Concordo que os ônibus aqui em Campinas
estão em boas condições, a frota é renovada com certa constância. Porém, os
motoristas, mal treinados e talvez pressionados com metas absurdas de tempo,
parecem carregar uma carga de batatas e não pessoas. Fazem curvas, freiam,
vivem colados nas conduções da frente sem se preocupar com o que acontece com
as pessoas que pagam por aquele serviço. E vai questionar!!! Com o próprio
motorista é risco de causar acidente, no telefone para reclamações é impossível
ser atendido... Quebrar o ônibus não resolve... Em alguns pontos o abençoado
motorista não para... Acho que não nos vê lá. Tadinhos... E as distâncias não
justificam a tarifa de R$3,30. Campinas não é tão grande assim.
E a manifestação com isso? Tudo!!!!!
Começou com manifestações organizadas
via sites de relacionamentos famosos. E por causa de R$0,20 (valor de São
Paulo, Campinas subiu em dezembro de 2012 o valor de R$ 0,30) que continha todo
o peso a insatisfação com anos de desmando. Vi tudo começar e desde o principio
tive olhos simpáticos e comecei a me manifestar nas redes sociais contra
pessoas que criticavam os “vândalos”. Fui aos poucos percebendo que tudo
parecia mais o que realmente era. E fui acompanhando de longe, pois moro em
Campinas, o que ocorria no Rio e em São Paulo. Vi a mídia, principalmente a
Globo, contestar veementemente essas manifestações e vi gente instruída,
supostamente, contra o povo que iniciava um levante de indignação. Enquanto
tudo isso acontecia, meu perfil no Facebook continuava aparentemente o mesmo...
Muita futilidade, sim eu adoro futilidades, sou fruto de minha época, muitas
pessoas comprometidas ou não me cutucando, retribuía ou não uns e outros, e
ululava de vez em quando algumas informações de manifestantes que se
organizavam aqui e ali. Até que o primeiro protesto na rua ocorreu vi as
postagens de um “amigo de face” e vibrei. Houve sim alguns incidentes, onde
junta gente sempre há riscos, e em protestos sempre tem os mais exaltados. Continuei vibrando mesmo assim e apoiei da forma que podia, curtindo e
comentando tudo o que aparecia. E uma questão já formou no meu coraçãozinho “Qual o motivo de Campinas não ter feito
isso há 6 meses, quando o preço da tarifa foi para R$ 3,30, a maior do estado
todo? ? ? ? ? ? ? ?” Não tive a resposta naqueles dias iniciais. Pensaram
que era fogo de palha. Não foi, na Terra da Garoa continuou, também na suposta
Cidade Maravilhosa. Datena com sua merda
de programa fez uma enquete e o povo aprovou as manifestações. Inchado com seu
discurso demagógico e populista, estilo “eu
sou o dono da verdade e falo pelo povo”, não entendeu o resultado que não
teve como manipular. Jabor fez uma inflada crônica no Jornal da Globo contra os
“estudantes sem real consciência política” e demais jornalistas, da mesma
emissora, dando um tom negativo aos acontecimento. Pintavam com cores
diferentes tudo o que ocorria. Era evidente que as informações não estavam
casando. Nas redes televisivas vinha um tom grotesco, mas, graças à bondade
divina, ou seja o lá o que rege o cosmos, havia internet. Mostrava tudo o que
acontecia. Tudo, o lado bom e pacífico e o lado não tão bom, agressivo. E o
ficou em evidencia foi a reação desproporcional dos policiais. Aí que a coisa
mais me espantou. Ao invés do povo parar de sair às ruas, o povo começou a sair
mais ainda. E não só no eixo Rio-Sampa. Outras capitais aderiram aos manifestos.
Outras cidades também foram às ruas. E Campinas nada. Até que ouvi dizer que
haveria a manifestação campineira no dia 20 de junho. Iria levar ainda uma semana
para acontecer. Esperei. E outras cidades fazendo bonito e infelizmente tendo
incidentes.
