domingo, 24 de novembro de 2019

Coringa


Coringa








 Há spoilers!!!

Alô, alô, galerinha! Tudo que bem, bem-bem-bem-bem-bem-bem? Tudo que mal, mal-mal-mal-mal-mal-mal-mal? Ehr... Isso não funciona muito bem no texto como funciona na fala. Contudo dá o tom da resenha de hoje. Demorei mas aqui estou. Como sempre, trabalho consome nossa alma... Maldito sistema capitalista exploratório... Ops! Sou contratado pelo governo do estado para dar aulas... Maldito sistema político capitalista predatório! E não, não podemos falar que somos capitalistas neoliberais, pelos últimos desdobramentos nefastos estamos mais para medievais. Entrei para um episódio de Black Mirror macabro misturado com House of a Cards e American Horror Story Brazil Freak Show.
Depois que passou o arrebatamento e o afã em torno do filme é que eu decidi escrever. Eu nem ia, mas de bobeira aqui decidi. Basicamente tudo que vocês leram é verdade. O Joaquim Phoenix está phodástico. O filme é cheio de virtudes e o roteiro é ótimo. E as críticas também são verdadeiras. Humaniza-se tanto o vilão que ele fica uma pessoa normal quase impossível de se acreditar que se tornará o lorde do caos e da loucura que dará tanto trabalho ao Batman. Sem contar que enfiar o recorte da morte dos pais de Bruce Wayne ali no meio da algazarra toda me soou um tanto forçado. Eu entenderia um rico num cinema de rua nos anos de 1940-1950. Já numa indefinível década de 1980 não. Mas as virtudes são mais fortes e foque nelas, é o que um coach diria.
E virtudes não faltam. Todo o elenco está afinadíssimo, e o roteiro impecável, tirando a parte do casal Wayne como já disse. Mas retratar o patriarca como um “empresário” político é uma boa sacada. Ainda mais com o atual presidente de lá dos EUA. E também colocar a transformação de um Zé-Mané qualquer em Coringa é outra sacada boa, principalmente pelos motivos complexos que essa “transformação” envolve: traumas de infância, patologias mentais, falta de empatia das pessoas que o cercam de forma geral, e o mais aterrador e devastador e pervertido de todos os motivos, a falta de programas governamentais que deem apoio e suporte a alguém em situação de vulnerabilidade como Arthur se encontrava.
O estado e a sociedade criou o Coringa. Era evidente e claro que ele precisava de acompanhamento, era evidente e claro que sem os remédios ele traria problema, era evidente que ia dar muita merda. Na vida real poderia desencadear algo mais subjetivo e intimista, contudo o filme pretendeu mostrar a grandiloquência da personagem espalhafatosa que acaba servindo de catarse para a insatisfação popular. Ali, após os assassinatos dos três “caras de bem” no metrô e do assassinato ao vivo do apresentador Murray Franklin/Robert De Niro, vemos o narcisismo e exibicionismo do vilão que conhecemos. Vemos o que pode ser o início do terror do Homem Morcego, não antes, não durante só após o inferno já estar ardendo que percebemos o poder de fogo que o Coringa causa. É um estopim, ele atrai os revoltados, insatisfeitos e, porque não, os lúcidos/loucos que percebem que algo não anda bem no que a direita/poderosos propõem. Esse “american way” não está dando mais certo e o filme mostra isso numa luta de classes apoteótica ao fim.
Apesar da maceração de Arthur vemos um momento de extremo lirismo, e não tem como não comentar: a estranha dança dentro do banheiro após fugir da cena da morte dos três “cidadãos de bem” no metrô. Aquilo é de arrepiar os ossos de tão Belo, sim com letra maiúscula para citar o sentido filosófico mesmo. Basicamente o filme é duro, cru e bem “feio” nas escolhas de luz, figurino, época e lugar retratados. É tudo sujo demais, urbano demais, anos 80 demais, violento demais e vem a dança estranha que destoaria de tudo por seu lirismo. A alma do palhaço tomou conta da alma de Arthur e mesmo no caos e feiúra do mundo esse palhaço faz seu espetáculo como um artista que é, busca apurar sua técnica, mesmo sua arte sendo da destruição e tida como do mal. O palhaço é sensível e mostra isso naquele instante em que nasce.
Uma sensibilidade que é fruto da mais fria psicopatia engatilhada pelos fatores citados lá em cima. Engatinha nos movimentos do corpo um pouco deformado de Joaquim e fica ótimo na tela. A câmera o segue fascinado. É o momento crucial, ali o filme me ganhou e me fará lembrar como a melhor produção desse catastrófico ano de 2019.

