segunda-feira, 6 de abril de 2020

O casamento de Muriel - Sugestão para a quarentena








Queridos e amados leitores e leitoras do blog, quanto tempo!
     Desta vez a justificativa é que estive tão envolvido no novo emprego que comecei que mal tive tempo de fazer outras coisas. E mesmo nessa quarentena não parei até sexta-feira passada de trabalhar, em casa. Na verdade, tenho que confessar que não tive essa ideia antes. Farei um diário da quarentena com resenha de filmes ou séries que eu assisti nesse período. Como já estou no 19º dia de quarentena material não me falta e vou postando de acordo com a desenvoltura da minha escrita.
        
Ando um pouco sem vontade de ver filmes, isso é algo que vai contra minha natureza. Tudo com a mesma cara e quando surge algo mais moderninho fico sem paciência para conseguir acompanhar. Estou com um monte de coisa engatilhada com uns dez minutos de iniciação e sem vontade de retornar. Perseverarei a contento em algum momento.
        
Como estamos em quarentena, ou deveríamos todos estar, assisto o que a internet disponibiliza, seja em streamings pagos, seja naquele velho esquema de “se está na internet eu assisto de algum jeito”. Cada um sabe o que lhe cabe e de hipócrita já deixo os que fizeram jejum neste último domingo, dia 05 de abril de 2020.
Para começar, eu vi pelo site do Belas Artes que está disponibilizando o catálogo até dia 15 de abril, pelo que ouvi dizer, vocês que lutem, amores, o primeiro filme que reavivou meu interesse: “O casamento de Muriel”.
Eu o assisti há décadas, gente não estou sendo exagerado nem metafórico, estou mostrando como estou velho, é literal isso, que horror! E numa versão dublada bem editada que passou em algum canal de televisão aberta. E lembro bem da história da gordinha, a Muriel, que vive em uma espécie de amortecimento social, é oprimida pela estrutura familiar, principalmente o pai político babaca que ofende a todos na frente de qualquer um, e sonha com casamento. Possui um grupo de amigas sebosas, aquelas “populares” que vivem a vida perfeita e também tem o sonho máximo de suas vidas de casarem. Percebam que não é casar no sentido de encontrar o amor da vida e sim de ter a festa e o momento de plenitude que um vestido branco cafona pode causar a uma mulher. Muriel quer o pacote completo, sem considerar o marido, contudo tem alguns obstáculos a enfrentar: é gorda, fora do padrão de beleza estabelecido, todas suas amigas são magras e loiras, não tem atitude, está engessada socialmente dependendo do pai autoritário e de personalidade expansiva, consequentemente sem dinheiro, morando numa cidade pequena e sem nenhuma perspectiva pois nunca fora muito boa nos estudos. Até que num golpe de sorte, um cheque em branco cai em suas mãos e ela decide sair em viagem para uma ilha paradisíaca que suas amigas iam e a excluíram por não ser bonita nem popular o suficiente. Encontra lá uma antiga colega de escola que simpatizando com Muriel a defende das outras revelando propositalmente que uma saiu com marido da outra na própria festa de casamento. Discórdia das outras amigas unem Muriel e Rhonda. Ao voltar para casa Muriel percebe que não está podendo enfrentar aquela vida que tinha deixado ali com sua família e parte para morar em Sydney. E vai iniciar a jornada de descoberta de si mesma. E não é que surge a possibilidade de um casamento para ela? Sem amor, arranjado para ajudar um nadador bonitão com a cidadania australiana, e ela se encanta. Contudo percebe logo depois de casar, com um tapa da realidade na cara, que entre o sonho e a vida real há um abismo e nem sempre há um final feliz, ou mesmo um final fechado na sua história.
Basicamente eu contei o filme todo, mas assistem se ainda não o fizeram. Toda essa história é levada num tom leve e cheio de humor. Foi o primeiro filme com a diva Toni Collette que assisti. Uma atriz subestimada por Hollywood e que mais de uma vez se mostrou competentíssima em seus papéis. E deu para P.J. Hogan, roteirista e diretor, o convite para executar “O casamento do meu melhor amigo” filme que trouxe Julia Roberts de volta do abismo de fracassos que se encontrava.
Se não assistiu e não é uma pessoa com preconceito com “filmes antigos” esse vale cada minuto de projeção. Muriel é uma personagem cativante, mesmo com suas imperfeições. E imagino que muitos se reconheçam nela o que faz o filme mais delicioso. Eu me reconheçi. Ah! Tem um plus, a trilha sonora cafonamente deliciosas cheia de sucessos do ABBA. Se hoje em dia, após “Mamma mia!” o grupo sueco está em alta, na década de 1990, época de lançamento do filme era considerado bem, bem, bemmmm cafona, só pessoas “velhas”, antigos fãs, escutavam. E com esse filme foi exorcizada esse estigma e voltou ao gosto do povo de novo.