E
não é que outra coisa mudou? A televisão, entenda-se Globo, parou de denegrir (muito)
toda a manifestação. O discurso, de forma tímida, mudou. Havia agora manifestantes
pacíficos e manifestantes “radicais”. Até então era tudo a mesma coisa:
vândalos. Deixando de ser “tudo gato no mesmo balaio” outras retratações
começaram.
E
o dia de Campinas estava longe ainda.
No meu face os cutucões de gente “em
relacionamento sério” ou diminuíram, na mesma proporção que posts mostrando a
indignação contra a violência de policiais, a corrupção, os $0,20 , a
manipulação etc, etc, etc aumentavam. E junto também minhas curtidas e meus
comentários. E a preocupação com Campinas, mantinha-se, colocada por várias
vezes em palavras na minha linha do tempo no Facebook.
Os dias foram passando, e o povo só
encorpando em todas as cidades os protestos. E os políticos não entendiam o que
estava acontecendo, nunca entendem quando o povo pede melhorias e mudanças.
Abobados falavam coisas desencontradas. E achavam que era realmente só pelos R$
0,20 de uma merda de transporte público. E no meio do povo um monte de
reivindicações em placas e cartazes improvisados da forma mais precária
possível.
Toda vez que uma bandeira partidária
aparecia, era veementemente incitada a abaixar. Era outra característica do
movimento. Os políticos não haviam feito nada até o momento, não mereciam
crédito nenhum. Era tudo APARTIDÁRIO. Houve choro e ranger de dentes de várias
lideranças “jovens” que classificaram a manifestação apartidária como algo “totalitarista”.
Voltaram atrás e aceitaram de má vontade a vontade de quem é povo de verdade.
Até que chegou o grande dia.
Eu tive que trabalhar, pois a escola que
no momento dou aula, não fechou os portões. E ainda motivou os alunos a
assistirem o jogo liberando da aula. E eu ia esquecendo, da Copa das
Confederações, e a deliciosa vaia em cadeia nacional a ilustre “presidenta”.
Foi o máximo ver aquilo. Os
manifestantes, pelo que vi, não eram contra a Copa em si, e sim contra os
desvios de verbas que deveriam ir para hospitais e educação e os
superfaturamentos. E teve gente que perdeu a chance de ficar quieto. Ronaldo, o
Fenômeno solta sua pérola sobre a copa não ser feita com hospitais, causando a
revolta de muita gente. E a sua “santidade” o rei Pelé, abriu sua caçapa pedindo
ao povo para parar com as manifestações e prestigiar a seleção, que
p-r-e-c-i-s-a-v-a dos brasileiros naquele momento. Dois totais alienados da
real necessidade popular. Lógico que o povo que mais precisa está assistindo aos
jogos. Os que saíram à rua são uma parcela que pensa um pouco mais e se
envergonham da referência de o Brasil ser “apenas” o pais do samba e do Futebol.
Nem os que não pensam, engoliram o que disse esses dois jumentos futebolísticos.
Enfim, eu decidi ir e fui. E já percebi
o medo do motorista e da cobradora do ônibus, vítimas passivas daquele sistema,
mais se preocupavam com a “preocupação” de seus patrões: “Vão quebrar os ônibus”, e macerados pelos anos de injustiças, não
viam a verdadeira violência que eles sofriam no seu cotidiano. Subindo passagem
e não subindo seus salários. É a vida de
gado que não percebe o abatedouro logo à frente, que o esfola e tira toda sua
carne, sem nem lhes deixar com o direito aos ossos grudados às juntas. Desci no
terminal central, e já percebi o reflexo de tudo. Estava esvaziado de seu
normal. Na Av. Francisco Glicério, um resquício de manifestação. Imaginei que
estivesse terminando, quando entrei pela Rua Conceição e me deparei com o grupo
que ia se avolumando conforme chegava perto da Av. Anchieta. E lá, eu tive a
primeira surpresa da noite. Havia muita gente, a ponto de eu não saber
contabilizar. Alguns meios de comunicação falaram em 40 mil outros minimizaram
para 20 mil. Um número estupendo, para quem estava desanimando com a demora na
população campineira em acordar. Enfim,
desde a Irmã Serafina até quase a prefeitura o povo tinha tomado as duas
pistas, e ainda nas quadras próximas e as praças por aquela região. E vi que
antes de se chegar à frente da prefeitura havia uma barreira de policiais.