terça-feira, 23 de julho de 2019

Crônicas de São Francisco


Crônicas de São Francisco




         Neste julho eu me surpreendi, e isso é vergonhoso, ao descobrir que Olympia Dukakis está viva. Por algum motivo minha memória a havia matado na década retrasada. Somente a internet em conjunto com a Netflix reparou esse lapso com a série “Crônicas de São Francisco” que comecei assistir assim que pude. Percebe-se claramente que Dukakis está bem velhinha e isso ajuda na transposição e composição da personagem. De qualquer forma, achei o primeiro episódio bem morno, quase desinteressante. Até que, simultaneamente, a Netflix lançou as outras temporadas anteriores e fui pesquisar um pouco mais sobre elas. Descobri que era uma série baseada numa obra literária de relevância social grandiosa nos EUA. Escrita por Armistead Maupin, que ainda é vivo, em forma de folhetim em um jornal da cidade de São Francisco, daí o nome, foi muito relevante para dar visibilidade a algo que se tornara a essência e a tendência na cidade, bem antes de muitos reconhecerem e muitos queriam negar ou até fingir que não existia: a comunidade LGBTQ+.
Maupin, se mudando para São Francisco vindo de um estado e estilo de vida conservador consegue sair do armário e como já trabalhava com escrita aceita a oportunidade de escrever para um jornal. Segundo o próprio, inspirado em si mesmo e em várias outras pessoas que conheceu, formulou personagens emblemáticos para a cultura LGBTQ+. O sucesso foi tamanho que o folhetim se tornou livro e deu sucessão à vários volumes, e, ao todo três adaptações televisivas. A última, agora a quarta, produzida pela Netflix neste ano, as demais por outras produtoras diversas respectivamente em 1993, 1998 e 2001. Na sua primeira edição a série revolucionou em várias questões não só ligada à sexualidade como também com a nudez na televisão e empoderamento de minorias e o uso de drogas de forma “recreativa”, algo ainda sequer falado por aqui pela mídia.
        
Não li os livros e somente com a série já percebi a influência que teve em várias outras produções que vieram depois: “Queer as Folk”, “Looking”, “The L Word” entre outras. Basicamente, a história se resume em mostrar uma excêntrica dona de uma espécie de condomínio de apartamentos, no número 28 da fictícia rua Barbary Lane, e como os seus inquilinos se relacionam, cada um com suas particularidades, em uma cidade exuberante e empolgante que vive os anos da liberação sexual em 1976, pelo menos a primeira temporada.
As demais acompanham as aventuras e desventuras do grupo em outros momentos; quase um novelão se houvesse uma continuidade de produção. As séries baseadas em Maupin foram alvo de críticas conservadoras ao longo do tempo, principalmente a primeira temporada, só para variar. Os personagens são cativantes e nos fisgam com suas contradições. É absurda a quantidade de coisas “moralmente erradas” que fazem e não conseguimos deixar de gostar deles. Mary Ann Singleton (Laura Linney em todas as temporadas) é a personagem mais cativante, em minha opinião. Mulher cisgênero, heterossexual, vinda do interior do país para iniciar uma jornada de autoconhecimento numa cidade grande em busca do amor. Contudo se depara com as dificuldades da vida adulta em um ambiente hostil onde a “concorrência” e a falta de comprometimento afetiva são ostensivas.
A típica desconexão que um centro urbano causa nas pessoas. Contudo, outros personagens são tão instigantes ou odiosos, no bom sentido de uma obra, a ponto de realmente acontecer apego. Não é uma das histórias mais brilhantes, contudo, supre a função de entreter, e de levantar alguns questionamentos a respeito do universo LGBTQ+. Anna Madrigal (Olympia Dukakis, também em todas as temporadas) é a alma e elo que conecta a maioria dos personagens. Uma trama misteriosa com seu passado além dela ser uma mulher transgênero heterossexual, são motes para desenrolar o enredo em vários momentos.
Ao longo das séries vamos descobrindo camadas e mais camadas dessa personagem, que talvez seja uma das mais interessantes de todos os tempos. Descobrir quem Anna Madrigal é ao longo dos episódios é simplesmente delicioso. E por causa dela temos pequenas preciosidades como, por exemplo, a Mãe Mucca (Jackie Burroughs) que faz parte de seu passado obscuro. Tirando alguns exageros, conseguimos uma história coerente, as três primeiras temporadas são simultâneas, a última já ocorre vinte anos depois do fim da terceira. E justamente por ser a mais recente é a que mais sofre uma pasteurização de conteúdo, mesmo e apesar de ser a que mais retrata a diversidade sexual. Contudo o que mais me desconectou do restante das produções, segundo novamente a minha opinião, foi o fato de uma personagem de quase trinta anos se comportar com todas as crises de alguém de quinze anos, a filha adotiva de Mary Ann, Shawna (Ellen Page).

