segunda-feira, 26 de setembro de 2016

Comentário de Livros - Contos de H. P. Lovecraft em nossas vidas

 Comentário de Livros -  Contos de H. P. Lovecraft em nossas vidas





          
Tive conhecimento de Lovecraft através de uma antiga revista de RPG (Role-playing game) nos idos de 1995-1997, a Dragão Brasil. Trabalhava em uma locadora que possuía uma banca de revistas e lá coletei os exemplares por uns bons anos. 
Porém, como já cansei de dizer em outros textos, eu morava em uma cidade do interior onde nada chegava e a internet nem era sonhada por nós. Enfim. Em várias matérias sobre campanhas de terror Lovecraft era lembrado. Insistentemente fui até a biblioteca municipal e nada, como sempre.


           O tempo passou e quando tive em mãos um livro do mestre do terror aconteceu do dinheiro faltar. E passou mais um tempo até que tive acesso a uma HQ, que ficarei devendo o outor, em pdf que possuía o conto adaptado mais famoso “O Chamado de Cthulhu”. Já sabia do que se tratava, mas não tinha a história na integra. Li e adorei. Logo mais eu acharia perdida nos recôncavos da internet o texto integral do celebrado conto. E assustado li cada palavra com o prazer de alguém que consegue o que quer depois de muito tempo. E uma pontazinha de angústia percorreu meu coração. Eu não entendi direito a grandiosidade daquele conto naquele momento. Enquanto estava em imagens, da HQ, ou em comentários inflamados de fãs eu conseguia perceber o óbvio. Com o texto na mão não. Deixei por isso mesmo. Passou o tempo, conhecimento adquirido em várias áreas, muita leitura feita de variados estilos literários. Eu percebi em certo momento que muita coisa que eu achava “chata” ou “difícil” não estava mais tão chata ou tão difícil. E que alguns textos que  jamais enfrentaria antes estava desbravando com prazer e principalmente facilidade. Consegui perceber que havia composto em minha vida uma grade de conhecimento que permitia compreender melhor as coisas. E a leitura foi fundamental para isso. E como eu gosto de vários assuntos e os “pesquiso” despreocupadamente eu fui melhorando meu repertório pessoal de informações.
E notei que era mais influenciado por esse autor que imaginava. Filmes cults como “Alien” alguns grupos de rock, teorias da conspiração mostravam algo em sua essência que se iniciou com Lovecraft. Sem contar os inúmeros filmes baseados em suas obras. Até um escritor como Stephen King sorveu de seus textos e foi influenciado por suas ideias para construir suas próprias histórias. Lovecraft ficou popular através da influência que exerceu, apesar de muitos ainda não o terem lido. Porém os grandes adoradores de terror o mastigaram para colocar na argamassa da cultura pop que vivemos hoje.


           Ele fala do inominável, de criaturas dos abismos aquáticos, de seres vindos de outras dimensões ou mundos, todos com um apavorante senso de destruição ou dominação. Fala de magia, e não uma magia inventada, em vários momentos ele cita livros de ocultismos bem presentes em qualquer site de grandes livrarias para venda. Ele transforma tudo em algo palatável e inquietantemente próximo.


           Passado um tempo da primeira leitura do texto integral do “Chamado de Cthulho” eu o reli e percebi tudo isso acima. E percebi como ele se tornou um mestre da narrativa. Descrevendo e elaborando a ambientação para nos jogar num sufocante clímax que nos faz ter um arrepio só com a possibilidade daquilo poder acontecer. Ele é exímio em contar sem revelar nada de fato. É absurda sua maestria em dizer o que quer sem realmente mostrar (com palavras). Logo após “Cthulho” fui jogado pelo acaso ao “O Caso de Charles Dexter Ward” (considerado seu único romance, porém pode ser descrito também como um conto longo), agora com uma ótima tradução, que me deixou transpassado de o mais puro desejo de continuar lendo algo parecido. Senti um profundo pesar por ter terminado a história e ter ficado órfão. O que encanta é o estilo narrativo do autor. Sempre. E não mais que depressa comecei a adquirir outras histórias do mesmo. E caiu em mãos uma coletânea de contos que ando apreciando deliciosamente em doses homeopáticas. Se falta algo interessante para ler corro para suas páginas e nunca me desaponto.
O grande problema de Lovecraft é que, por ter escrito muitos contos, não se consegue todos ao mesmo tempo em um único volume. Já ouvi boatos que iriam editar um volume único ou algo do tipo. Ainda desconheço, porém, sei que pode existir. Desculpem a preguiça, mas não fui pesquisar sobre isso. Meu interesse está em fazer apologia a esse admirável autor que não foi reconhecido em vida, para variar. Mesmo colocando algumas informações que não fazem parte do conhecimento médio do grande público, acho sua leitura bem fácil. Principalmente se a edição contar com uma tradução mais atualizada. Os tradutores antigos gostavam de complicar. E suas histórias não são para ficar parando o tempo todo para ver no dicionário o que tal palavra significa. Isso quebra totalmente o ritmo que foi dado ao texto.


