domingo, 24 de novembro de 2019

Coringa


Coringa








 Há spoilers!!!

Alô, alô, galerinha! Tudo que bem, bem-bem-bem-bem-bem-bem? Tudo que mal, mal-mal-mal-mal-mal-mal-mal? Ehr... Isso não funciona muito bem no texto como funciona na fala. Contudo dá o tom da resenha de hoje. Demorei mas aqui estou. Como sempre, trabalho consome nossa alma... Maldito sistema capitalista exploratório... Ops! Sou contratado pelo governo do estado para dar aulas... Maldito sistema político capitalista predatório! E não, não podemos falar que somos capitalistas neoliberais, pelos últimos desdobramentos nefastos estamos mais para medievais. Entrei para um episódio de Black Mirror macabro misturado com House of a Cards e American Horror Story Brazil Freak Show.
Depois que passou o arrebatamento e o afã em torno do filme é que eu decidi escrever. Eu nem ia, mas de bobeira aqui decidi. Basicamente tudo que vocês leram é verdade. O Joaquim Phoenix está phodástico. O filme é cheio de virtudes e o roteiro é ótimo. E as críticas também são verdadeiras. Humaniza-se tanto o vilão que ele fica uma pessoa normal quase impossível de se acreditar que se tornará o lorde do caos e da loucura que dará tanto trabalho ao Batman. Sem contar que enfiar o recorte da morte dos pais de Bruce Wayne ali no meio da algazarra toda me soou um tanto forçado. Eu entenderia um rico num cinema de rua nos anos de 1940-1950. Já numa indefinível década de 1980 não. Mas as virtudes são mais fortes e foque nelas, é o que um coach diria.
E virtudes não faltam. Todo o elenco está afinadíssimo, e o roteiro impecável, tirando a parte do casal Wayne como já disse. Mas retratar o patriarca como um “empresário” político é uma boa sacada. Ainda mais com o atual presidente de lá dos EUA. E também colocar a transformação de um Zé-Mané qualquer em Coringa é outra sacada boa, principalmente pelos motivos complexos que essa “transformação” envolve: traumas de infância, patologias mentais, falta de empatia das pessoas que o cercam de forma geral, e o mais aterrador e devastador e pervertido de todos os motivos, a falta de programas governamentais que deem apoio e suporte a alguém em situação de vulnerabilidade como Arthur se encontrava.
O estado e a sociedade criou o Coringa. Era evidente e claro que ele precisava de acompanhamento, era evidente e claro que sem os remédios ele traria problema, era evidente que ia dar muita merda. Na vida real poderia desencadear algo mais subjetivo e intimista, contudo o filme pretendeu mostrar a grandiloquência da personagem espalhafatosa que acaba servindo de catarse para a insatisfação popular. Ali, após os assassinatos dos três “caras de bem” no metrô e do assassinato ao vivo do apresentador Murray Franklin/Robert De Niro, vemos o narcisismo e exibicionismo do vilão que conhecemos. Vemos o que pode ser o início do terror do Homem Morcego, não antes, não durante só após o inferno já estar ardendo que percebemos o poder de fogo que o Coringa causa. É um estopim, ele atrai os revoltados, insatisfeitos e, porque não, os lúcidos/loucos que percebem que algo não anda bem no que a direita/poderosos propõem. Esse “american way” não está dando mais certo e o filme mostra isso numa luta de classes apoteótica ao fim.
Apesar da maceração de Arthur vemos um momento de extremo lirismo, e não tem como não comentar: a estranha dança dentro do banheiro após fugir da cena da morte dos três “cidadãos de bem” no metrô. Aquilo é de arrepiar os ossos de tão Belo, sim com letra maiúscula para citar o sentido filosófico mesmo. Basicamente o filme é duro, cru e bem “feio” nas escolhas de luz, figurino, época e lugar retratados. É tudo sujo demais, urbano demais, anos 80 demais, violento demais e vem a dança estranha que destoaria de tudo por seu lirismo. A alma do palhaço tomou conta da alma de Arthur e mesmo no caos e feiúra do mundo esse palhaço faz seu espetáculo como um artista que é, busca apurar sua técnica, mesmo sua arte sendo da destruição e tida como do mal. O palhaço é sensível e mostra isso naquele instante em que nasce.
Uma sensibilidade que é fruto da mais fria psicopatia engatilhada pelos fatores citados lá em cima. Engatinha nos movimentos do corpo um pouco deformado de Joaquim e fica ótimo na tela. A câmera o segue fascinado. É o momento crucial, ali o filme me ganhou e me fará lembrar como a melhor produção desse catastrófico ano de 2019.