quarta-feira, 13 de dezembro de 2023

CRÔNICA PAULISTANA DE UM PAULISTA – Garoa

CRÔNICA PAULISTANA DE UM PAULISTA Garoa
  



 Apesar de inúmeros problemas, o que mais me desanima, e não posso dizer que é um problema exclusivo de São Paulo, é a chuva. Aqui ela encorpa na mítica “garoa”. Lembrando-me das aulas de Geografia, e muito me espanta que ainda há desavisados pegos de surpresa pelas chuvas que acontecem no nosso clima. É notório, usando um início de redação manjada, que estamos num clima subtropical úmido, invernos secos, e verões caudalosamente cheios de água vindas do céu. O verdadeiro mijo dos anjos raivosos. Eu não me espanto de chover, eu não gosto de chuva. E desde que me percebi, como um razoável ser pensante, notei que, geralmente, no verão chove, eu não reclamo disso. E percebam, a quantidade de vírgula empregada neste presente texto é proporcional ao nível de ironia empregada em alguns trechos. O ato é impossível de questionar, chove e pronto. Tanto que sempre levo na tiracolo, bolsa ou mochila dois itens: guarda-chuva e blusinha. E morando em São Paulo isso se faz tão necessário como uma boa necessaire com desodorante, lenços umedecidos, escova e pasta de dentes e afins (o “afim” depende do protocolo seguido: sexo, drogas, manias, hipocondrias, diversão, erudição, etc). Meu ódio é mais existencial. Eu não reclamo do óbvio “Ah! Chovendo?” como se fosse uma surpresa. Desde o ensino fundamental eu sei que no Brasil, Sudeste, e em São Paulo chove no verão, é época. Eu odeio me molhar com os pingos fustigantes, um a um que caem como pequenas bombas gélidas de dor e desespero na minha pele quente. E, nunca é uma torrente inicial, é sempre pingos esparsos com tempo suficiente para eu sentir cada gota como uma micro adaga que me transforma numa fera ensandecida. Uma vez, meu avô, lá no interior, comprou uma cabra, ela era apavorada com o mínimo sinal de chuva no horizonte. Berrava, açoitava o ar com pinotes e coices até ser libertada de uma corda que não a deixava vagar por muito longe, e corria, desembestada para o girau que a protegia de um banho de chuva. No instante que chegava lá, ela se tornava uma cabra tão mansa e amigável que nem parecia parideira de Belzebu há poucos minutos parecia adiantar o Apocalipse. Gostava dela, mesmo não ligando muito na época. Meses depois, como geminiano inconstante ele vendeu a cabrinha e nunca mais pensei nela, salvo em dias de chuva que estou em “descampado” desprevenido de guarda-chuvas. Contudo ela tinha um medo desmedido de pingos d’água vindos do céu. Eu tenho trauma que me gera ódio. E toda vez que ouço Vanessa da Mata “... tomar um banho de chuva...” eu só penso “Teu cu!”. Talvez um pequeno trauma por morar numa casa pobre na época de “construção do caráter” que tinha tantas goteiras que me deixava indignado por ninguém arrumar e só afastar a cama e pronto. Dormir molhado remontava memórias primitivas desagradáveis. Até hoje não entendo o motivo de ninguém arrumar o telhado de casa. Éramos pobres, mas com certa condição. Parecia necessário ter goteiras em casa de pobre. Aqui, não moro em lugar com goteiras, e sempre estou com guarda-chuva. Contudo, eu já tomei três vezes chuva de ficar ensopado, todas elas vindo das minhas caminhadas pelo Minhocão. Sim tento caminhar sempre lá à noite, pois, simplesmente é uma ilha de segurança no centro de São Paulo das 20h às 22h. Como eu adoro caminhar à noite eu, não quero ser assaltado pela quinta vez, sempre vou lá. E não tem como, quando o tempo arma e derruba o mijo angelical chegar seco, e me recuso levar guarda-chuva numa caminhada. Pelo menos, a chuva em São Paulo não só lava a alma, adstringe a pele num ‘peeeling’ químico, afinal, chuvas ácidas são para isso. Beijos poluição!

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