           Eu gosto muito de terror. Porém os filmes andam muito interessados em zumbis, mutilações e possessões demoníacas. Haja saco para só isso. Lovecraft nos dá algo mais instigante. Até existe mortes em seus contos, nem sempre descritas de formas claras, mas o que mais aparece em suas histórias é algo mais tenebroso, a perda da sanidade mental. Ninguém está totalmente seguro de ficar louco em suas histórias. E o pior, ou melhor, é que também vamos perdendo um pouco da nossa sanidade mental a cada palavra que lemos. Pelo menos de uma forma bem segura ao entrar na mente de seus personagens pela leitura.


           Leia H. P. Lovecraft, mesmo que não goste do gênero, é necessário conhecer pelo menos duas ou três histórias desse mestre. Além das duas já citadas eu me deliciei com “O Medo à Espreita”, “Dagon” e “O Horror em Red Hook”, “O Templo”, “O Pântano Lunar” e “A Maldição de Sarnath”. Pequenas pérolas do nefasto. Só não leia durante a noite. Pode causar pesadelos aos mais sensíveis. 

quarta-feira, 21 de setembro de 2016

Séries: Chef’s Table: França - Chutar o Balde?

Chef’s Table: França - Chutar o Balde?





                Esta resenha pode ser considerada, por algum desconhecido meu, uma chutada de balde. Mas não! Eu adoro assistir documentários dos mais variados assuntos. Desde pequeno assistia o saudoso “Planeta Terra” na Cultura ou ainda algum outro documentário sobre a natureza no mesmo canal. Ou sobre guerra, um país bonito, um cantor, um estilo... Eu assisti enternecido o tocante documentário “A Marcha dos Pinguins” e adorei conhecer mais um pouco de uma diva que tanto admiro em “What Happened Miss Simone?” que resenhei neste blog há algum tempo.

                Outra coisa que sempre gostei de ver em documentários é comida. E, acho que já citei em outras resenhas, faz tempo que não assisto canais da aberta e fiquei surpreso da quantidade de pessoas que acompanhavam o “Master Chef – Brasil”. Apesar de ser um “reality” os documentários sobre comida passam resvalando nessa ideia: mostrar coisas diferentes. E no documentário não há a chatice da competição.



                E um dia, estava eu tranquilo e de bobeira sem nada para fazer (mentira, tinha muita coisa para fazer sem contar séries e filmes acumulados) busquei na Netflix algo sobre culinária e me deparei com “Chef’s Table”. Assisti um pedaço do primeiro episódio e esqueci lá na minha lista para ver depois. Passou meses e  por esses dias, novamente sem nada para fazer, ao invés de retomar o documentário já iniciado, eu fui direto ao “CT: França”. E adorei. Assisti a temporada toda numa “sentada”.



                A culinária é mostrada como algo artístico. Os chefes apresentados não só são conceituados por lá como cada um, a seu modo, fez algo que transformou a realidade à sua volta. Nesta temporada específica da França temos:

- Alain Passard: chef que, acostumado a servir pratos para carnívoros, em determinado momento de sua carreira transforma seu restaurante em um berço de experimentos orgânicos e vegetarianos. Uma heresia para o paladar francês. Não tem como negar que o visual de seus pratos são apetitosos.
Destaque para sua “Emoção Roxa com Queijo Parmesão”, “Rolê de Repolho com Pimenta Malagueta” e o “Buquê de Rosas”;






- Alexandre Couillon: com um sobrenome que em francês quer dizer algo como “idiota” vive, para piorar o nível de dificuldade em sua vida, na ilha de Noirmoutier que até 1971 ficava praticamente desligada do continente. Há uma estrada que na maré alta acaba totalmente submersa pelo mar. Então essa região acabou um pouco fora do circuito gastronômico do país. Porém Couillon colocou seu restaurante no mapa da alta culinária.
E é muito pitoresca a história de um de seus pratos mais celebrados “Ostra Erika” que além de remontar a um erro de um estagiário é o lembrete de um desastre natural que afetou toda a ilha;