        
As temáticas LGBTQ+ são abordadas de forma bem orgânica e natural, sem julgamentos fáceis, ou até desprovidos deles. Ninguém é apresentado como aberração. A não ser pelas atitudes e ações de “ecos” da realidade que se percebe ser as vozes com a qual a comunidade sempre lutou para se garantir e ganhar seus direitos. Não há como não retratar o preconceito que, interessantemente, vem de pessoas/personagens de fora de São Francisco. Aqui a cidade se mostra um porto seguro onde gays, lésbicas ou trans, são simplesmente o que realmente são: pessoas. Ninguém é visto como “pervertido”. Pode haver contradição em suas atitudes, mas todos como pessoas vivem suas particularidades sem julgamentos. E ao mesmo tempo nos é colocado o modo de vida de cada um, escolhas boas ou ruins. O personagem Michel “Mouse” Tolliver (Marcus D’Amico/Paul Hopkins/Murray Bartlet, houve a mudança de intérprete em diferentes temporadas) é o gay romântico que não consegue deixar de ser puta/galinha e fode com tudo quase todas as vezes e, em outras, é literalmente fodido por seus parceiros. Contudo nada o faz desanimar de uma boa safadeza e ao mesmo tempo da tentativa de ser feliz com alguém. E é com ele que temos um dos textos mais emblemáticos sobre o orgulho de ser gay, sua famosa carta aos pais onde revela sua sexualidade, praticamente um manifesto que até hoje é celebrado nos EUA.
         É interessante mencionar também que a Netflix disponibilizou um documentário sobre o autor do livro. E, em algum momento do documentário, ele mesmo se identifica com “Mouse”, a gay puta romântica. Contudo isso não é mostrado como algo negativo e sim como uma mera condição de um ser humano que possui várias possibilidades de escolha e se aproveita de todas que pode ter. É à luz do documentário “The Untold Tales of Armistead Maupin” que seus folhetins não ficaram apenas esbarrando em amenidades e ficção, ele reportou e mostrou o que foi a dizimação de centenas de homens gays: o surgimento da AIDS. As séries só insinuam isso no fim da terceira temporada e na última temporada temos um “Mouse” que convive com a doença há anos. Somente com o documentário é que algumas coisas ficam mais claras para nós brasileiros, pois se não conhecemos nem nossa história, imagine a história de outro país.
        
É incrível que temáticas abordadas lá em 1976 na obra de Maupin e revividas em produção televisiva, primeiramente em 1993, são tão atuais aqui no Brasil. Lembro que apesar do primeiro beijo lésbico ter sido em 1963 com a novela “A calúnia” da TV Tupi só fomos ter um beijo entre dois homens em uma novela de grande repercussão nacional em 2014, “Amor à Vida” da Rede Globo, e com um dos atores mostrando nitidamente um desconforto e falta de química, e profissionalismo, com o outro ator que conseguiu se empenhar mais na cena.
        
As minorias são ainda mal representadas no Brasil. Vivemos dilemas e contradições com o atraso de 50 anos, em alguns casos até de 500. Parece que ao invés do cidadão comum médio evoluir ele está retrocedendo. E nossos produtores culturais que estão à frente e têm o poder de determinar o que a população irá assistir parecem não querer um avanço em várias situações sociais. Tudo que é evolução parece ser tratado como algo alienígena. Existe uma falsa sensação que o diferente é errado e deve ser abafado, contido e escondido. Contudo, por características bem peculiares à nossa cultura, nada é realmente abafado e tudo existe desde que ninguém fale e tudo bem.
        