terça-feira, 7 de janeiro de 2020

Fleabag - Série


Fleabag






         Pense numa série sem efeitos especiais, sem grandes nomes do cinema, pelo menos até a execução de sua primeira temporada, sem uma história mirabolante, contudo bem construída e com atores competentes que conseguem dar cabo do roteiro. E pense num roteiro bem escrito e colocado de uma forma para tirar riso de uma vida amarga e patética. Fleabag é isso. Uma série onde o roteiro brilha com tal intensidade que dá a atriz/ator um material para desenvolver uma atuação primorosa. 
        
O nome da roteirista responsável por esse diamante lapidado é Phoebe Waller-Bridge que também interpreta a personagem principal. Toda a história transcorre num recorte da vida de Fleabag, uma mulher que tem um jeito bem duvidoso de encarar os problemas, para dizer o mínimo, ela é bem babaca em vários momentos e perdedora em vários sentidos. Ela sofre pela perda da melhor amiga insistindo em minimizar que o suicido da mesma não foi intencional, sua irmã é bem sucedida, seu pai se casou com sua madrinha e sua mãe morreu anos antes de câncer nos seios. Sua visão de mundo é sarcástica, irônica e revoltda ela caminha para a amargura da meia idade. Seus relacionamentos se pautam pelo sexo e suas ações acabam por prejudicar todos em algum nível. Seus comentários mordazes fazem que uma briga se deflagre no seio familiar e suas ações desprovidas de ética acabam por mostrar o tanto que essa mulher sofre por incrível que pareça. Incapaz de perceber o quanto o namorado a ama ela acaba por afastá-lo por simples capricho e manipulações desprovida de sentido. Possui um café que está à beira da falência e tenta se levantar a todo custo sem o apoio da família que parece ter cansado de ajudá-la, sem contar que o tempo todo vemos, em flashback, a aparição da sua amiga em lembranças dolorosamente felizes e cheias de afeto.
        
Tudo isso seria um dramalhão se o roteiro de Waller-Bridge não bebesse do cinismo e ironia típicos das comédias inglesas. Com o recurso da “quebra da quarta parede”, onde o ator conversa diretamente com o seu público, no caso diretamente com a câmera, percebemos a amargura da personagem principal e o que realmente pensa e com isso conseguimos entender a personalidade complexa e tão comum de Fleabag. Isso pode dar um ar artificial ao produto, bem executado, como o é, fez que a série atingisse um patamar de qualidade excepcional. Não parece que Fleabag está conversando com o público, parece que está conversando com um cúmplice invisível aos demais personagens e este é cada um de nós. A história envolve e cativa. Não é raro sentir uma simpatia pela desprezível e trágica personagem.
        
Com duas temporadas, admito que a primeira, pelo frescor da ideia original, acaba aparentando ser melhor, mas a segunda é tão boa quanto e dá um salto qualitativo presente de forma contundente ao mostrar sutilezas no aparente amadurecimento da personagem principal. Dizem até que quando a primeira temporada fez sucesso a roteirista e atriz declarou que só faria uma segunda se tivesse uma ideia muito boa. E teve. Enquanto a primeira temporada ela lida com a perda da amiga que se mostra sufocante e angustiante na segunda ela se apaixona por um padre e tenta a todo custo viver esse amor proibido. Tirando a inverossimilhança de que o padre seja realmente heterossexual, estou sendo cáustico aqui, não tenho mais o que dizer da história sem entregar demais. Se gostar de humor inteligente, amargo, inglês cheio de ironias em situações corriqueiras, essa é a série: assistam. É só o que consigo escrever no momento.

sábado, 4 de janeiro de 2020

Dois papas


Dois papas




         Alguns atores são espetaculares, contudo, não possuem oportunidades para mostrar suas interpretações nos grandes filmes, são relegados a coadjuvantes por não possuírem aparência “comercial”. E mesmo assim alguns, muitos na verdade, arrasam. Neste filme, por melhor que Anthony Hopkins esteja, Jonathan Pryce, um desses atores que conhecemos mais pelos seus papais de coadjuvantes, consegue o feito de ofuscar seu companheiro premiadíssimo. Digo isso por acompanhar os passos de papas com um pouco mais atenção, devido minha vida pregressa...
        