- Adeline Grattard: entusiasta da culinária chinesa. Morou um tempo em Hong Kong e trouxe na bagagem não só os pratos de lá mas deu uma roupagem francesa a eles elevando o nível de seu restaurante de forma exemplar. O “Bao de Stilton”, pão assado no vapor ao estilo oriental com recheio francês e o "Biscoito de Avelã com Physalis e Sorvete de Avelã" são de dar água na boca em quem assiste;


- Michel Troisgros: quem comanda a La Maison Troisgros. Irmão do Claude Troigros, que é conhecido aqui por alguns programas nos canais por assinatura e dono de um restaurante no Rio de Janeiro.
Ele carregou o peso de ser da terceira geração da família a assumir o cargo de continuar a tradição do restaurante. Ofuscado pela maestria do pai e tio decide abandonar o passado e fazer seu próprio caminho com pratos de sua autoria.
Tudo dá certo e ele volta a servir o clássico da geração anterior a sua “Salmão com Azedinha”. Mas também possui pratos belíssimos no visual, que um dia provarei com certeza, como o “Trufa Negra com Leite”.



                Todos enfrentaram dificuldades e se reinventam para chegar ao nível que estão hoje. Todos possuem estrelas no famoso e temido “Guia Michelin” uns tiveram que conquistar outros manter depois de mudanças estratégicas.

               
E um aviso: para quem gosta de um bom documentário, com imagens belas e que fale de comida aproveite e se esbalde. Só segure a lombriga que com certeza dará trabalho.

quarta-feira, 14 de setembro de 2016

Julieta: Almodóvar + Munro

Julieta: Almodóvar + Munro



       
Almodóvar é um conhecido diretor espanhol que gosta de personagens femininas fortes.

        Alice Munro é uma escritora ganhadora do prêmio Nobel de Literatura de 2013 que coloca sua visão sobre o feminino em seus escritos, em grande maioria contos.


        Separados ambos são mestres em suas narrativas. Juntos temos “Julieta”. Almodóvar decidiu escrever seu novo filme se baseando em três contos de Munro. Meu TCC (Trabalho de Conclusão de Curso) no curso de Letras foi sobre um conto de Munro e o feminino presente em sua narrativa.  Foi quando conheci essa autora. Já Almodóvar foi através do filme “Tudo Sobre Minha Mãe” só depois é que assisti a outros. Como não li especificamente os contos que o diretor se baseou para escrever o roteiro fico com o filme pelo filme nesse comentário.


        A película anterior de Almodóvar tinha sido “A Pele que Habito” e não agradou muito. Parece, apesar de tudo, não ter se mantido “fiel” ao seu estilo denso, dramático e povoado pelo universo feminino. E por incrível que pareça, nesse filme não existe o feminino no sentido estrito da coisa. É uma outra pegada que não posso dizer muito senão entrego o final. Em “Julieta” ele volta sua lente às mulheres que tão bem representa. E vemos aqui o velho desembaraço de seu estilo. Ainda sinto que “Tudo Sobre Minha Mãe” e “Volver” são melhores que “Julieta” apesar de ter seu charme. A história se passa praticamente em Madri. Onde uma mulher, já madura, resolve escrever uma carta para sua filha que há anos a abandonou. E descobrimos alguns fatos que podem ter ajudado na escolha de sua filha em querer ficar longe dela. Nada é absolutamente inusitado e isso que dá mais dramaticidade a trama pois é algo que poderia acontecer com qualquer um. E vemos o desenrolar dos fatos na tela como se fosse a vida de uma vizinha. Julieta não é louca, não é tão intensa, não é difícil no lidar. É alguém bem normal que se vê diante de um acontecimento que não compreende direito. Sua filha simplesmente não a quer por perto mais e some de sua vida.


        De forma específica, tenho que lembrar que não é um filme pipoca, é um filme europeu e almodoviano. Esses pontos fazem toda a diferença. Não é algo fácil e de ritmo vertiginoso. Não tem o inodoro “happy end” comum a filmes de Hollywood. Dito isso saiba onde está se metendo e aproveite.


        É um respiro diante dos filmes já manjados que estão em cartaz nos cinemas. E uma menção especial vai para a fotografia. Mostra lugares lindos com uma sensibilidade tocante. Sem contar as atuações um tanto atônitas e passivas das duas atrizes que fazem a Julieta: Adriana Ugarte (Julieta mais nova) e Emma Suárez (Julieta mais velha). Ugarte se mostra mais uma musa do diretor. Além é claro de Rossy de Palma que há anos tralha com o diretor espanhol fazendo uma megera das mais amargas.



        Almodóvar sempre vale o preço do ingresso do cinema. Então, se esse estilo te agrada, não perca.