Uma “passada” por Barbary Lane é necessária para todos que valorizam ou querem entender um pouco mais a cultura e o orgulho LGBTQ+ no mundo. Se outros países estão mais avançados em algumas questões só temos que aprender e tirar o melhor proveito de suas lutas. A reflexão que o outro teve sempre deve servir para nos enriquecer e nunca para nos blindar. E suscitar essa discussão com uma obra de entretenimento é mais do que válido, é essencial.   

segunda-feira, 24 de junho de 2019

MIB: Homens de Preto - Internacional


MIB: Homens de Preto Internacional



         É falho acreditar que qualquer coisa que venha da produção humana ocorra sem uma ideologia por trás. Isso não é papo de esquerdista. É um fato. Somos frutos do meio em que vivemos e reproduzimos o que nossa cultura permite. E por vezes vejo como um roteiro é fruto de um condicionamento cultural impregnado nos seus idealizadores e realizadores. Estou falando isso, pois, “Homens de Preto - Internacional” é uma dessas produções culturais, óbvio. O próprio título, um tanto machista, “exclui” a possibilidade de mulheres estarem na corporação. Contudo os mesmos roteiristas condicionados, por uma sensibilidade hodierna, acabam por dar pitadas de desconstrução do que é estabelecido e isso é criticado de uma forma bem divertida num dos diálogos. No primeiro filme da franquia, lá nos anos de 1990 já vimos, tudo bem que somente ao final, a agente “L” (Linda Firentino) tomar seu lugar ao lado de “J” (Will Smith). Mas o peso cultural, a ideologia, como alguns chamam, ainda arrasta não só a asa como o corpo inteiro da ave para o lado dos homens.
      
   Em “Homens de Preto – Internacional” temos o típico “predador” americano como personagem principal, “H” é bonito, bem sucedido e reconhecido no trabalho, tudo que faz dá certo no final, tem experiência, principalmente sexual, até alienígena ele “traça” e converge tudo isso em um charme irresistível. Atitude é tudo, é o que vende. Uma atitude masculina com certeza. Contudo, e aí temos uma pequena quebra de paradigma, todo esse jeito de ser é que o coloca nos problemas que surgem. Sua arrogância em não perceber o ambiente que está acaba por fazer um amigo morrer. E, em uma posição que precisa ser enaltecida está “M”, uma candidata a se tornar uma agente “MiB” que foi atrás do posto e não recrutada como é costume do departamento. Contudo a escapadela da ideologia vigente retorna aos trilhos.
O homem sempre está à frente fazendo e acontecendo, sendo atrapalhado, inconsequente e charmoso e até perigoso, tudo é perdoado até por seus superiores. Simbolicamente, um paladino é imposto a “M”, um alienígena diminuto que se coloca a seu serviço a fazendo sua rainha, mesmo que fique clara sua inabilidade em proteger sua rainha anterior. É como se a mensagem passada fosse “apesar de você ser durona por ser mulher você precisa de um protetor”. E o pior de tudo é que fica evidente que essa garota inocente e determinada vai se apaixonar pelo safadão experiente que coleciona ex-namoradas.

        
Sem fazer maiores análises para não correr o risco de dar algum spoiler, vejo “MiB-Internacioal” como o típico filme que enaltece o homem, mesmo atrapalhado e com uma ética em relação a mulheres bem questionável, como o herói fodão que merece ser imitado. Contudo pequenas pitadas de valorização feminina são garantidas, pois o público exige isso, pelo menos uma parte desse público. Sim, esse mesmo público ainda dita algumas regras e temos marmanjos que se sentem intimidados com personagens femininas fortes. Por isso “M” é “pura” aos olhos menos treinados.
Por trás é uma personagem forte e destemida que sabe o que quer e como chegar até lá e faz valer o filme. Se não fosse sua personagem as coisas não se resolveriam de forma adequada e convincente. Garanto que muita gente vai assistir ao filme mais pelo Chris Hemsworth/Thor do que pela ótima Tessa Thompson que foi a Valkyrie em Thor – Ragnarok. Os dois fazem uma boa dobradinha, minha predileção fica para Thompson. Hemsworth sem barba e sem músculos fica bem sem graça. É impressão minha ou ele está muito magro nesse filme? Nem parece o bombadão de antes.