Os jornais falaram de como foi violenta
a manifestação em Campinas, mas digo agora o que eu vi:
-
Em certo momento, os guarda jogaram bombas e gás lacrimogêneo no povo
fazendo-os irem para longe. Aparentemente de forma gratuita. E os guardas
recuaram, abrindo o seu paredão de isolamento. E passado o efeito do gás muita
gente foi até a frente da prefeitura e os mais afoitos subiram as escadarias. Pareceu-me
uma ação planejada. Ficaram a tarde toda impedindo e por volta das 20h liberaram
o caminho. No mínimo uma atitude suspeita. Lógico que os “manifestantes radicais”
aproveitaram e jogaram pedras nos vidros da prefeitura. Por sinal, quem conhece
a prefeitura de Campinas sabe que ela é cheia de janelões de vidro. Um prato
cheio a má intenção alheia. Assim que quebraram o vidro os guardas sentiram-se
no direito de “agir” contra os manifestantes. Cheirou-me a armação. Jamais
saberemos;
-
O tempo todo o povo manteve certa consciência coletiva, sem abrir mão do
discernimento pessoal. Em vários momentos vi que se iniciava uma correria e
muitos acalmavam os demais, pedindo para ninguém correr, para não gerar pânico
e acotovelamentos. E o povo, mais assustadiço, se continha e evitando-se tumultos;
-
Toda vez que um manifestante, “desavisadamente” ou “de intenção proposital”,
tentava fazer um ato nitidamente vândalo (pichações, subir em monumentos
públicos, danificar algo) a multidão em volta começava um coro de vaias ou um “sem
violência”, “sem vandalismo”, “desce” e eles paravam na hora, envergonhados;
- O povo estava calmo, apesar de certos
momentos mais tensos, não se via um povo iracundo (nossa essa eu tirei do âmago
de minhas memórias de leitura, afff... É que o termo “irado” perdeu sua força e
tomou outro significado);
-
Não se via gente bebendo, e usando drogas no meio, apesar de haver sim uns poucos
alterados com algum tipo de substâncias, no geral a grande maioria estava de
cara limpa, coisa quase impossível em aglomerações de gente no país do “samba e
do futebol”;
-
A faixa etária era de pessoas entre 20 e 30 anos. Faltou a grande população nos
seus 40 e 50 anos, eu não entendi o motivo;
-
A faixa social mais explorada não se fazia presente, assalariados que pegavam
ônibus comigo às 6h da manhã. Era nítida sua ausência;
-
Sem bandeiras, sem partidos, sem movimentos escusos;
-
Sem jornalistas, sem carros de emissoras que não quiseram correr o risco de
entrar no meio do povo, pois a popularidade, principalmente da Globo, foi
afetada;
Umas garotas que estavam a minha frente
viram umas pedras soltas na calçada, e pegaram. Imaginei que estavam se armando.
Quando já ia questioná-las simplesmente caminharam para minhas costas e jogaram
as pedras dentro da grade do prédio que havia ali. Preocuparam-se em esconder
uma possível arma de combate. Achei interessante. Uma nova forma de protestar.
Demorou, mas Campinas acordou (???será???),
espero que haja mais manifestações aqui. O histórico político é um tanto quanto
ambíguo, Câmara de vereadores se reúne de madrugada, escondido do povo, para
aprovar empreendimentos duvidosos, os governantes estão em constantes
escândalos de corrupção, há um caso de queima de arquivo até hoje não resolvido,
um dos prefeitos foi assassinado, supostamente há uma militância universitária
(temos aqui a Unicamp), que não se mistura efetivamente aos problemas
municipais. Sempre imaginei que Campinas fosse ser mais que é quando me mudei
para cá em 2002, potencial já provou que tem. O que falta é o que ela não tem...
Evidentemente...