sábado, 3 de março de 2018

Filme: Eu, Tonia


Eu, Tonya




           
Eu fui ver esse filme com uma expectativa: vai ser mais um filme de “atleta” com alguma dificuldade a ser superada. Porém, não lembrava do “bafo” que envolvia Tonya Harding e a sua rival Nancy Kerrigan. Para quem não se lembra, assim como eu, as duas protagonizaram um escândalo na patinação. O marido de Tonya, planejou um ato imbecil: eliminar Nancy da competição quebrando seu joelho. Isso antes das Olimpíadas de 1993-1994. Nancy consegue se recuperar a tempo e ainda conquista a medalha de prata e Tonya fica em 8º lugar.
           
Pela obsessão dos americanos por vitória talvez o óbvio era contar a história de Nancy. Contudo não há como negar que, como personagem, Tonya é a melhor. O filme começa com as cartas expostas: “foi tudo baseado nos depoimentos e entrevistas dos envolvidos no caso” e que “esses depoimentos são totalmente contraditórios”. Com isso já colocado o roteiro, com muito sarcásmo, vai desenrolando a vida nada fácil de Tonya. Com uma mãe fria, dura e sádica começa os treinos de patinação aos 4 anos. E começa a ganhar seus primeiros prêmios. Aos 15 conhece seu futuro marido que a espancava. Era inegável o talento para a patinação de Tonya como era inegável o talento para estar num furacão emocional que a desestabilizava sempre. Para suavizar a densidade da vida da protagonista e gerar dúvida sobre os fatos o roteiro, deliciosamente, acerta em certos momentos ao quebrar a quarta parede.
“Quebrar a quarta parede” é um recurso cênico que consiste em algum personagem falar diretamente ao público gerando uma quebra de uma possível alienação que a obra tenha causado ou aquele esquecimento de que se está diante de um filme, no caso. Isso é um recurso perigoso em cinema. Bem usado deixa a obra mais instigante. E como foi bem usado esse recurso aqui, pois nos leva a entender que nem os roteiristas sabem direito se os depoimentos ali são confiáveis. Temos que lembrar que a obra foi baseada em um crime que deixou mais pontos cegos que o normal. Até hoje não se sabe ao certo o real envolvimento de Tonya, que alega não saber de nada. Outro ponto interessante da história é a imbecilidade dos envolvidos no atentado contra Nancy. Foi algo tão ridículo que chega a ser difícil de acreditar nas patetadas que se sucederam.
           
É difícil tratar de um tema tão pesado de uma maneira cômica. Tonya é agredida, emocional e fisicamente, o tempo todo por seu marido Jeff Gilloly e por sua, mãe, LaVona Harding emocionalmente. Tonya é magistralmente interpretada por Margot Robbie que já possui outra personagem forte vítima de abuso, para quem não lembra ela foi a Arlequina em “Esquadrão Suicida”. Jeff é interpretado pelo “Soldado Invernal” Sebastian Stan. Mas o show de dramaturgia está em LaVona.
Só com esse nome percebemos que a personagem é diferente e merece atenção. Allison Janney dá vida a LaVona Harding. Essa atriz fez a série “Mom”,  uma série cômica onde se vê muito de LaVona,  com a diferença da mãe da série ser “amigona”  apesar do egoísmo e inconsequência. Aqui Janney pesa a mão ao levar a personagem para a caricatura de si mesma, em outros papéis,  de uma forma mais densa e dramática. É uma megera que todos queremos longe, é aquela vilã de filme que todos adoram odiar.
Em momento algum LaVona se mostra amorosa ou digna de pena. Ela é assim por sua natureza, tem consciência disso e assume que foi uma mãe terrível. Não ri, não parece satisfeita com nada, força sua filha ao máximo em tudo da pior maneira possível. Desdenha, humilha, obriga a fazer as coisas contra a vontade, é inconveniente, é amarga, é absurda, é “fantástica”. É incrível uma personagem como esta.
E olha que Robbie não é ofuscada por Janney. Estão em pé de igualdade, pois ambas dão o máximo em suas atuações. E dá certo, o resultado é muito bom. Pena saber que tudo é baseado em fatos reais. Pois a vida de Tonya não foi fácil apesar de o filme ser delicioso de assistir...