        
Apesar do filme não ter grandes inovações ele garante diversão. Pelo jeito é o que os filmes estão tentando fazer, principalmente os de ação/aventura que pecam pelas histórias previsíveis, se agarrando ao público mais novo sem muito senso crítico e vontade de assistir aos filmes anteriores. Um dia desses ouvi um carinha dizer que um filme de 2010 era velho. Imagino se um dia ele conseguirá assistir a um filme de 1950. Eu espero e desejo que sim.  E os “cinéfilos” que só possuem como referência mais antiga “Laranja Mecânica” e nenhum outro mais? Bom, estou envergando para outros lados.
         “Homens de Preto – Internacional” vai divertir quem gosta do gênero, tem ação e humor suficientes para isso. Contudo se estiver num estágio mais avançado de senso crítico realmente assista outra coisa, esse vai te aborrecer.

sexta-feira, 21 de junho de 2019

Mistério no Mediterrâneo

Mistério no Mediterrâneo




         Assisti “Mistério no Mediterrâneo” sem nenhuma pretensão e em função da Jennifer Aniston. Ainda gosto dela mesmo fazendo uma repetição de seu papel, Rachel, de “Friends”, em diferentes fases da vida. Somente em “Cake – Uma razão para viver” e  “Amigas com dinheiro” que ela consegue dar um salto mostrando que não é de um personagem só.  Contudo a personagem de mulher comum, não lá muito brilhante e que se enrola em situações cotidianas e atrapalhadas lhe cai bem.
O que imagino não ser fácil, pois é uma mulher muito bonita e já alcançou o patamar de estrela, e o episódio em que ela se posicionou a favor de seus colegas de elenco para que ganhassem o mesmo salário na série que lhe rendeu sucesso mostra que é inteligente e muito generosa, não se pode dizer que seja comum. Já o Adam Sandler parece estar no piloto automático. Não há camadas em sua interpretação e não há filmes onde o tenha achado melhor. Sempre o mesmo personagem, o cidadão de bem, médio americano que se atrapalha em atitudes um tanto quanto questionáveis. E sei que muita gente foi assistir esse filme por causa dele. Percebi também que a imprensa fala mais dele do que de Aniston, como se o filme fosse só dele.
        
“Mistério no Mediterrâneo” é uma sátira aos filmes de mistério em que um detetive investiga um assassinato num cenário luxuoso. Contudo a ironia é que o detetive não é detetive de verdade, e o mistério não é tão mirabolante quanto se imagina e o jogo de deduções não leva para o lado certo nunca. Cada conclusão a que se chega um novo fato aparece e dá a impressão que só se revela o assassino definitivo porque o acaso assim o faz. Há um empenho bem elaborado no roteiro que aparentemente se mostra bobo. A escolha do elenco de apoio também é acertada e a cada cenário luxuoso que é apresentado só realça a “mediocridade” do casal comum que se torna pivô de um crime. A diversão é garantida, não esperem uma sofisticação na história. Tudo é feito e calculado para levar a diversão. Por isso entendo a escolha, apesar de não gostar de Sandler, ele tem peso junto com Aniston para desenrolar uma história que cativa o público. E a produtora do filme sabe bem disso, Netflix, que não dá ponto sem nó. A produção explora bem locações fantásticas mostrando o mundo dos verdadeiramente ricos, passando pela França, um iate fabuloso, Monte Carlo e Itália.
        
Todos os elementos clássicos e clichês estão ali representados, um idoso podre de rico insuportável casado com uma mulher mais jovem, um artefato antigo, os parentes e agregados parasitas, um caso de amor mal resolvido, um playboy, uma atriz, um general, um capanga, um esportista, no caso um piloto, um membro de alguma realeza obscura, o detetive internacional, só falta o mordomo. Esses elementos todos são distorcidos e colocados de forma patética para criar o fator cômico. Até as pistas colocadas aleatoriamente no meio da narrativa se fazem presentes como forma de adensar a sátira sobre o gênero, cheio de caricaturas e bem esgotado no formato.
         Como disse não é o filme de uma vida, arrebatador, mas garante o que propõe: diversão.  

domingo, 19 de maio de 2019

Vingadores - Ultimato


Vingadores – Ultimato




Uma afirmação: o filme é muito bom, bem construído e estruturado, principalmente em relação aos roteiros anteriores. Produção de arte impecável, efeitos, é um ótimo final para uma epopéia cinematográfica que rendeu tantos arcos de histórias e tantos lucros. Vemos pela arrecadação que se teve até agora. Contudo é uma obra humana, grandiosa,  então passível de críticas. E acho que minhas críticas vão mais pela ideologia do filme do que no filme em si.
Possivelmente haverá spoilers, então: alerta de spoilers!