A direção de Fernando Meirelles, com o roteiro de Anthony McCarten, consegue passar bem o embate de duas visões de Igreja-Instituição com todas as licenças poéticas possíveis. Sim, há muita ficção no convívio do então candidato a papa e do papa. Os diálogos captam bem a essência do que acontecia entre os muros católicos. A grande falha foi apenas resvalar nos reais motivos da “renuncia” de Bento. Toca-se vagamente e pouco se percebe se quem estiver assistindo não entender o mínimo de Igreja Católica. O motivo é difícil de se assumir: os escândalos mal resolvidos da pedofilia e a corrupção dentro da cúria. Jogou-se uma culpa no secretário de Bento de quem vazou ao público documentos e cartas comprometedores. A ferida é mais profunda, dolorosa, mundana e antiga do que se quer supor e admitir. Por várias questões, imagino, se fugiu de grandes especulações sobre o assunto. A detentora dos documentos que podiam dar uma luz a tudo tem como regra só liberar essa papelada 50 anos após a morte dos envolvidos diretos, e sim, é a própria Igreja quem faz essas regras sobre seus próprios documentos.
        
Se os realizadores fogem do assunto espinhoso ainda sobra um bom material para se trabalhar, e esse material é real e passível de constatação. De um lado temos Joseph Ratzinger, alemão, duro, antipático e tradicionalista ao extremo que é considerado um intelectual de proporção monumental, mais interessado em condenar doutrinas do que formular teologias, mesmo assim possui um bom número de livros publicados, muitos como papa. Não tem como negar que foi, e é, um dos homens mais brilhantes de sua época. Um homem de escritório. Já, do outro lado, Bergoglio, também inteligente, é mais pastoralista, direto, popularesco. Sua história um tanto controversa é colocada no filme. A época da Ditadura Militar na Argentina que forjou seu modo de ser. Não é de escritório, foi engajado, nem sempre da forma adequada, na história de sua Igreja regional e amargou anos por escolhas equivocadas.
O que talvez o tenha humanizado muito. Então, voltando ao filme, percebam que Pryce consegue captar esse humanismo de forma soberba, Hopkins teria que ser um pouco mais “Hannibal Lecter” para atingir a essência de Bento. Até fiz uma brincadeira no Facebook sobre ele ter interpretado um psicopata antes e agora um psicopapa. Faltou um pouco mais da frieza do personagem anterior. Se algum católico ler isso vai me condenar ao inferno. Nada que uma Confissão ou uma Unção dos Enfermos na hora certa não resolva. O bom de ser católico é isso, sempre há uma forma de escapar do inferno, institucional e licitamente.
        
Não é o melhor filme que se possa querer, embora competente e bem executado. Eu assisti mais com minhas memórias afetivas ligadas e impressionado com a direção que captou bem alguns pontos necessários, mesmo resvalando de leve em outros, como disse acima. “Dois papas” ajuda a entender um pouco o que foi a troca de um conservador para outro menos conservador que deu uma cara de progresso e começou tocar em pontos delicados da Instituição. Já houve uma revolução na Cúria Romana e se hoje um padre, ou mesmo bispo, cometer um ato de pedofilia as medidas são mais enérgicas. Sei de lugares que o padre pode até perder a sua condição sacerdotal. Antes eles eram apenas trocados de paróquia.
E aqui preciso falar da escolha do nome “Francisco”. Se houve um real revolucionário na instituição já estabelecida na idade média esse foi Francisco. Não vou falar muito dele (em algum lugar desse blog tenho uma crônica comentando sobre ele), mas sabe aquela pessoa que não falou quase nada e com ações mostrou o óbvio? Francisco foi esse cara, ele só retomou algo esquecido pela Igreja, a pobreza, da forma mais básica possível, vivendo como um pobre. Escolher ele como patrono através do nome já é revolucionário por si só. A escolha do nome “Bento” foi mais uma continuação da opulência tão execrada pelo silêncio de Francisco, o santo medieval. Ainda há muito que mudar e o atual papa não vai conseguir tudo o que é necessário. Mas é fantástico que ele se mostre humano até ao dar um tapa, recentemente, na mão de uma fiel inconveniente que o tenha puxado e o feito perder a cabeça para no dia seguinte pedir perdão em público, algo não muito comum na figura do Sumo Pontífice e sua infalibilidade papal, Pryce pegou essa humanidade em sua interpretação.