braço a torcer. A interpretação dos atores é bem esforçada e em certos casos perfeitas. O Fabrício Boliveira convence muito com sua cara de pobre, Isis Valverde é linda e uma atriz competente. O Felipe Abib não consegue impor tanta seriedade a seu Jeremias. Sendo ele um humorista, dos bons, percebe-se que o peso dramático fica comprometido por sua índole solar. E Jeremias é tudo menos solar...

Erros ferozes na construção de época. Uma delas é até uma curiosidade. Eles usam uma Bíblia no filme, um exemplar novíssimo de uma Bíblia de Jerusalém com capa “moderna”. Nos anos oitenta a capa era totalmente diferente. Se é que existia uma dessas bíblias nessa época. Ao invés de usar uma bíblia “evangélica” usam uma “católica” super moderna. Mas é um detalhe que poucos se importarão. Para quem conhece, faz uma diferença. Percebe-se que a pesquisa de época não foi tão minuciosa.

Eu não gostei do filme. E não via a hora de acabar. O maior defeito que um filme pode ter talvez seja esse. Prometer e não cumpri. A mim não cumpriu o esperado. Só usou a aura em torno do que a música era para se promover. E não chega nem aos pés da obra original. E Renato Russo deve estar de revirando no além...

         ... Masssss... Minha amiga T adorou. :-)

2 comentários:

  1. Um dos filmes que eu acredito no meu favorito, não só pela história, mas pelo excelente elenco, por exemplo, seu ator Cesar Troncoso, que sempre faz muito bons personagens, como agora continuo vendo na nova série O Hipnotizador uma nova série, la cual recomendaria ver se você gosta deste ator.

    ResponderExcluir
  2. Então, como disse, eu achei a história mal adaptada, roteiro falho... e os atores com ótimas atuações, apesar dos deslizes da direção... E Yadira Cervantes, nem todos os filmes que nos marcam são os melhores, posso dizer que entre os 10 filmes da minha vida, até hoje, somente uns 2 são ótimos filmes, o restante são todos considerados medianos e até ruins pela crítica. Valeu pelo comentário.

    ResponderExcluir