Vou começar pelos mortos. Não acho que matar a Viúva Negra tenha acrescentado algo à sua personagem ou ao seu valor como heroína. Parece que os roteiristas sempre optam por descartar uma personagem mulher e nunca o homem. Lembro que o Gavião só voltou, pois ficou putinho com a perda da família, não digo que não seja um bom motivo. Contudo ele tinha abandonado a equipe, e a Natasha não. E no decorrer do lapso de tempo em que todos estiveram sumidos na pedra da alma, percebe-se que Natasha está deprimida e que sentiu mais que todos, ou tanto quanto, a perda da população. Seu “sacrifício” me soou mais como um suicídio. Se bem que o Gavião não estaria em condições diferentes dela. Uma alma era pedida como resgate da pedra e só sinto que os roteiristas optaram pela mulher. Num momento de tanta conscientização pela importância feminina isso ecoa como algo meio rude. Contudo, no âmbito artístico, o drama estava mais para o lado de Natasha, se perdêssemos o Gavião não sentiríamos tanto. É uma morte que, pelo menos em mim, realmente fez sofrer. Percebam que não estou querendo afirmar que foi certo ou errado, no momento só faço conjecturas. Como disse o filme é muito bom por ser o fim de uma saga.
A outra morte, Stark. Afff! Narcisismo ou burrice? Uma mescla dos dois? Era evidente que ele sendo humano não aguentaria o fluxo de poder que as jóias produziriam. Foram até que generosos, pois ele não explodiu em partículas de carne moída ressecada. Viram como ficou ao braço do Hulk? Mano, era o braço do Hulk! Poucos personagens do filme não sofreriam algum dano com a manopla do poder. Havia personagens mais poderosos que o Tony. E era só ele levar a luva dourada para esses personagens. Contudo temos aqui um alter ego dos americanos, lembro que o outro é o Capitão América, e esse ego inflado americano não deixaria outra pessoa fazer o serviço. Lembramos que Thor é “estrangeiro”, Hulk já não tinha dado certo, mataram a Viúva Negra antes, o Gavião, tão útil que para impor um respeito e fúria faz um corte de cabelo “rebelde” e sai matando “bandidos”, Pantera Negra, estrangeiro e negro, Dr. Estranho, apesar de ser a versão mística de Stark, sabe que não pode, ele vê as coisas de forma mais claras, e a Capitã, era só uma mulher que surgiu com um filme nos quarenta e cinco minutos do segundo tempo. Stark era o "necessário". Mesmo ele tento poder, pela tecnologia obviamente, de conseguir chegar até outro personagem mais poderoso. O problema não foi o Stark se “sacrificar”. O problema que não foi um sacrifício, como disse foi uma burrice com narcisismo que o sentimento americano possui e transborda em seus filmes, é a ideologia que falei acima. Sei que não dá para tirar isso dos roteiristas. E o peso de se fazer um filme desses, a cobrança é tamanha, os contratos que vencem, os que estavam renovados, os cachês altos, e tudo foram determinantes para definir quem morria. E mais certo é que não dá para levar os Vingadores adiante, pois os atores estão envelhecendo e ficando caros. Eu acredito em vários reboots e que novas personificações de heróis estão por vir.   
Outro ponto que me chamou a atenção foi o “embarangamento” do Thor. Ele perdeu o apelo sexual que seu corpo escultural e beleza causavam e muita gente não gostou. Perceba que só colocaram uma prótese no peito e barriga do ator e deixaram a barba um pouco mais longa e isso foi o suficiente para acharem ele feio. O ator continuou com as mesmas feições e toda a essência do personagem estava lá. Mas sem o tanquinho ele perde a importância? Claro que não! Ele continuou fazendo o que sempre fazia e ainda nos deu uma complexidade maior ao personagem, ele estava claramente em um quadro depressivo em que a pessoa se cerca de recursos “alegres” para amortecer sua condição, contudo a depressão está lá, o transformando em zumbi social, que não sai de casa e nem se preocupa com sua aparência. E ele era um deus, imagina o quão complicado é um deus em depressão. Nebulosa foi a que mais cresceu nesse fim, ela, mesmo que “desumanizada” (sei que ela nunca foi um personagem humano, só uma expressão) consegue promover um avanço que fica evidente em suas poucas aparições. Um robô de guerra que “humanizado” se torna uma peça-chave para a história, mesmo que seja de uma forma invertida.
Jesus! O que fizeram com o Hulk!!??? O transformaram num macho hetero desconstruidão!!!! Só faltou a barba e chavões do tipo "Crossfit é o melhor exercício!", "Sou ser humano!", "Não sou de esquerda nem de direita, sou do Brasil!". Foi de cagar, apesar de promover uma certa graça pelo absurdo da situação. O Hulk morreu nesse episódio final. Apesar de ser um personagem insólito que nunca sabiam direito o que fazer com ele. Oscilavam em deixar o Banner aparecer e tirar os poderes ou a coragem do Hulk. Poder demais para um personagem “abobam” os roteiristas nos filmes.
Na verdade vários personagens poderosos foram anulados no filme de forma proposital para dar mais destaque a personagens menos poderosos. Vemos que a Capitã Marvel era colocada só em “missões” fora da terra. E quando o perigo está em curso ela sempre está fazendo algo que a impede de participar do desenlace final, contudo o que faz é algo imprescindível moralmente, ser escada a outros personagens machos. Assim como o Dr. Estranho que ficou preso contendo a água de uma represa e a Feiticeira Escarlate que tem seu grande momento de luta com Thanos, que apela de uma forma aterradora para não morrer e novamente a Feiticeira é suspensa pelo roteiro.
Claro que poderia falar infinitamente de várias nuances ideológicas de “Vingadores – Ultimato”. E nem vou comentar da “aposentadoria” do Capitão que o fez envelhecer absurdamente, realmente o casamento acaba com uma pessoa. Temos uma cena que reúne todas as mulheres para enfrentar Thanos, uma metade de de um quarto de um biscoito para dar um cala-boca nas feministas. No geral estamos cheios de “cala-bocas” em “Vingadores – Ultimato”. E com isso, pequenas migalhas, conseguimos nos satisfazer e aceitar o todo que ainda continua bem tradicional, colocando os personagens homens como principais para satisfazer a maioria que não gosta de ter mulheres como salvadoras do universo.


domingo, 10 de fevereiro de 2019

Roma


Roma





         Filme que me causou sentimentos antagônicos. Eu via que era do “karáleo”, com uma produção esmeradíssima, com uma fotografia linda, com uma linha narrativa e riquíssima, principalmente através dos figurantes, era grandioso e apesar de tudo isso me deu um tédio tremendo.
Levei um mês para finalizar todo as 2h e 15min de filme na plataforma de streaming da Netflix. A história de Cléo (Yalitza Aparício) que se envolve com um cara e engravida e sua patroa, que a acolhe, é tão corriqueira por aqui que fiquei um pouco incomodado. Contudo percebi tudo o que o filme é e o motivo da crítica estar encantada com ele. A direção de Alfonso Curarón é fantástica. Como citei acima a história principal é bem simples, aparentemente, e banal, contudo a reconstrução de época e a figuração do filme são absurdamente bem feitas. Há muitos figurantes em situações diversas. As ruas sempre cheias, os estabelecimentos comerciais idem. É muita gente no pano de fundo pelo qual Cléu passa. Parece, em alguns momentos, que a cena leva o tempo real de cada ação e capta a banalidade em um estado de puro aperfeiçoamento técnico.
É interessante o paralelo enredado entre a gravidez e abandono do pai da criança e a fecundidade de sua patroa que também é abandonada pelo seu parceiro/marido. “Roma” tem inúmeros paralelos com grandes obras cinematográficas européias, contudo mantém a essência típica latina. Não é um filme hollywoodiano, é um filme latino. Por mais que seu diretor seja conhecido e já premiado pela indústria de lá. Tanto que já ganhou o Oscar de melhor diretor. Ele deveria ganhar por essa pérola modorrenta. Sério, é até engraçado para perceber o quanto o filme é phodástico e ao mesmo tempo ter sentido tédio pelo desenrolar da trama.
E percebam o filme não é rodado em inglês e sim castelhano e foi indicado a Melhor Filme e Melhor Filme Estrangeiro é um indício de reconhecimento da grandiosidade do filme. Sem contar que consegue ainda indicação para as duas atrizes, a principal, a já citada Yalitza, e a coadjuvante, Marina de Tavira, que faz a patroa abandonada com quatro filhos. Há um jogo de símbolos na vida das duas personagens que estão ligadas.
O pano de fundo histórico é tão politizado que assombra. É um tempo específico na história do México e o título remonta ao nome do bairro da capital deste país: Colônia Roma que o diretor resgata de suas memórias. Vemos o tempo todo os contrastes, mesmo que em preto e branco de ricos e pobres, da patroa cheia de filhos, e da empregada grávida, da civilidade do centro urbano, a precariedade da periferia e a abundancia nativa da natureza mexicana.

         Em eras de delirante presidente que deseja construir um muro para separar México e EUA vemos que o óbvio aconteceu. O México, e a América Latina, já conquistaram os EUA, só não vê quem não quer, se não pelos imigrantes, também pela arte. E só aviso que não é por ter sido sonífero para mim que o mesmo acontecerá com quem assistir.
Há fatores individuais que influenciam no gosto pessoal. O problema que tento apontar sempre é que o gosto individual não pode sobrepor ao que a obra é por sua grandeza. É justo eu não gostar, contudo não é justo eu dizer que o filme é uma bosta só por isso. “Roma” não é uma bosta longe disso é um diadema raro para coroar Cuarón que já fez tantos filmes bons.

segunda-feira, 28 de janeiro de 2019

Vidro


Vidro





         “Vidro” seria, supostamente, a finalização de uma trilogia idealizada por M. Night Shyamalan e teria como primeiro filme “Corpo fechado”, título horrendo para a compreensão do todo, pois uma tradução mais fiel seria “Inquebrável” e, o filme do meio, “Fragmentado”. O jogo de palavras já nos dá o parecer sobre a ideia geral, não fosse o título do primeiro como já apontei.
        
Na época “Corpo Fechado” não foi bem “entendido”, mas garantiu uma bilheteria ok. Depois de vários fracassos do diretor/roteirista “Fragmentado” pareceu dar novo fôlego a carreira do diretor. Contudo “Vidro” não dá o fôlego necessário ao final da trilogia. É lento e modorrento, para quem não conhece essa palavra é sinônimo de sonolento.
        
Por mais que se inspire nas histórias em quadrinhos Shyamalan é um fazedor de suspenses. E não há “ação” neste filme, há a construção rotineira do diretor para tentar nos pegar de jeito com alguma reviravolta, ou, como muitos preferem, plot twist. Uma coisa irritante é a muleta que é usada o tempo todo para nos situar na obra, as explicações sobre as narrativas das histórias em quadrinho. No mais o filme é de boa. “Fragmentado” ainda continua sendo o melhor dos três, seguido por “Corpo fechado”. “Vidro” é o mais fraco, e ao mesmo tempo o mais essencial, dá o fim apoteótico que a trilogia mereceria. Contudo vejo que algo me incomoda na direção de Shyamalan, ele neutraliza seus atores.
Não há grandes esboços de emoções. Todos ficam praticamente com “cara de ué!” o tempo todo. Não há vazão aos sentimentos. No geral os personagens são circunspectos e calados. Parece que o roteiro manipula as interpretações de uma forma a contê-las. Esse recurso deixa o filme frio, genérico e nos afasta um pouco do que acontece. A não ser que seja o “vilão” do filme. Esses são colocados com arroubos de interpretações.

        
“Vidro” resgata personagens do primeiro filme, dá novos ares com outros personagens novos e tenta fazer todo o paralelo possível, como já disse, com as HQs. Não é um filme ruim, contudo não é o melhor de todos. Ele faz o encerramento de um ciclo começado em 2001 com “Corpo fechado”. Os atores são quase coadjuvantes da história. Parece ser uma tendência do diretor/roteirista fazer esse jogo.
E como sempre ele consegue estrelas para protagonizar sua história, resgata Bruce Willis e Samuel L. Jackson e James McAvory como os protagonistas, seu auxiliares coadjuvantes estão lá também, Spencer Treat Clark, Anya Taylor-Joy e Charlayne Woodard. Sarah Pulson é colocada como personagem nova da trilogia com um papel primordial, a Dra. Ellie Staple.

        
Contudo, se busca um filme agitado de ação vertiginosa fuja desse, está mais para um suspense psicológico soft. Se seguiu até aqui a trilogia assista para dar o fim que é necessário.